Eu era a mulher mais sortuda de Nova Nazaré. Como não seria? O cara mais rico da cidade me escolheu para ser a esposa dele quando existia um milhão de outras garotas com quem ele poderia se casar. Meu sonho de amor perfeito aconteceu.
Ele não tirava os olhos do celular, a todo o momento voltava a atenção, colocava o aparelho no paletó caro e então tirava de novo, como se estivesse esperando uma ligação ou mensagem importante. Inclinei um pouco mais para frente e com cuidado toquei sua mão.
- Está tudo bem? – perguntei suave.
Ele ergueu o olhar do celular para o meu rosto, tirou a sua mão da minha e guardou o aparelho antes de me encarar.
- Pensei que seria uma noite só nossa – ele comentou sério.
Meu coração se encolheu, recolhi o braço sem compreender por que ele estava bravo. Detestava deixá-lo chateado e reparei que nos últimos meses, Lucas estava ficando irritado com muita frequência.
- E é – abaixei as mãos para o meu colo -, o que eu fiz de errado?
- Você pintou as unhas de vermelho – ele olhou com desprezo -, sabe que eu não gosto.
Encolhi os dedos sentindo as unhas arranharem o tecido do meu vestido. Escolhi aquela cor para ficar diferente, para me sentir sexy e quem sabe ele me achar bonita. Contudo, o tiro saiu pela culatra. Lucas era muito conservador, ao extremo, e eu sabia. Não sei por que quis fazer algo diferente e estragar com nosso momento importante.
- Não foi por querer – me desculpei sem graça.
- Não faz mais isso. – Ele colocou o dedo em riste.
Eu me senti culpada. Não queria piorar a nossa relação que já não andava boa. Desde que decidimos marcar a data do casamento, era isso: brigas e discussões, e reparei que a maior parte do tempo eu estava errada porque queria inovar, fazer coisas diferentes. E o Lucas me puxava do mundo da ilusão e me trazia de volta para a realidade: casamento era casamento. Nada de extravagâncias ou exageros. Tudo tinha que ser bem discreto e para amigos íntimos. Um vestido clássico, padrinhos próximos. Nada de convidar minha família espalhafatosa, ele morreria de vergonha da
tia Eugênia porque ela falava alto e sempre tinha um palavrão no final da frase.
- Me perdoa – pedi desculpas e respirei fundo -, eu só quero que a gente fique bem.
Ele aquiesceu.
- Eu gosto de você como é, Helena, discreta, comedida.
Nada dessas aberrações. Não combina com você...
Como sempre, o Lucas tinha razão.
- E seu vestido está curto demais também. Prefiro quando usa calça e não mostra as pernas – ele avisou.
Também sabia disso, mas minha necessidade de inovar estragou tudo. Forcei um sorriso triste e ele notou.
- Mas não vamos nos preocupar com esses detalhes, vou te ajudar a ter a educação que precisa – ele me advertiu -, precisamos nos concentrar no nosso casamento, faltam apenas alguns meses.
A impressão que eu tinha era que ele estava fechando mais um de seus negócios importantes e não se casando apaixonado. Senti um aperto no peito por ser mal-agradecida. Todas as garotas da cidade queriam estar no meu lugar, ser a Senhora Toledo. Não era o sonho de toda mulher ter um homem lindo, inteligente e apaixonado ao seu lado? Além disso, ele era educado, quase não bebia e dificilmente falava alto. Nunca tinha visto o Lucas se meter em brigas, ao contrário, as pessoas respeitavam o nome de sua família e ficavam bem longe dele.
Minha mãe dizia que essa falta de romantismo era normal e que eu deveria me acostumar, com o tempo piorava. Ela e meu pai foram apaixonados no começo, mas depois esfriou e agora viviam como amigos. Depois de mais de trinta anos de casado, eles não tinham coragem para viver as próprias vidas e decidiram cuidar um do outro. Era tão desumano. E era geral, via as minhas tias e amigas casadas reclamarem da mesma coisa: com o tempo tudo esfria e fica uma merda. Não adiantava rezingar, o problema só mudava de endereço.
- Estou bastante ansiosa, minha tia Lolô vem dos Estados Unidos para o casamento – contei a ele.
- Quem é Lolô?
- Minha única tia paterna. Foi graças a ela que meu pai conseguiu comprar a loja de construção e daí veio tudo que temos.
– Sorri.
Tia Heloisa, ou tia Lolô, foi para os Estados Unidos no fim da década de oitenta com apenas dezoito anos e um passaporte falso. Na época que ainda se falsificava passaportes e não havia tecnologia suficiente para descobrir. Ela fez dinheiro trabalhando de faxineira e mandou uma parte para ajudar meu pai. Graças a ela, nós tínhamos três lojas de materiais de construção na região, meu pai construiu nossa casa, comprou um sítio, uma casa na praia. E ainda pôde devolver para a minha tia o que ela emprestou. Tínhamos uma vida maravilhosa e tranquila, financeiramente falando não éramos ricos como a família Toledo, mas a gente passava bem.
- Que bom! – Ele sorriu.
- Não é? – falei empolgada. - Essa semana vou fazer entrevista de emprego na fábrica de café.
Ele revirou os olhos.
- Já disse para parar com essa besteira de procurar emprego, Helena – ele falou com calma -, não quero que trabalhe depois do nosso casamento. Quero que cuide da casa, dos filhos que vamos ter. Provavelmente vou seguir o mesmo caminho do meu pai e ser vereador da cidade e depois prefeito. Quero você ao meu lado – e antes que eu argumentasse, ele ergueu a mão -, eu sei que você quer ter seu dinheiro e ser independente. Mas vou te dar uma mesada para você ter seus gastos pessoais, você vai ter seu carro com tanque cheio. Tenho certeza que isso é melhor que um emprego numa fábrica de café...
Não podia negar que a proposta era tentadora. Não via problema algum em ser sustentada por ele se estávamos formando uma família e ele precisava do meu apoio. Contudo, havia algo que me impedia de aceitar facilmente: o medo do que poderia ser cobrado de mim depois, toda vez que o dinheiro caísse na minha conta. O Lucas era o melhor namorado do mundo, mas minha prima Miranda era sustentada pelo marido e toda vez que ela reclamava de alguma coisa, ele jogava na cara dela que o dinheiro era dele e ela não tinha alternativa a não ser que acatar as decisões dele.
Não sei, as relações eram complicadas e o Lucas não era o marido da Miranda.
Afastei aqueles pensamentos ruins e sorri em agradecimento.
- Obrigada, meu amor. Você é tudo que uma mulher pode querer na vida – elogiei.
Ele sorriu satisfeito e fez sinal para o garçom que se aproximou.
- Traga o melhor vinho da casa – ele pediu.
- Lucas! – eu o repreendi. - Para que isso? Não tem necessidade!
- Eu quero – ele me cortou com seu sorriso charmoso -, quero que nossa noite seja perfeita!