Mas não era uma ferida física que o havia cegado, e sim algo muito mais brutal: a traição. Luna, sua companheira destinada, o havia rejeitado quando ele mais precisava dela. E com esse abandono, ela impôs o castigo mais impiedoso que um alfa poderia receber: o esquecimento, a solidão, a humilhação e a cegueira.
Mas Kael não era um lobo comum. Mesmo quebrado, sua presença impunha respeito. Mesmo cego, sua alma ardia como uma fogueira no meio da floresta, inextinguível, alimentada por uma única verdade: ele jurou que voltaria para se vingar de todos, especialmente de seu irmão mais novo, que conspirou contra ele para vê-lo cair.
Sua matilha, aquela por quem ele sangrou e rugiu, o cuspiu como se ele nunca tivesse pertencido. Eles o baniram, pisoteando seu nome, enterrando o legado do Alfa sob a indiferença e a covardia. Mas a fúria de Kael não conheceria descanso. Não enquanto seu coração ainda batesse nas sombras.
«Lyra, venha cá! Encontrei um homem, rápido!»
«Um homem por aqui? Que estranho...» Lyra guardou sua arma de caça e se dirigiu ao local onde Helga a chamava. Mas ao vê-lo, seus olhos se iluminaram e seu coração disparou.
«Não... não pode ser verdade. O que ele está fazendo aqui?» Ela se ajoelhou ao lado do corpo, tremendo, e verificou se Kael ainda respirava.
«Helga, ajude-me, por favor. Traga o carro. Ele está muito ferido, precisamos levá-lo conosco.»
«Você o conhece?» Helga perguntou, confusa.
«Sim... é Kael», o nome escapou dos lábios de Lyra com nostalgia.
«Kael? O Alfa da matilha Lua Negra? O que diabos aconteceu com ele? Não podemos levá-lo para casa, Lyra, é perigoso.»
Lyra já começava a amarrá-lo com determinação, preparando-se para levantá-lo. Ela balançou a cabeça; não o deixaria ali, não ele, não depois de tudo o que havia acontecido, ela não conseguiria se perdoar.
«Não vou deixá-lo jogado aqui como um animal moribundo. Ajude-me!»
«Mas... temos que trazer o jantar. Estão nos esperando, e se chegarmos de mãos vazias, você sabe muito bem que poderíamos ser o prato principal», Helga murmurou, completamente nervosa.
Mas Lyra não se importava; ela sempre esteve ali para Kael.
«Vamos parar em um açougue e pegar carne. Não entendo por que continuam nos forçando a caçar», Lyra zombou, enquanto levantava com força o corpo de Kael. Com a ajuda de Helga, ela o acomodou em seus ombros e o colocaram no carro.
Lyra não era mais do que uma ômega, uma escrava destinada a cozinhar e fornecer comida para a matilha. Mas apesar de sua patente, ela era forte, orgulhosa, indomável. Antes de retornar, elas compraram carne suficiente para evitar perguntas e punições. Quando finalmente chegaram, juntas colocaram Kael na cama de Lyra.
«Obrigada, Helga. Eu cuido dele.»
«Você tem alguma ideia do problema em que vamos nos meter se descobrirem que Kael está aqui?»
«Eu sei», Lyra respondeu, firme. «Mas assumo a responsabilidade, quero cuidar dele.»
Ela pegou uma bacia de água, uma toalha limpa e começou a colocar panos úmidos em sua testa, tentando aliviar sua febre e limpar suavemente suas feridas.
«Maldita seja, Lyra... Não quero estar na sua pele», Helga murmurou antes de sair, fechando a porta da pequena cabana atrás de si.
E assim, pelo resto da noite e boa parte da madrugada, Lyra permaneceu ao lado dele. Limpou cada ferida, monitorou sua respiração, acariciou sua pele em brasa... e protegeu seu sono como se sua vida dependesse disso.
A manhã seguinte chegou, e os primeiros raios de sol se filtravam pela janela daquela humilde cabana. Lyra, exausta de sua vigília, dormia reclinada na beira da cama, enquanto Kael, com esforço, abriu os olhos.
Que cheiro era aquele?
Confuso, Kael imediatamente percebeu que não estava na floresta... nem em sua mansão. Ele estava em uma cama desconhecida, mas aquele fedor... isso o enfureceu.
«Onde estou?», ele murmurou roucamente, sua garganta ardendo de secura.
Lyra acordou assustada e, ao vê-lo consciente, não pôde deixar de sorrir.
«Alfa...»
«Essa voz, esse cheiro. Esse maldito cheiro!» ele rosnou para si mesmo. De repente, ele tentou se sentar.
«Lyra! O que diabos estou fazendo na sua casa?!» ele rugiu, e em um instante, atirou a xícara de água para o outro lado do quarto. Com fúria descontrolada, varreu tudo ao seu alcance. Alguns pratos se estilhaçaram contra o chão.
«Kael... Alfa... por favor», Lyra cobriu a cabeça, aterrorizada.
«Por que você me trouxe da floresta? Por que não me deixou morrer lá?»
«Eu... eu te encontrei muito doente. Não pude te deixar assim. Por favor, você está ferido. Precisa descansar, precisa-»
«Não me peça para me acalmar, Lyra!», ele a interrompeu com um grito feroz. «Ninguém quer sua estúpida compaixão. Não quero estar neste maldito buraco... e especialmente não com você.»
«Kael... eu só queria te ajudar. Eles te expulsaram da matilha, eles querem você morto. Estou apenas tentando te proteger... como ninguém mais faria.»
Sua voz falhou, mas seus olhos permaneceram fixos nele. Não havia ódio em seu olhar; ele nunca a amou ou reconheceu seus sentimentos, ainda assim ela permaneceu firme no que sentia por ele.
«Não preciso de uma ômega de baixa patente como você para me ajudar, e especialmente não por compaixão!», Kael retrucou com desprezo. «Estou saindo desta maldita cabana fedorenta!»
Com esforço, ele tentou se levantar da cama, mas seu corpo, enfraquecido e quebrado, o traiu. Mal conseguiu se sentar antes de cair de volta no colchão com um grunhido de frustração.
Ele estava cego. Não conseguia se orientar, não via nada; seus olhos eram inúteis. Tudo o que lhe restava agora era o olfato, e o cheiro da casa de Lyra o desorientava, impedindo-o de se mover com segurança para qualquer lugar. Cheirava a pobreza, a resignação, a tudo o que ele abominara por toda a vida.
«Kael, por favor...» Lyra se aproximou para ajudá-lo, mas ele a afastou bruscamente.
«Não me toque! Prefiro morrer a ficar aqui com você. Você não passa de uma serva!»
Lyra baixou o olhar. As palavras de Kael a atingiram como lâminas; seu peito doía. Desde criança, ela o amava com uma força silenciosa e infinita, disposta a fazer qualquer coisa por ele. Mas todos riam de seu amor calado; ninguém levava a sério o desejo de uma ômega insignificante, muito menos ele, que sempre a olhara com desdém... como se sua existência fosse uma completa zombaria.
«Estou saindo daqui», Kael rosnou, e tentou se sentar mais uma vez. Mas suas pernas, fraturadas pelas surras que recebera antes de seu exílio, falharam. Ele perdeu o equilíbrio e caiu em direção ao chão.
Lyra, que estava por perto, reagiu imediatamente. Ela o abraçou por trás, segurando-o em seus braços antes que ele pudesse se chocar contra o chão.
Seu toque era quente; ela o abraçou, querendo protegê-lo.
«Não vou deixar que se machuque mais... mesmo que me odeie. Mesmo que deseje nunca ter acordado aqui. Não vou soltar você, Kael, estou aqui para cuidar de você sempre.»
Imediatamente, Kael sentiu o toque de Lyra queimá-lo. Um acesso de fúria excessiva percorreu seu corpo e, sem pensar, ele a empurrou com tanta violência que ela caiu no chão.
«Não preciso que você cuide de mim», ele rugiu, sua voz cheia de desprezo. «Se você fosse a última mulher na Terra, eu não me importaria. O fato de minha companheira ter me rejeitado não significa que eu agora notaria uma ômega tão insignificante quanto você. Prefiro morrer primeiro.»