O caçador olhou pelo seu redor e sentiu angústia proveniente dos aldeões descansando na sua consciência.
Os olhos de ambos encontraram-se, mas o velho desviou por sentir a intensidade do caçador que carregava energias distintas do mundo doente e cruel. O cheiro da morte ainda era distante, mas o desespero em cada respiração por perto denunciava que algo fora do normal, realmente, acontecia ali.
- Há quanto tempo que vocês sofrem ataques?
- Três meses, senhor.
– Bem, poderia me mostrar mais evidências? – o caçador disse puxando mais o fumo e tirando pelas narinas, apreciando o céu limpo e muito azul feito uma pintura infantil.
– Siga-me, senhor.
– Chame-me simplesmente pelo meu nome.
– Desculpa, senhor Simon.
– Simon – retificou o caçador.
– Está bem, Simon.
Simon Jhallen seguiu o velho, caminhando por uma boa distância até que finalmente chegaram onde esperava-se entranhas, vestígios de gritos silenciados pelas garras e pelos caninos, mas para a surpresa de ambos, principalmente do velho, não havia nenhum vestígio. Tudo era limpo e sem nenhum cheiro do além.
– Chegamos atrasados? – inquiriu Jhallen e do seu bolso da jaqueta vermelha com detalhes pretos nas abas, tirou uma lanterna ligando logo em seguida, expulsando a cor vermelha.
– Mas... Não é possível aqui havia...
– Calma, deixe-me ver isto.
Achou-se e focando com a sua lanterna por um tempo considerável para aquela superfície, porém não viu nada de anormal, além de uma inocente linha. Nada ali havia.
O velho petrificado olhou para Jhallen sem entender o porquê da lanterna, sendo que o dia sobrava por ser quase uma tarde.
– Nada, senhor... – disse Jhallen tentando preencher o silêncio com o nome do velho ao seu lado.
– Daimon – completou o velho assim auxiliando o outro.
– Certo. Mas diga-me, quantas vítimas foram identificadas?
– Bem, na verdade nenhuma vítima.
– Já vi algo parecido. Vejo que é por isso que me chamaram – Simon coçou o queixo.
– Exatamente.
– Mas, não existe nenhum outro lugar que tenha acontecido ataque desses leões?
Simon Jhallen aparou o charuto e acendeu mais uma vez. O silêncio havia caído de modo estranho. Nem uma mosca, nem uma folha soava. Nada. Só o som do seu trago.
- Nenhum outro lugar.
- Sério? Nenhuma garra, nenhuma marca de pata, nem fezes. E sabe... leões cagam - o caçador disse e soprou a fumaça assinando sua despedida.
O velho homem não respondeu. Apenas coçou a barba volumosa, os olhos perdidos no chão limpo demais para uma cena de ataque. Simon não achou o velho louco, pois já resolvera muitos mistérios inacreditáveis.
Ele passou a mão pela cintura, pegou um pequeno cartão e o entregou ao ancião.
- Se aparecer algo real, me contacte. Este número funciona só por mensagem. Não pense duas vezes.
- Vai nos deixar assim?
- Eu caço monstros e fantasmas, Daimon. Não leões.
Virou as costas, os passos afundando em chão seco, sem pegadas além das suas. A aldeia ficou para trás. Um vazio se formou para qualquer um que teve o azar de ouvir as palavras de despedida do Simon. Desapareceu entre os ventos, sem se despedir de ninguém além do velho.
O resto do dia passou com os corações batucando nos peitos e a incredulidade roçando o imo de cada um. A paz ainda se distanciava de todos.
...
As galinhas gritaram em sobressalto. Os cães gritaram e o alarme improvisado gritou no dia seguinte na madrugada, arrepiando a todos que já estavam colecionando o medo nas suas mentes.
Um corpo de uma mulher sem rosto, apenas olhos, foi encontrado no galinheiro. Sem sangue. Sem ferida. Mas com os olhos completamente vermelhos, como duas esferas de fogo.
Pela primeira vez puderam ver um corpo, e grande maldição, pois teve que acontecer depois da partida do Simon.
Os anciãos se reuniram em silêncio. Alguns gritavam "demônios". Outros falavam de maldição. Mas a multidão desta vez foi convocada para ver a miséria e ouvir a incerteza.
Lúrdio levantou-se.
Jovem, de braços fortes, Lúrdio era filho de pescadores mortos num incêndio estranho anos atrás. Desde então, era ele quem arrumava o telhado das casas, ajudava nos partos, construía canoas, enterrava os mortos. E era mais conhecido pela sua profissão de esconder os mortos da face do sol e alguns atribuíam a ele as maldições e o estigma era gritante.
- Chega de esperar caçadores de lenda. Se é leão, eu quero ver - disse o enterrador de mortos.
- Lúrdio... esses leões não deixam rastros - disse o velho Daimon.
- Então são fantasmas? - disse o jovem.
- São leões sem carne - disse uma senhora, chorando.
- De hoje não passa. Eu mesmo vou entender o que está acontecendo. - Lúrdio apertou os punhos.
- Filho, esses leões precisam de um caçador nada tradicional. - disse um dos velhos.
- Bem, felizmente ou infelizmente a nossa opção continua sendo o Simon Jhallen. Conversamos com ele e infelizmente, sem evidências ele não pode nos ajudar - disse Daimon - Lúrdio tenha muito cuidado, precisamos de um plano antes de agir, você sozinho não vai conseguir.
- Assim que não nos chamaram para a reunião com ele, o caçador, como vamos resolver isso? - questionou Lúrdio.
- Ainda estávamos em negociações com ele primeiro, depois é que teríamos a reunião com todos vós - disse o ancião, mais debilitado, ou que parecia, o senhor Yohando.
- Sempre é assim - desaprovou Lúrdio com o tom nas suas palavras, ele sentiu-se excluído novamente em decisões importantes para o futuro da aldeia que estava evoluindo muito.
- Calma jovem, é nossa tarefa fazer o sensato antes dos passos subsequentes. É nossa responsabilidade como líderes, meu filho, entenda isso.
Lúrdio levantou-se como uma criança mimada e ausentou-se daquela reunião que de certeza não traria resultados, mas havia urgência naquilo.
Mesmo com a ausência do jovem corajoso e sempre disponível a ajudar, a reunião continuou. Primeiro tinham que ver a situação do corpo encontrado.
- Chamem os melhores feiticeiros da aldeia. - disse Daimon.
- Eu acho que o melhor seria o caçador Simon, ele não é um feiticeiro pela natureza da sua profissão? - disse senhor Yohando.
- É melhor respeitarmos as áreas de cada um. Certamente que o Simon Jhallen tem nos seus conhecimentos conteúdos sobre feitiçaria, mas a sua especialidade é caçar seres sobrenaturais. Mas aqui nós, agora, não queremos caçar, mas desvendar o que teria acontecido com a mulher que encontramos e quem ela seria - disse Daimon e todos concordaram de imediato.
Do outro lado, Lúrdio sentou na árvore mais grande da aldeia, chamada de deus Nungu, onde costumava sentar e ali viu marcas de garras e no chão pegadas de patas - de leão?
Sim, pareciam de leão, mas um leão gigante assim como as marcas das garras.
Os olhos de Lúrdio ficaram arregalados.
Continua...