Ele me abraçou enquanto o teto desabava, sussurrando: "Estou com você." Ele morreu por mim.
Meu mundo foi construído sobre o afeto deles, uma mentira perfeita e horrível.
Agora, eu acordei de novo, de volta ao escritório do advogado, uma semana antes do incêndio.
Para herdar a fortuna multibilionária, o testamento diz que devo me casar com um dos meus três irmãos - meus assassinos.
Então, quando o advogado perguntou minha escolha, eu sorri.
"Eu escolho Heitor Monteiro."
Capítulo 1
Dizem que, quando você morre, sua vida passa diante dos seus olhos.
Para mim, foi o fogo.
O calor, a fumaça, o som da velha mansão gemendo enquanto era devorada viva pelas chamas.
E os rostos dos meus três irmãos adotivos, João Pedro, Bernardo e André, observando do jardim.
Eles não estavam tentando me salvar.
Estavam esperando que eu queimasse.
Eu me lembrava de tudo, cada detalhe, enquanto estava sentada no escritório estéril e silencioso do advogado do meu falecido pai adotivo.
"Senhorita Schultz", disse o advogado, Dr. Queiroz, com a voz mansa. "O testamento é... muito específico."
Ele ajeitou os óculos, olhando para o documento sobre a grande mesa de mogno entre nós.
"Para herdar o império Monteiro, todos os seus ativos, avaliados em multibilhões de reais, você deve se casar."
Eu não disse nada. Já sabia dessa parte.
"O casamento deve ser com um membro da família Monteiro", ele continuou, seus olhos cheios de uma pena gentil que eu não merecia mais.
Ele achava que eu era uma garota de luto e confusa. Mal sabia ele que eu era um fantasma, um espírito vingativo de volta na minha própria pele com uma segunda chance.
"Você já pensou a respeito, Beatriz? O testamento especifica um de seus três irmãos. João Pedro, Bernardo ou André."
Meus irmãos. Meus lindos e dedicados irmãos adotivos. Era uma piada de família, como nenhum deles se parecia com nosso pai, ou mesmo um com o outro. Um fato que todos escolhiam ignorar.
Aqueles que sorriam para mim enquanto planejavam meu assassinato.
"Já pensei", eu disse, com a voz firme.
Dr. Queiroz deu um sorriso pequeno e compreensivo.
"Imagino que sim. A imprensa já decidiu por você. Você e João Pedro Garcia são inseparáveis desde a infância. Parece a conclusão lógica e, ouso dizer, romântica."
Eu me lembrava daquele romance.
Lembro-me de seus beijos suaves e mentiras gentis. Lembro-me de dizer "sim" na minha vida passada, acreditando que ele era meu futuro.
Também me lembro dele segurando a mão de outra mulher, a mão de Kaila, enquanto dizia a ela que minha morte finalmente os tornaria ricos.
"Não", eu disse, a palavra soando afiada e fria na sala silenciosa.
O sorriso do Dr. Queiroz vacilou.
"Não?"
"Eu não vou me casar com João Pedro Garcia."
Ele piscou, surpreso. "Ah. Bem, então talvez o Bernardo? Ele é um jovem estável. Ou o André? Ele sempre foi muito... atencioso com você."
Ele estava tentando ser prestativo, tentando guiar a pobre órfã para a escolha certa.
"Eu também não vou me casar com Bernardo Matos ou André Clemones."
A surpresa em seu rosto se transformou em confusão genuína. Ele se inclinou para frente, baixando a voz.
"Beatriz, precisamos ser claros. O testamento é absoluto. Se você não escolher um deles, toda a fortuna Monteiro será liquidada e doada para várias instituições de caridade. Você ficará sem nada."
"Eu entendo os termos", eu disse, cortando-o calmamente.
Eu o encarei diretamente nos olhos.
"Eu já fiz a minha escolha."
Ele esperou, a caneta pairando sobre um bloco de notas.
Eu respirei fundo. Este era o primeiro passo. O primeiro movimento em uma guerra que eles nem sabiam que havia começado.
"Eu escolho Heitor Monteiro."
A caneta do Dr. Queiroz caiu com um baque na mesa. Seus olhos se arregalaram, sua calma profissional se estilhaçando completamente.
"Heitor Monteiro?", ele sussurrou, como se dizer o nome fosse um crime. "Mas... Beatriz, ele é..."
"O meio-irmão mais novo do meu pai adotivo. Eu sei", completei por ele. "Meu tio, por casamento e adoção."
A sala ficou em silêncio por um longo momento. Ele me encarou, me vendo de verdade pela primeira vez, não como uma garota, mas como algo que ele não conseguia compreender.
"Essa é a minha decisão", eu disse, meu olhar inabalável. Minha voz era gelo.
Ele engoliu em seco, juntando lentamente seus papéis. Parecia abalado.
"Eu... eu vou alterar os documentos para refletir sua escolha."
Ele se levantou, pronto para sair.
"Dr. Queiroz", eu disse, parando-o na porta. "Esta conversa fica entre nós até o anúncio oficial."
Ele assentiu, ainda parecendo atordoado. "Claro."
Ele parou, com a mão na maçaneta.
"Beatriz, se me permite ser franco... por que ele? Heitor Monteiro foi o único que se opôs à sua adoção. Ele nunca lhe demonstrou um pingo de afeto."
Meus dedos se apertaram no braço da cadeira. Frio. Sim, ele era frio.
Todos viam Heitor como o tio estoico e distante que mal tolerava minha presença na família. O empresário poderoso e respeitado que me olhava com desaprovação.
Mas eu sabia a verdade.
Porque eu sou uma mulher que já viveu e morreu uma vez.
Na minha primeira vida, eu era Beatriz Schultz, a amada filha adotiva da família Monteiro, coberta de afeto por meus três irmãos perfeitos.
Eles eram o meu mundo. João Pedro era meu primeiro amor, meu tudo.
E tudo não passava de uma mentira.
O único que foi real foi Heitor. O homem frio e silencioso que nunca sorriu para mim, que nunca me deu um único presente.
O homem que, no final, foi o único que correu para o fogo por mim.
Eu ainda me lembrava de seus braços ao meu redor, seu corpo me protegendo dos destroços em chamas que caíam.
"Vou te tirar daqui, Bia", ele tinha dito com a voz embargada, rouca pela fumaça. "Eu prometo."
Eu chorei em seus braços, as primeiras lágrimas de verdade que derramei desde a traição.
Ele não conseguiu cumprir essa promessa. O teto desabou.
Mas enquanto eu dava meu último suspiro, ele me segurou firme, sussurrando: "Está tudo bem. Estou com você."
Ele morreu comigo. Por mim.
Nesta vida, eu não deixaria que ele se machucasse.
Nesta vida, todos eles iriam pagar.
Voltei para a mansão Monteiro mais tarde naquele dia. Enquanto eu caminhava pelo hall de entrada, o enorme lustre de cristal acima de mim piscou, e ouvi um som fraco, um gemido vindo do teto. A governanta havia mencionado algo sobre a fiação ser antiga. Guardei essa informação. Os três estavam na sala de estar, parecendo, para todos os efeitos, irmãos preocupados e amorosos.
"Bia, você voltou", disse João Pedro, sua voz suave e cheia de calor. Ele se levantou, seu rosto bonito arrumado em uma expressão de preocupação. "Como foi com o Dr. Queiroz?"
"Ele explicou tudo?", perguntou Bernardo, sempre o prático.
André apenas sorriu com seu sorriso gentil e artístico. "Não se preocupe, Bia. Aconteça o que acontecer, estamos aqui por você."
Mentiras. Tudo mentira.
"Ele explicou os termos", eu disse, minha voz vazia de emoção.
"Então", disse João Pedro, aproximando-se. "Você decidiu? Tudo bem se precisar de mais tempo, claro. Mas você sabe que eu cuidarei de você."
Ele estava tão confiante. Tão certo de que sua namorada de infância, a garota que o adorou por anos, cairia direto em seus braços.
Assim como da última vez.
"Eu decidi", eu disse, olhando para seus rostos expectantes. "Vocês todos saberão em uma semana. Na minha festa de aniversário."
Eu me virei e subi as escadas, deixando-os com sua confiança e seus esquemas.
Uma semana.
Uma semana até eu queimar o mundo deles até o chão.