Aos oitenta anos, no leito de um hospital estéril, João Carlos sentia o peso de uma vida inteira de arrependimentos. Uma vida ao lado de Ana Lúcia, a mulher que ele não amava, e que nunca o amou, enquanto o desprezo dela o corroía. Ele casou-se com ela por desespero, depois que sua verdadeira noiva, a própria Ana Lúcia, o abandonou no altar com seu irmão, Pedro, em uma humilhação pública que ecoou por décadas. A dor daquela traição e a farsa de sua "salvação" pelo casamento com Maria Clara, a irmã mais nova e silenciosa de Ana Lúcia, o assombravam. Maria Clara, sua esposa por cinquenta anos, sempre esteve lá, com seu amor silencioso e devoção inabalável, a paz que ele nunca soube valorizar, cego pela amargura. Em seu leito de morte, com Maria Clara ao seu lado, ele se deu conta do quão tolo fora, percebendo que ela era o amor que sempre buscou. "Se eu pudesse voltar... Eu escolheria você, Maria Clara." A escuridão o engoliu. Então, um barulho ensurdecedor. Abri os olhos e me vi em um quarto ricamente decorado. Eu tinha vinte e cinco anos novamente, e Pedro, meu irmão, estava na minha porta. "A noiva está esperando. Você não vai querer deixar Ana Lúcia esperando no altar, vai?" Eu estava de volta. No dia do meu casamento. O dia que definiu minha miséria e também minha salvação. Uma segunda chance me foi dada. Ana Lúcia estava linda em seu vestido, esperando por Pedro. E Maria Clara, no canto, escondida, chorando por mim. Não. Desta vez, não. "Este casamento está cancelado!" , declarei para toda a sala, chocada. Ignorei Ana Lúcia, ignorei todos. Fui direto até Maria Clara. Ajoelhei-me diante dela, no meio do salão, diante de todos. "Maria Clara, eu sei que isso é repentino" , disse, minha voz ressoando no silêncio mortal. "Eu não quero me casar com ela. Eu quero me casar com você."