O Renascer de Ana Lúcia
Contos A véspera de Ano Novo prometia a alegria de sempre, com o cheiro de peru assado e a casa cheia.
Como de costume, preparei tudo para a ceia, esperando, no fundo, que minha dedicação fosse finalmente reconhecida.
Mas, ao invés de gratidão, minha mãe, Dona Sofia, anunciou a divisão da herança: apartamentos, dinheiro, joias, tudo para meus irmãos e meu filho.
Para mim, sobrou apenas a "honra" de cuidar dela na velhice, um fardo pesado que eu carregava há décadas.
A humilhação foi pública, diante de toda a família, enquanto meus irmãos sorriam presunçosos, e meu marido e filho, silenciavam, distantes.
Quarenta anos de sacrifícios, noites sem dormir cuidando do meu pai doente, dinheiro emprestado para o vício do meu irmão, uma promoção no trabalho recusada para estar sempre disponível para eles.
Tudo isso parecia ter sido em vão.
A raiva, a dor e a injustiça explodiram em meu peito, algo se partindo dentro de mim.
Eu me levantei, sentindo uma fúria gelada percorrer minhas veias.
Com um único e violento puxão na toalha de mesa, joguei tudo para o alto, estilhaçando pratos e taças, espalhando comida e cacos pelo chão.
"CHEGA! EU NÃO AGUENTO MAIS!" , gritei, sentindo a libertação em cada palavra.
Minha mãe respondeu com um tapa que ecoou na sala e em minha alma.
Meus irmãos se juntaram a ela, me chutando enquanto eu estava caída no chão, diante do que restava da ceia.
Naquele momento, enquanto Ricardo e Lucas me defendiam, eu soube que não era mais a Ana Lúcia boazinha e obediente.
Aquela mulher havia morrido.
E uma nova, determinada a lutar pela sua verdadeira família, estava nascendo.
Fui tirada dali, ferida e em choque, mas com uma certeza: o jogo havia virado.