Dona Aurora sempre dizia que só estava "colocando as coisas em ordem". Eu acreditei, ou fingi acreditar, porque era mais fácil viver assim. Mas quando a vi com a mão no cofrinho do meu irmão, Pedro, o frio na barriga era familiar demais. Ela roubava, sempre roubava, desde sabonetes a talheres, disfarçando tudo com um sorriso e desculpas esfarrapadas. Naquela vida, eu cedia, engolia em seco, comprava dois sabonetes para um ser "roubado", só para ter paz. Até que, no evento beneficente da escola de futebol de Pedro, tudo desmoronou. As chuteiras autografadas, o prêmio maior, foram roubadas. E magicamente, apareceram na mochila de Pedro. Dona Aurora, com seu choro forçado, me acusou na frente de todos. Meu noivo, Marcos, com sua conveniência, escolheu o lado dela, o lado "lógico". A humilhação foi pública. Pedro chorou até dormir na delegacia ao meu lado. Perdi meu emprego, meu noivo, e meu irmão perdeu seu sonho. A dor, a injustiça, eram insuportáveis, me levaram a um acidente fatal. Mas abri os olhos novamente, de volta à minha cama, ao cheiro de café, e à data. Três semanas antes do evento beneficente. Não foi um sonho. Foi uma segunda chance. E desta vez, a fúria me guiaria. Eles me tiraram tudo na outra vida. Nesta, eu tiraria tudo deles. Eu não só evitaria o desastre. Eu seria o desastre.