A picape velha sacudia, levantando poeira vermelha. Maria, ou melhor, Chica, contava dez anos longe do asfalto da capital. Dez anos desde que seu pai a mandou para a fazenda, aos oito. A lembrança era um corte: ela, chutando sem querer a bola na sala de troféus. Quebrando a taça de ouro de hipismo de Pedro, seu irmão. O choro estridente dele, a fúria do pai. "Vai aprender responsabilidade longe daqui", disse ele. Foram as últimas palavras dele por uma década. Naquele dia, ela estava de volta. A festa de 18 anos de Pedro. O casarão imponente e o cheiro de perfume caro a sufocavam. Mestre Zé, seu protetor e mentor, segurou sua mão antes de ela descer. Ele colocou um amuleto de couro em sua palma. "Se a dúvida apertar, abra. Mas só nesse momento." Ela guardou a peça, vestindo seu simples vestido. Assim que entrou, os olhares perfuraram-na. Pedro a viu, e seu sorriso morreu. "Olha só quem apareceu! A caipira!", ele zombou. Seus amigos riram, medindo-a com desdém. A humilhação era pública, mas Mestre Zé a ensinou a não ceder. Pedro se aproximou, o hálito marcado pelo álcool. "Você não pertence a este lugar, Maria. Volta pro seu buraco." As palavras feriam, mas ela não abaixaria a cabeça. Com os olhos de todos sobre ela, ela pegou o amuleto. Dentro, um papel dobrado. Ela abriu, os dedos tremendo. Quatro palavras na caligrafia de Mestre Zé: "Manda ver, garota!" Um sorriso brotou em seus lábios. A dúvida sumiu. Ela era uma Filha do Axé, e Filhas do Axé não se curvam.