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Os Mulherengos

Os Mulherengos

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34 Capítulo
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Sinopse

Índice

Os príncipes gêmeos são surpreendidos pelo rei que exige que se casem e tenham filhos para proteger o nome da família de um grande escândalo que ameaça o trono e herdeiros do Setentrião. É claro que o problema não é o fato de que os dois sejam cafajestes, mulherengos ou donos do maior cabaré das terras do norte. A questão aqui é que eles só se relacionam com a mesma mulher. E até aceitam ter filhos, desde que engravidem a mesma moça.

Capítulo 1 Capitulo 1

— Volte aqui, Melina!

O meu pai pega a garrafa de vinho que estava bebendo e a estilhaça com todas as forças contra a parede.

Aponta os restos dos cacos afiados contra a minha mãe, que foge em completo desespero para longe dele.

— Eu quero conversar com você. Volte aqui agora! — Insiste.

Minha mãe não consegue dizer uma palavra, mal respira. Se esconde por detrás dos móveis, só para atrasá-lo, mas o resultado é ainda mais barulhento: por onde passa, meu pai sai derrubando tudo. Está cego de ódio e não vai parar até descontar a sua raiva em alguém.

— Vem aqui, sua puta! — Agarra minha mãe pelos cabelos.

— Para, pai! — Jogo-me entre os dois e tento separá-los, mas ele insiste em manter uma das mãos nela.

— Eu vou te matar! — Aponta a garrafa com pontas afiadas para ela. — Você achou o quê? Acha que vai se desfazer de mim tão fácil? Acredita que vai ficar viva se me deixar?

— Por favor, Cláudio, está me machucando! — Ela chora.

Poucas coisas são tão horríveis no mundo a ponto de deixar um ser humano paralisado: uma guerra talvez seja a maior delas; a fome, o desamparo, a indiferença podem ser muito cruéis. Mas nada dói tão profundamente na alma quanto ouvir o choro e desespero da nossa mãe.

— Pai, me escuta, me escuta, por favor — seguro no rosto dele, para chamar sua atenção.

A primeira reação que tem é de me empurrar, ele me quer fora de seu caminho, quer concluir a sede de seu surto psicótico e bater em minha mãe até que ela desmaie de dor.

Cresci vendo isso. Cresci vivendo isso.

Por que muitas das vezes, era eu quem ele espancava e era a minha mãe que se jogava na frente, para que ele não me

matasse.

Agora é a minha vez.

Ao que depender de mim, eu irei morrer, sim, mas não deixarei que a minha mãe apanhe um dia sequer.

Meu pai foi diagnosticado com bipolaridade tardiamente. Os picos de sua alteração de humor vão a extremos muito rápido, principalmente quando fica sem seus remédios, o que foi o caso de uma vida inteira, ou quando toma seus remédios e bebe álcool na sequência.

— Sua vagabunda! Acha que vai me internar e vai ficar por isso? Pensou que eu não iria descobrir? Quer se desfazer de mim, como meus pais, sua puta? — Ele tenta chutá-la.

Quem recebe os golpes sou eu.

Assim como quando tenta apunhalar com o vidro afiado, acaba cortando a palma da minha mão. Ranjo os dentes e choro em silêncio, aguento a dor lancinante que me corta enquanto o empurro para trás, com todas as minhas forças.

A minha mãe não tem mais nenhuma. Cai ao chão e abraça as próprias pernas, chorando desesperadamente.

— Eu não vou interná-lo. Eu prometo que não vou — é o que

diz. culpa!

— Eu perdi tudo por sua culpa, Melina! — Cospe nela. — Sua Perco o ânimo quando assisto mamãe concordar com as

palavras dele. Já não sei se faz isso porque quer que as agressões acabem ou porque concorda.

Meus pais se conheceram quando eram adolescentes. Ele, filho de uma família milionária, ela não tinha nem onde cair morta. Não sei o motivo, mas os meus avós, pais do meu pai, detestavam a minha mãe e disseram que se ele continuasse a namorar com ela, seria deserdado.

Meu pai sempre foi valente, esperto e rebelde. Continuou a namorar, não sei se na esperança de convencer a família ou de assumir as responsabilidades por tudo.

Bem... ele assumiu.

Foi colocado na rua e ficou sem família, sem dinheiro, sem

nada.

— Se você não tivesse engravidado dessa aí — ele cospe

em mim. — Eu teria uma vida boa hoje em dia. Você é responsável por toda a desgraça da minha vida! — Agora aponta para mim.

Da mesma forma como veio furioso, ele sai igual um furacão, derrubando o resto dos móveis e bate a porta do quarto com tanta ferocidade que a casa inteira parece tremer.

— Você sabe que não é verdade, mamãe, você sabe que não é verdade — agacho-me ao chão e a abraço contra o meu peito.

Ela está em choque, mal consegue olhar para mim.

Já vivenciamos diversos surtos e momentos assim, mas nunca tinha chegado a esse ponto. Tentamos conversar tranquilamente com ele sobre uma internação para que ele pudesse ter um acompanhamento por uns meses e melhorasse, mas papai explodiu.

E agora o chão da sala está ensopado com o meu sangue.

— Eu sinto muito, Nessa — tenta conter o sangramento apertando minha mão.

— Está tudo bem, mamãe, eu vou fazer um curativo — abro um sorriso para tentar tranquilizá-la. — Por que a senhora não vai pra casa da dona Dalva hoje, hein?

— Não. Não quero incomodar...

— Mas ela gosta tanto da senhora. Aprecia sua companhia e quando as duas começam a conversar, nunca param — sorrio, mas meus olhos continuam lacrimejando.

— Eu não posso sair daqui, Vanessa — ela chora junto. — Eu não posso. Mas você pode e deveria sair enquanto tem tempo. Não vale a pena estragar sua juventude aqui, minha filha. Você é tão talentosa — acaricia minha mão.

— Vamos voltar comigo para Moscou, mamãe?

Ela faz uma careta e minimiza a situação com um bico.

— Eu arranjo qualquer emprego e sustento nós duas. Eu só preciso que a senhora saia daqui, por favor, antes que seja tarde.

— Já é tarde, minha filha. Já é tarde.

Estico o corpo suavemente até ficar na ponta dos pés e giro delicadamente em meu próprio eixo, sem perder o equilíbrio. Com uma perna suspensa, desço o corpo até a cabeça ficar próxima do

chão e o pé erguido estendido ao céu e movimento as mãos com delicadeza.

— Au — olho para o curativo que fiz e gemo de dor.

— É tão bonito — minha avó comenta, ao observar meus movimentos.

Depois que atingiu um grau severo de Alzheimer, a mãe do meu pai veio morar conosco – sim, a que sempre destratou a minha mãe. Nem o marido, nem os filhos, ninguém quis ficar com ela, então mamãe a recebeu de braços abertos e nós duas cuidamos dela.

— Você dança tão bem. Devia se matricular no ballet — ela aplaude devagar, está bem debilitada.

— Eu estudei numa das maiores escolas de ballet do mundo, vovó. Na Bolshoi — pisco e ergo a perna esquerda, reta, acima da minha cabeça, enquanto me apoio na parede. — Isso é um Grand Battement.

— Tão habilidosa. Deveria aprender com profissionais — aplaude.

E eu aprendi.

Aos 7 anos minha mãe me inscreveu no ballet e lá eu conheci os dois grandes amores da minha vida: a dança e Dandara Bernardes[5].

A dança foi o que me ajudou a não ser tímida. Sempre fui introvertida, quieta e não sabia me comunicar, me expressar, papai já dava os primeiros sinais de violência em casa.

Então, mamãe me matriculou na escola de Ballet da dona Dalva e lá aprendi que a dança era a minha forma de me comunicar com o mundo.

Dandara Bernardes, a neta de dona Dalva, se tornou a minha melhor amiga. Infelizmente fomos separadas quando eu passei numa seleção para a Bolshoi e ela não, o que mexeu muito com ela.

Se ela soubesse o que vivi na Rússia, teria dado graças a Deus por nunca ter pisado lá.

— A vida é uma megera que tira tudo de você — a professora Petrovna dizia enquanto batia com uma régua de madeira em mim.

— Mais alto!

E eu pulava, até sentir meus tendões queimarem.

— Engordou desde o último ensaio? Pule mais alto! — ela gritava. — Parece uma aleijada tentando se esticar no armário. Pule feito uma garota de verdade! — A cada reclamão ela tinha prazer em bater em mim.

— A vida é o que a gente acredita que tem que ser — a voz de mamãe era o que me dava forças.

Ouvi-la em meus pensamentos enquanto apanhava longe de casa era o que me tornava forte e me fazia suportar tanta humilhação.

— Muito bem, pulou direito. O que uma boa surra não faz, não é mesmo? — A senhora Pretovna se vangloriava por achar que era ela quem estava despertando o meu dom, mal terminava de dizer isso e pegava seu cigarro, ia fumar no canto da sala.

— Que pulo lindo! — Vovó me traz de volta à realidade.

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