Eu tentei acreditar nele, até que o ouvi em uma festa. Ele confessou aos amigos que seu amor por mim era uma "conexão profunda", mas com Alice, era "fogo" e "eletrizante".
Ele estava planejando um casamento secreto com ela no Lago de Como, na mesma vila que havia me prometido para nosso aniversário.
Ele estava dando a ela um casamento, uma família, uma vida - tudo o que ele me negou, usando uma mentira sobre uma condição genética mortal como desculpa. A traição foi tão completa que pareceu um choque físico.
Quando ele chegou em casa naquela noite, mentindo sobre uma viagem de negócios, eu sorri e interpretei o papel da esposa amorosa.
Ele não sabia que eu tinha ouvido tudo.
Ele não sabia que, enquanto ele planejava sua nova vida, eu já estava planejando minha fuga.
E ele certamente não sabia que eu tinha acabado de ligar para um serviço especializado em uma única coisa: fazer pessoas desaparecerem.
Capítulo 1
Clara Jensen e Bernardo Randolph eram o casal que todos em São Paulo invejavam. Eles tinham tudo: uma cobertura deslumbrante com vista para o Parque Ibirapuera, um sobrenome que abria qualquer porta e uma história de amor que começou no colégio de elite. Pareciam perfeitos. Mas por trás das portas fechadas de seu apartamento minimalista e cheio de arte, havia um vazio. Um silêncio. Eles não tinham filhos.
Não era por falta de tentativa da parte de Clara. Era a recusa de Bernardo. A mãe dele havia morrido ao dar à luz a ele. Uma condição genética rara e hereditária, ele a chamava. Uma bomba-relógio que ele afirmava carregar, uma que tornava qualquer gravidez uma sentença de morte para a mulher que ele amava.
"Eu não posso te perder, Clara", ele dizia, com a voz tensa, a mão apertando a dela com força. "Eu não vou."
E por anos, Clara aceitou. Ela o amava o suficiente para sacrificar seu próprio desejo profundo por uma família. Ela despejou seus instintos maternais em seu trabalho como curadora de arte, nutrindo artistas e suas criações.
Então veio o ultimato.
O pai de Bernardo, o formidável patriarca do império empresarial dos Randolph, estava morrendo. De seu leito de hospital, cercado pelo cheiro de antisséptico e dinheiro antigo, ele deu sua ordem final.
"Preciso de um herdeiro, Bernardo. A linhagem dos Randolph não termina com você. Resolva isso, ou a empresa vai para o seu primo."
A pressão mudou tudo. Naquela noite, Bernardo veio até Clara com uma proposta.
"Uma barriga de aluguel", ele disse, com a voz cuidadosamente neutra. "É o único jeito."
Clara, que há muito havia perdido a esperança, sentiu uma fagulha se acender.
"Uma barriga de aluguel? Sério?"
"Sim", ele confirmou. "Um arranjo puramente clínico. Nosso embrião, o útero dela. Você seria a mãe de todas as formas que importam. Apenas evitamos o risco para você."
Ele garantiu que cuidaria de tudo. Uma semana depois, ele a apresentou a Alice Dias.
A semelhança foi imediata e perturbadora. Alice tinha os mesmos cabelos escuros e ondulados de Clara, as mesmas maçãs do rosto salientes, o mesmo tom de verde esmeralda nos olhos. Ela era mais jovem, talvez uma década mais jovem, com uma beleza crua e não lapidada que contrastava fortemente com a graça sofisticada de Clara.
"Ela é perfeita, não é?", disse Bernardo, com um brilho estranho nos olhos. "A agência disse que o perfil dela era uma combinação excelente."
Alice era quieta, quase tímida. Mantinha os olhos baixos, murmurando suas respostas. Parecia sobrecarregada pela opulência do apartamento deles, por eles.
"Isso é um arranjo puramente de negócios, Clara", Bernardo sussurrou para ela mais tarde naquela noite, puxando-a para perto. "Ela é apenas um recipiente. Um meio para um fim. Você e eu, nós somos os pais. Isso é para nós."
Clara olhou para o marido, o homem que amava há mais da metade de sua vida, e escolheu acreditar nele. Ela precisava. Era a única maneira de ter a família com que sempre sonhou.
Mas as mentiras começaram quase imediatamente.
Os "ciclos de fertilização in vitro" exigiam que Bernardo estivesse na clínica. Ele começou a perder jantares, depois noites inteiras.
"Apenas apoiando a Alice", ele dizia, mandando mensagens até tarde da noite. "Os hormônios a estão deixando emotiva. Os médicos disseram que é importante que a barriga de aluguel se sinta segura."
Clara tentou ser compreensiva. Ela cozinhava refeições e as enviava com Bernardo. Comprou cobertores macios e roupas confortáveis para Alice, tentando preencher a lacuna estéril do arranjo.
Seu aniversário chegou. Bernardo havia prometido um fim de semana em Angra dos Reis, apenas os dois. Ele cancelou no último minuto.
"Alice está tendo uma reação ruim à medicação", ele disse por telefone, com a voz apressada. "Eu tenho que estar aqui. Sinto muito, Clara. Eu vou compensar."
Ela passou o aniversário sozinha, comendo uma única fatia de bolo da confeitaria, o silêncio da cobertura ensurdecedor.
O aniversário de casamento deles foi pior. Ele nem ligou. Uma mensagem de texto apareceu depois da meia-noite.
*Emergência na clínica. Não me espere acordada.*
Clara se viu inventando desculpas para ele, tanto para suas amigas quanto para si mesma. *É pelo bebê. É um processo estressante. Ele está tão investido quanto eu.* Ela se agarrou às explicações como uma tábua de salvação, recusando-se a ver a verdade que estava desfiando as bordas de sua vida perfeita.
O ponto de ruptura foi uma terça-feira fria e chuvosa. Um táxi avançou o sinal vermelho e bateu na lateral do carro dela. O impacto foi violento, um tremor que a deixou tonta e tremendo. Seu primeiro instinto foi ligar para Bernardo.
O telefone tocou, tocou e caiu na caixa postal.
"Bernardo, eu sofri um acidente", disse ela, com a voz trêmula. "Estou bem, eu acho, mas meu carro está destruído. Você pode... você pode, por favor, vir?"
Ela esperou. Uma hora se passou. Depois duas. Um policial gentil a ajudou a chamar um guincho e a levou ao pronto-socorro para ser examinada. Seu braço estava torcido, seu corpo uma tela de hematomas que começavam a aparecer.
Ela sentou na sala de espera fria e estéril, o telefone silencioso em sua mão. Ligou de novo. Caixa postal. E de novo. Caixa postal.
Finalmente, pegou um táxi para casa, a dor em seu braço uma pontada surda em comparação com a dor em seu peito. O apartamento estava escuro e vazio. Ela acendeu as luzes e viu uma taça de vinho pela metade na mesa de centro, uma leve mancha de batom na borda. Não era o tom dela.
Ela tentou racionalizar. Talvez uma amiga dele tivesse passado por ali. Talvez ele tivesse tido uma reunião. Mas a semente da dúvida, uma vez plantada, era agora uma trepadeira espinhosa envolvendo seu coração.
Mais tarde naquela semana, Bernardo estava recebendo um pequeno grupo de parceiros de negócios e amigos em um clube fechado nos Jardins. Clara, ainda cuidando do braço torcido e de uma coleção de hematomas desbotados, sentiu um calafrio que não conseguia afastar.
Ela chegou atrasada, retida por uma reunião na galeria. Ao se aproximar da sala privada, ouviu o murmúrio baixo da conversa. Ela parou do lado de fora da porta, pretendendo fazer uma entrada discreta.
Foi quando ouviu a voz dele, clara e desinibida, flutuando para fora da sala.
"Estou te dizendo, eu nunca me senti assim antes", dizia Bernardo. Seu tom era leve, cheio de uma paixão que ela não ouvia há anos. "Com a Clara, é... é um amor profundo, uma conexão de almas. Mas com a Alice... é fogo. É eletrizante."
Clara congelou, a mão pairando sobre a maçaneta. Seu sangue gelou.
Um de seus amigos, Marcos, soou hesitante. "Você tem certeza que isso é uma boa ideia, Bernardo? Dar conta das duas? Isso vai explodir na sua cara."
"Não vai", disse Bernardo, com a voz transbordando de uma arrogância que fez o estômago de Clara revirar. "A Clara vai ter o bebê dela, e vai ficar feliz. E eu vou ter a Alice. Posso dar a ambas tudo o que elas querem."
Clara sentiu o chão inclinar sob seus pés. Ela se encostou na parede, a madeira fria um contraste gritante com o calor que subia por sua pele.
Então veio o golpe final, mortal.
"Estou planejando um casamento para a Alice na Europa depois que o bebê nascer", confessou Bernardo, a voz baixando para um sussurro conspiratório. "Um casamento secreto. Só nós e alguns amigos dela. Já dei um sinal para uma vila no Lago de Como. Milhões. Ela merece. Ela merece tudo."
A mesma vila que ele havia prometido levar Clara para o décimo quinto aniversário de casamento deles.
Uma onda de náusea a atingiu. Ela tropeçou para trás, derrubando um vaso decorativo de um pedestal no corredor. Ele se espatifou no chão de mármore com um barulho ensurdecedor.
A conversa lá dentro parou. A porta se abriu de supetão, e Bernardo estava lá, o rosto uma máscara de pânico quando a viu.
"Clara! O que você está fazendo aqui fora?"
Seus amigos espiaram por trás dele, seus rostos uma mistura de pena e alarme.
Clara se endireitou, o choque dando lugar a uma calma gelada que ela não sabia que possuía. Ela olhou para o marido, o homem que estava planejando um casamento secreto com sua barriga de aluguel, e forçou um sorriso.
"Acabei de chegar", disse ela, com a voz firme. "Estava prestes a entrar."
Os amigos de Bernardo tentaram disfarçar, engatando em uma conversa alta e forçada sobre o mercado de ações. Bernardo correu para o lado dela, a mão em seu braço.
"Você está bem? Parece pálida."
O toque dele parecia uma marca de ferro. Ela puxou o braço.
"Apenas cansada", disse ela, com os olhos vazios. "Dia longo." Ela olhou para além dele, para dentro da sala. "A... a Alice está aqui esta noite?"
A pergunta era um teste. Um último e desesperado apelo por um pingo de honestidade.
O rosto de Bernardo se contraiu. "Alice? Claro que não. Por que ela estaria aqui? Ela é só a barriga de aluguel, Clara. Uma ferramenta. Lembra?"
Ele disse a palavra "ferramenta" com uma facilidade tão desdenhosa que roubou o ar de seus pulmões. Este era o amor dele. Este era o fogo dele.
Ela assentiu lentamente. "Certo. A ferramenta."
Ela se virou, sem olhar para trás, para os rostos chocados de seus amigos ou para a preocupação frenética no dele.
"Não estou me sentindo bem", disse ela por cima do ombro. "Vou para casa."
Ela saiu do clube, seus passos medidos e deliberados. A calma gelada se espalhava por suas veias, congelando a dor, transformando-a em algo duro e afiado.
No táxi a caminho dos Jardins, uma notificação acendeu o tablet que Bernardo havia deixado no banco de trás. Era uma mensagem de Alice.
*Acabei de pousar, amor. A suíte é incrível. Mal posso esperar pra você chegar e tirar essa roupa de mim. A maratona de compras foi uma loucura... você gastou tudo isso mesmo comigo?*
Bernardo havia dito a ela que iria para Belo Horizonte para uma viagem de negócios de dois dias.
Clara encarou a mensagem, as palavras embaçando através de um filme de lágrimas que ela se recusou a deixar cair. Ele não estava em Belo Horizonte. Ele estava a caminho de Alice.
Ela não foi para casa. Direcionou o táxi para um endereço diferente. Um prédio de escritórios elegante e discreto na região da Faria Lima. A placa na porta era simples: "Vértice Sigilo Absoluto".
Ela entrou, de costas retas, sua determinação absoluta. A vida que ela conhecia havia acabado. Era hora de apagá-la.