Entrar na mente de um psicopata é como adentrar uma casa com paredes, teto e chão de vidro.
Tudo está exposto.
Inclusive você.
Cometi meu primeiro erro quando dei corda a ele. Flertei com seu lado psicótico, deixei-o invadir minha mente e permiti que essa relação se tornasse pessoal. Fazer isso com um assassino comum é diferente: um jogo brando de trocas de informações. Com ele, foi sujo e desgastante. E, por mais que seja meu trabalho, não consigo evitar a sensação de estar manchando minha alma. Não há conserto para o que sinto agora. Cada milésimo de segundo revela uma nova descoberta. Aprendi que, para capturar alguém como ele, é preciso dominar a arte da calma, a paciência é essencial.
Mas há um preço!
Nos envolvemos demais. E, quando isso acontece, torna-se impossível distinguir o que é real e o que é manipulação.
Faz cinco meses e três semanas que estou neste jogo. Cinco meses ouvindo aquela voz misteriosa invadir meus pensamentos. Prever sua próxima jogada era o objetivo até que, de repente, fui eu quem se viu no tabuleiro, sem defesa, à mercê dele.
Meticuloso, calculista.
Ele orquestra cada passo com precisão cirúrgica. Não deixa rastros, nem testemunhas, e eu o subestimei.
Um erro.
Só um.
E ele transformou o peão em rainha.
Agora sou eu quem está do outro lado. Presa. Vendada. Esperando pelo fim. Apesar da escuridão, meus sentidos estão em alerta, posso ouvir, sentir e imaginar. Sei que estamos em um lugar bem afastado. O som do mar me diz que estamos isolados, ouço as ondas quebrando e se chocando contra a areia. Sinto o cheiro da natureza misturado ao do meu próprio medo, sua voz ecoa pelo alterador.
Fria, impessoal.
Impossível de identificar. E eu sei: no momento em que ele tirar a venda dos meus olhos... Estarei morta. Ele não vai me deixar ir, ele me conhece tão bem, a ponto de não me subestimar. Sei que posso gritar com toda a força... e ainda assim, isso não me libertaria. Estamos longe de tudo.
O vento quente entra pela janela e acaricia minha pele exposta, exceto pela lingerie que, provavelmente, foi ele quem me vestiu. Não consigo me mover. Aplicou algo que paralisou minhas funções motoras, e agora estou completamente à mercê dele.
A única certeza que tenho é que ele não vai me estuprar. Mas isso não explica as cordas ao redor dos meus pulsos e tornozelos, me prendendo à cama com firmeza. A espessura da corda, o modo grosseiro como foi amarrada, tudo isso foge dos padrões meticulosos dele. E isso, para mim, é um péssimo sinal.
Mas sei que ele fará tudo o que lhe trouxer prazer, e é isso que me atormenta. Meu peito sobe e desce com rapidez. A respiração curta. O desespero silencioso. Sei que a porta irá se abrir a qualquer momento, e quando isso acontecer a tortura vai começar.
Fui tola ao acreditar que conseguiria resolver este caso antes dos próximos corpos aparecerem, posso desaparecer, e tudo continuará.
Ele vai matar de novo. Tudo o que sei sobre ele está nos relatórios, recortes incompletos de um quebra-cabeça que jamais fechou.
Faltam peças.
Faltam respostas.
Falta tempo.
Quando perdemos um dos sentidos, os outros se aguçam, consigo ouvir ruídos suaves vindo de fora da casa e de dentro. Sinto as lágrimas escorrendo lentamente pelo meu rosto. O ranger alto da porta se abrindo marca o ápice do meu tormento. Ela se fecha com um estalo seco e então ouço os passos.
Lentos.
Precisos.
Eles se aproximam... Até pararem ao lado do que imagino ser esta cama macia onde estou amarrada, o colchão afundou, seus dedos tocam meu braço. Subindo devagar, como uma doce tortura, para ele.
- O efeito da droga que está circulando em seu organismo vai passar em breve.
A voz grave preenche o que imagino ser o quarto. A entonação metálica, distorcida pelo modulador, confirma que não verei o rosto do meu carrasco.
- Talvez sinta uma dormência maior no braço. Tive que remover o rastreador e realizar uma pequena cirurgia. - A voz estava calma, controlada. Sabia demais. - A dor vai desaparecer com o tempo...
Mesmo paralisada, sinto tudo. Suas mãos são suaves, quase gentis, enquanto deslizam pelo meu corpo como se o estivessem explorando.
- Mas devo alertá-la: você pode gritar, espernear, até mesmo tentar se soltar... mas descobrirá que as cordas apertam mais. E eu realmente não quero que se machuque.
Minha respiração acelera quando seus dedos tocam o vão entre meus seios e sobem até meus lábios, roçando-os com lentidão. O cheiro de amêndoas toma o ar.
- Você e eu temos tanto em comum... - ele continua - Agora vou preparar nosso almoço enquanto seu corpo se livra das toxinas. Quero você acordada e alerta para tudo que fizermos juntos. - Ele faz uma pausa. Em seguida, desce a venda dos meus olhos. Instintivamente, fecho-os em um gesto de defesa. - Abra. - sussurra.
Mesmo trêmula eu obedeço, por trás da máscara negra, vejo olhos frios, de um azul cortante. A máscara cobre apenas parte do rosto, mas é o suficiente para entender que ele está irritado e tentando provar que estou errada. O fato de ter saído da sua zona de caça, de ter cometido um erro, talvez tenha sido uma exceção. Uma oportunidade rara.
- Você é ótima em análise comportamental e construção de perfis psicológicos, mas falhou ao ler as entrelinhas. - Sua voz permanece calma, mas cada palavra carrega um peso gélido.
Meu corpo ainda dói. Sei que logo estarei consciente o suficiente para reagir, mas não faço ideia de onde está minha equipe, se estão me procurando ou se sequer notaram meu desaparecimento. Ele cometeu um erro ao me escolher.
- Me decepcionou, senhorita Sophie. Imaginar que os assassinatos eram apenas por frequentarem o clube? Muito raso... até mesmo para você. - Avisaram-me para não seguir esse caminho, mas eu não sou boa em ouvir conselhos. - Pretendo corrigir essa sua opinião. - Meu corpo estremece. Ele estava prestes a sair dos padrões. Eu quis gritar, mas o efeito da droga ainda me prende.
- Vai me matar? - sussurro, com a voz fraca.
- Calma. Não sou o monstro que você pensa. - Ele sorri, um sorriso dissimulado, confiante. - Devo dizer que você foi enganada o tempo todo. Eu fui seu captor... mas não sou seu salvador. Você me odeia por tê-la trazido aqui, mas fiz isso para o seu próprio bem. Agora, mantê-la viva é minha responsabilidade. - Ele faz uma pausa, e então sorri, aquele sorriso cínico, quase debochado. - Não vou matá-la, nem torturá-la, muito menos violar seu corpo, que você tanto teme, só preciso te contar exatamente no que está se metendo, antes que me diga o que fará com o que vai ouvir. Relaxe. Se for uma boa menina, posso até te desamarrar... aos poucos.
- Do que está falando? - minha voz mal sai. - Um psicopata com consciência? - Começo a rir da sua expressão. - Sabemos que, no momento em que tirar essa máscara, estarei morta. Mas há falhas no seu plano...
- Eu sou um homem de palavra, senhorita Sophie. - Ele me interrompe, firme. - Mesmo que seu corpo todo amarrado e indefeso me excite, prometi não lhe causar dor. Se quebrar o acordo... ele não me perdoará. Ele gosta de você, ou já estaria morta. - Ele sorri, enigmático. - Além disso, tenho outra convidada no quarto ao lado - diz com um brilho tenebroso nos olhos, e um arrepio me percorre a espinha.
Sinto meu corpo estremecer, a garganta seca, a respiração presa no peito. Gaguejo, tentando formar a pergunta:
- E-e-ela... quem?
- Charlie. - Ele sorri, com um prazer sádico. - Está amarrada no outro quarto. E, se fizer alguma gracinha, posso deixá-la cheia de arrependimentos. Sua amiga pode sofrer. Pode morrer.
- Não a machuque! - imploro e ele parece satisfeito com meu desespero.
- Isso depende só de você. - Estou tonta, tudo dói, minha cabeça gira. - Sabe por que nunca conseguiu me prender? Por que seu perfil nunca se encaixou? Porque você sempre esteve dois passos atrás.
- Você está vendo isso tudo pela perspectiva errada, senhorita Sophie. Sabe por que nunca definiu um perfil correto? Por que nunca me prendeu? - neguei balançando a cabeça - Nenhuma daquelas pessoas era inocente. Cada uma mereceu o que teve. E eu sou muito mais do que a voz no telefone... - Seus olhos brilham. Há um entusiasmo obscuro ali. Uma lembrança das vítimas que parece o embriagar. - Não vai me prender, mas também não espalhará mais mentiras. Você será minha confissão. Contará ao mundo por que eu fiz isso. E depois... voltaremos à caçada. Desta vez, serei sua presa. E meu rosto será a resposta para os verdadeiros criminosos. - Vamos começar do início.
A porta se abre e uma nova figura entra. Mas essa... essa eu conheço. Um homem de feições suaves, olhar frio, diferente de tudo que ele me mostrou antes. Meu coração dispara. A respiração falha. Nunca imaginei que ele seria capaz de algo assim.
- Como eu disse ao meu amigo: só eu posso tocá-la. Aliás... olá, Sophie. Surpresa em me ver? - Puxa uma cadeira e senta-se à minha frente, sorrindo. - Você estava certa sobre serem dois psicopatas. Só desconfiou da pessoa errada. Temos, sim, uma história para contar. E ela precisa começar do começo. - Seu sorriso é genuíno, quase entusiasmado. - O que fazemos é justiça. Uma troca justa, se levarmos em conta o que cada uma daquelas pessoas fez para morrer. Ele executa. Eu garanto que nada nos ligue aos crimes. - Mas então... ele muda o tom. - Nossa parceria está chegando ao fim e encontrei algo que vale a pena lutar mas, convencê-la disso não será fácil... Ele vai se suicidar por nós.
Fui vigiada desde o momento em que cheguei a Florença e agora, sou a vítima.
Mas não serei uma vítima passiva.
Agora eu sei quem eles são.
E não será tão fácil me dobrar.