Ele riu, chamando sua amnésia de "a melhor atuação da minha vida". Ele admitiu que todo o nosso relacionamento foi uma mentira - uma forma de se redimir pelo papel da família dele na morte dos meus pais.
Na mesma hora, sua nova noiva anunciou que estava grávida.
Meu amor não foi apenas esquecido; foi uma piada. Ele havia orquestrado cinco anos do meu tormento, desde o assassinato do meu cachorro até a perda do nosso filho que nem chegou a nascer.
Ele achou que tinha me quebrado. Estava enganado.
Anos depois, reconstruí minha vida. E esta noite, em uma transmissão de notícias ao vivo com o mundo inteiro assistindo, vou expor cada um dos seus pecados e queimar seu império até as cinzas.
Capítulo 1
Ponto de Vista de Bruna Matos:
Dizem que o amor é cego.
O meu não foi apenas cego; foi uma ferida que eu mesma me infligi, um abismo escancarado no qual me joguei de bom grado, apenas para me encontrar no fundo, faminta e esquecida.
No dia em que me casei com Heitor Ferraz, pensei que finalmente tinha encontrado meu conto de fadas. Em vez disso, encontrei um pesadelo.
Um pesadelo que vivi por cinco anos, vendo-o me esquecer, vendo sua família me apagar e vendo outra mulher tomar o meu lugar.
Tudo isso enquanto o homem que eu amava orquestrava meu tormento das sombras.
Nossa história de amor foi um furacão, do tipo que escrevem em livros para deixar outras mulheres com inveja.
Heitor, o charmoso herdeiro da FerrazTec, me cortejou com um fervor implacável que me tirou do chão. Ele me cobriu de presentes, sussurrou promessas de eternidade e me fez acreditar que eu era a única mulher no mundo.
Ele moveu montanhas por mim, ou assim parecia, provando sua devoção com uma intensidade feroz, quase desesperada, que me emocionava.
Ele dizia que não podia viver sem mim, que eu era seu oxigênio, sua razão de ser.
Eu sabia que a família Ferraz se opunha à nossa união, seu desdém era uma corrente gelada e constante.
Mas Heitor jurou me proteger, enfrentar todos eles. Ele prometeu se libertar da gaiola dourada deles, construir uma vida onde a influência deles não pudesse nos tocar.
Eu ouvi, eu acreditei.
E eu suportei o desprezo silencioso, os comentários maldosos, as esnobadas descaradas de seus pais, Cláudio e Henriqueta. Por ele, eu engoli meu orgulho, dia após dia, ano após ano.
Ele me puxou para o seu mundo, um universo de jatinhos particulares, mansões enormes e acordos sussurrados.
Eu, Bruna Matos, do lado pobre da cidade, me vi brilhando sob seus holofotes.
Ele me apresentou ao seu círculo de elite, desafiando-os a julgar, sua mão sempre firme na minha cintura, uma reivindicação possessiva. Ele me convenceu de que a desaprovação deles não importava, que nosso amor era uma força forte o suficiente para conquistar tudo.
Sua insistência cresceu a um ritmo febril.
Ele me pediu em casamento não uma, não duas, mas uma dúzia de vezes, cada pedido mais grandioso e público que o anterior. Ele encheu a Avenida Paulista com minhas fotos, comprou uma página inteira na Folha de S.Paulo declarando seu amor e até fretou um dirigível com "Casa comigo, Bruna?" estampado no céu.
Eu resisti, desconfiada da intensidade, mas sua persistência era uma onda avassaladora.
Eventualmente, eu disse sim, meu coração transbordando com uma esperança que eu não sabia ser possível.
O dia do casamento chegou, um borrão de renda branca, sussurros animados e o perfume de mil rosas. Era tudo o que eu sempre sonhei, e mais.
Mas enquanto eu caminhava pelo corredor, um sorriso radiante no rosto, um guincho metálico e agudo rasgou o ar.
Uma batida ensurdecedora.
O mundo inclinou, depois mergulhou no caos.
Acordei em um quarto branco e estéril, o ar pesado com o cheiro de antisséptico. Minha cabeça latejava, meu corpo doía, mas meu primeiro pensamento foi Heitor.
As enfermeiras, com rostos sombrios, me contaram sobre o acidente de carro. Um motorista bêbado tinha entrado na nossa carreata momentos antes de chegarmos à igreja.
Heitor estava vivo, mas por pouco. Ele teve um traumatismo craniano.
Dias depois, quando finalmente o vi, seus olhos estavam vazios. Ele olhou para mim, depois através de mim.
"Quem é você?", ele perguntou, sua voz monótona, desprovida de reconhecimento.
A amnésia o roubou de mim. Tinha me roubado dele.
Cada memória compartilhada, cada segredo sussurrado, cada gesto grandioso - sumiu.
Apagado.
A família Ferraz desceu como abutres, seus rostos tensos com uma mistura de luto e triunfo mal disfarçado.
"Isso tudo é culpa sua, Bruna", Henriqueta sibilou, sua voz um sussurro venenoso. "Você sempre foi um desastre. Uma interesseira. Agora veja o que você fez."
Eles me culparam por tudo, pelo acidente, pela condição de Heitor, por ousar existir no mundo deles.
Eles me barraram do quarto do hospital, depois da mansão da família.
"Ele precisa de estabilidade, não do seu drama", declarou Cláudio, suas palavras uma sentença de morte. "Ele precisa se curar."
E curar, aos olhos deles, significava apagar todo vestígio de mim.
Eu era uma pária, um fantasma assombrando as bordas de uma vida que um dia foi minha.
Então Carolina Medeiros apareceu.
Loira, linda, impecavelmente vestida e de uma dinastia farmacêutica que rivalizava com os Ferraz. Ela era a escolhida deles, a "noiva socialmente aprovada".
Ela se tornou a sombra de Heitor, sua cuidadora, sua nova vida.
Eu assistia de longe, um grito silencioso preso na minha garganta, enquanto ela gentilmente o ensinava sobre seu "passado", pintando um quadro de uma vida onde eu nunca existi.
Foi uma morte lenta e agonizante. Eu os via em revistas, nas colunas sociais, de mãos dadas, sorrindo. Ele olhava para ela com um carinho gentil que um dia pertenceu a mim.
Meu coração se partia em um milhão de pedaços a cada vez, cada caco abrindo uma nova ferida, mas eu não conseguia desviar o olhar.
Ele era meu, eu gritava por dentro, ele só não se lembrava.
Tentei alcançá-lo, passando pela segurança, deixando bilhetes, lembrando-o de nossos lugares secretos para piquenique, nossas músicas favoritas. Ele ficava confuso, às vezes com raiva.
"Quem é você?", ele repetia, um eco arrepiante do nosso primeiro encontro.
Meu coração doía, acreditando que ele estava preso, que o verdadeiro Heitor ainda estava lá em algum lugar, ansiando por mim.
Um dia, entrei escondida na mansão dos Ferraz, desesperada para acionar uma memória. Levei nosso presente de primeiro aniversário, uma pequena e intrincada caixa de música que tocava "nossa música".
Encontrei Heitor no jardim, desenhando.
"Heitor", sussurrei, estendendo a caixa. "Lembra disso? Nossa música."
Ele ergueu os olhos, seu olhar endurecendo. Ele arrancou a caixa da minha mão, seus dedos se fechando ao redor dela até que a madeira estalou e a música morreu.
"Saia daqui", ele cuspiu, sua voz fria, odiosa.
Ele esmagou a caixa quebrada contra uma fonte de pedra, os pedaços se espalhando como sonhos caídos.
Ele agarrou meu braço, seu aperto machucando, e me arrastou em direção aos portões.
"Você não é nada para mim", ele rosnou, me empurrando para o chão. Meu cotovelo raspou no cascalho, a dor subindo pelo meu braço, mas não era nada comparado à agonia no meu peito. Ele ficou de pé sobre mim, sua sombra caindo sobre meu rosto, ameaçadora e desconhecida.
"Se você chegar perto de mim de novo, vou garantir que você se arrependa", ele ameaçou, sua voz baixa e perigosa. "Eu não sei quem você é, mas você é obcecada. Fique longe da minha família."
Suas palavras foram como um golpe físico, pior do que qualquer arranhão ou hematoma.
Seus pais, Cláudio e Henriqueta, assistiam da varanda, seus rostos impassíveis. Carolina estava ao lado deles, um sorriso de escárnio brincando em seus lábios, seu braço entrelaçado no de Heitor. Ela parecia a esposa perfeita de um filme, serena e vitoriosa.
"Olhe para ela, Heitor", Carolina ronronou, sua voz pingando falsa preocupação. "Ela é patética. Acha que é digna de você."
O olhar de Heitor varreu sobre mim, como se eu fosse um grão de poeira, então ele se virou para Carolina, oferecendo-lhe um aperto reconfortante.
Meu passado, nossos momentos compartilhados, os grandes gestos que ele fez para conquistar meu coração - não foram apenas esquecidos, mas ridicularizados.
Eu era uma mancha em sua nova vida perfeita. O homem que uma vez me declarou sua razão de ser agora me tratava como uma estranha repulsiva.
Uma noite, não pude deixar de ficar do lado de fora dos portões da mansão, observando uma festa luxuosa através do ferro forjado. Heitor e Carolina estavam dançando, banhados pelo brilho suave das luzes de fada. Ele a segurava perto, a cabeça inclinada para a dela, uma intimidade terna que eu lembrava muito bem.
Meu coração se contorceu, um nó frio e duro de ciúme e desespero.
Me encontrei escondida atrás de uma sebe espessa, ouvindo a voz de Heitor ser levada pelo ar da noite. Ele estava conversando com seu pai, suas vozes baixas, mas o vento trazia trechos da conversa.
"A dor crônica é insuportável, pai", Heitor reclamou, sua voz carregada de uma amargura que eu não tinha ouvido antes. "E tudo por aquela... interesseira. Meu corpo está um caco por causa dela."
Meu sangue gelou. Interesseira?
Então, a resposta de seu pai: "É uma dívida, filho. Sua redenção pela família Matos. Os pais dela morreram na nossa fábrica. Tínhamos uma obrigação. Ela só tentou lucrar com isso."
Eu me pressionei ainda mais nas sombras, uma onda vertiginosa de náusea me invadindo.
Obrigação? Redenção? Meus pais, que morreram em um acidente de fábrica em uma planta de propriedade dos Ferraz, uma tragédia que eu sempre acreditei ser um incidente terrível e isolado. Era por isso que ele tinha me procurado? Não amor, mas culpa?
"Mas a amnésia", Heitor riu, um som cruel e sem alegria que revirou meu estômago.
"Melhor atuação da minha vida. Me livrei dela, consegui a Carolina e solidifiquei minha posição. Quem diria que um pequeno trauma na cabeça poderia ser tão conveniente?"
O ar me faltou. Meu mundo, já fraturado, implodiu.
Ele fingiu.
A amnésia, os olhares vazios, as rejeições frias - tudo uma mentira. Um engano calculado e cruel.
Ele havia orquestrado minha humilhação, minha dor, minha lenta destruição. A morte dos meus pais, um mero passivo para ele se redimir.
Nesse momento, Carolina, radiante em um vestido cintilante, deslizou até eles, colocando a mão no braço de Heitor.
"Querido", ela ronronou, "tenho notícias maravilhosas! Estamos grávidos!"
O rosto de Heitor se suavizou, um sorriso genuíno se espalhando por seus lábios. "Isso é incrível, meu amor!", ele exclamou, puxando-a para um abraço comemorativo.
A notícia me atingiu como um golpe físico, tirando o ar que restava dos meus pulmões. Um bebê. O bebê deles. O prego final no caixão dos meus sonhos despedaçados.
A amnésia falsa, o bebê de verdade. A traição suprema. Meu coração não apenas se partiu; ele se desintegrou completamente.
No dia seguinte, a notícia da gravidez de Carolina e da devoção inabalável de Heitor a ela dominou todas as colunas de fofoca e redes sociais. Meu nome foi arrastado pela lama mais uma vez, pintado como a ex-amante desesperada e delirante.
Estranhos apontavam e sussurravam, seus olhos cheios de pena ou nojo. Eu andava pela cidade, de cabeça erguida, mas por dentro, eu era uma casca vazia.
Chega.
Chega de humilhação, chega de lágrimas, chega de se agarrar a um fantasma.
A Bruna Matos que ele conhecia, aquela que o amava, morreu ontem à noite.
E de suas cinzas, algo novo, algo duro e inflexível, estava prestes a surgir.
Era isso. Meu ponto de ruptura.
Eu iria embora. Eu iria desaparecer.
E Heitor Ferraz enfrentaria a realidade esmagadora do que perdeu.