A primeira coisa que senti foi a raiva da Júlia, minha irmã. Ela segurava um envelope amassado, a carta da universidade estrangeira. Meu coração parou. Eu tinha escondido tão bem, no fundo da gaveta de meias. "Me devolve isso, Júlia. Não é da sua conta." Ela recuou, com um olhar que nunca tinha visto. Uma mistura de inveja e ódio puro. "Você ia fugir, não é? Ia para o outro lado do mundo e deixar a gente aqui." A voz dela atraiu minha mãe, Marta. "O que está acontecendo? Por que essa gritaria?" Júlia estendeu o envelope para ela. O rosto da minha mãe se fechou. A frieza me atingiu. "É verdade, Lara? Depois de tudo que sacrificamos por você, você ia nos abandonar?" A palavra "abandonar" soou como uma sentença. Eu tentei explicar sobre a bolsa de estudos integral. A garganta fechou. O tapa no meu rosto veio rápido e forte. "Sua ingrata." Meu pai, Sérgio, chegou em casa. "Que bagunça é essa?" Júlia, com um sorriso vitorioso, apontou para mim. "A Lara ia fugir do país. Ia deixar a gente na mão." Meu pai agarrou meu braço com força. "Você não vai a lugar nenhum." Ele me arrastou para a sala, me jogando no chão. Minha cabeça bateu na mesinha. A dor explodiu. Júlia e minha mãe só observavam. Meu pai pegou meu celular. "Não vai precisar mais disso." Ele o arremessou na parede. Me puxou pelos cabelos de volta ao quarto. "Você vai ficar aí até aprender qual é o seu lugar." Ouvi a chave girar. No chão frio, a dor latejava. A escuridão me levou. Então, abri os olhos. A luz do sol entrava pela janela. O cheiro de café. Minha cabeça não doía. Meu celular intacto na mesinha. A data era a mesma do dia anterior. Eu estava de volta. Eu tinha renascido no início do meu pesadelo.