Entrei no hospital, agarrado ao relatório do teste de ADN. O médico confirmou: 99,9% de compatibilidade. Ele era o pai. Finalmente, a nossa filha, Sofia, teria uma medula compatível. A minha ex-mulher, Clara, agarrou no relatório, os olhos marejados. "É ele." O Tiago, o homem que quase destruiu o meu casamento, era a única esperança. Aquele por quem Clara me traiu antes de casarmos e que, por amor, eu perdoara. Enquanto Sofia lutava pela vida, vi Clara e Tiago reunirem-se. Ouvi os risos deles, as conversas baixas. Até a pergunta dela: "Será que Miguel alguma vez esqueceu?" "A dor está sempre lá, Tiago." Sim, a dor estava lá. Mas o amor pela minha família, pensei eu, era suficiente. Aparentemente, para ela, não era. Ela questionava a nossa vida inteira com o homem que a magoara, mas que agora se tornava o herói. Eu, o \"pai\" que a amava e dava tudo, era apenas um estranho. Um espectador na minha própria vida, no quarto da minha filha. A mulher que eu amava redescobria um amor antigo. E eu, o que me tornei? O prémio de consolação? O plano B? Tudo o que sacrifiquei, o passado que engoli, tudo parecia não significar nada. Ali, no meio daquela ironia esmagadora, uma decisão se formou. Eu merecia mais. Decidi que ia embora. Para o divórcio, sim. Mas para (re)encontrar-me. A minha filha tinha dois pais agora. E eu, finalmente, ia ter a mim de volta.