Como se fosse uma deixa, Bia apareceu na nossa porta, segurando um filé para ele. Eles a sentaram na minha cadeira, e a mãe dele disse que ela seria uma adição maravilhosa à família.
Naquele momento, eu entendi. Depois de oito anos tendo meu nome apagado de cada projeto, de ser manipulada e humilhada, eu estava sendo substituída. Eles não me viam como família; eu era apenas uma ferramenta que se tornara obsoleta.
Quando meu marido descartou meu colapso como um "chilique", algo dentro de mim congelou.
Depois que eles saíram, fiz minhas malas e peguei meu portfólio de projetos criptografado.
Então, mandei uma mensagem para o maior concorrente dele: "Eu deixei o Dante. Estou procurando um novo emprego. Estou com meu portfólio."
Capítulo 1
O aroma forte de alho assado e alecrim enchia a sala de jantar. Deveria ser um cheiro familiar, reconfortante. Coloquei as vieiras seladas na frigideira, guarnecidas perfeitamente com raspas de limão, no centro da grande mesa de carvalho.
Caminhei até Dante, que estava afrouxando sua gravata de seda, e massageei suavemente seus ombros. "Dia longo?", perguntei baixinho. Ele tinha acabado de voltar do escritório, o império construído com meus projetos, minhas noites em claro, minha alma.
Ele se esquivou do meu toque como se eu o tivesse queimado. "Não", ele rosnou.
Sua voz foi como um estalo de chicote na sala silenciosa.
"O que é isso?", ele perguntou, o lábio torcido em nojo enquanto olhava para as vieiras. "Você sabe que eu odeio frutos do mar."
Eu congelei. Minhas mãos caíram ao lado do corpo. "O quê? Dante, este é o seu prato favorito. Desde quando você odeia frutos do mar?"
"As pessoas mudam, Clara", disse ele, a voz escorrendo condescendência. Ele não olhou para mim. Olhou para além de mim, como se eu fosse um móvel do qual ele estava cansado. "Ao contrário de você. Você é sempre a mesma. Estagnada."
Então ele me comparou a ela. "A Bia teria se lembrado. Ela presta atenção." Bia, a estagiária insuportavelmente jovem e enjoativamente doce que o seguia como um cachorrinho.
"Ela me disse outro dia que fez o filé mais incrível. Um simples e clássico filé mignon. Não essa... coisa excessivamente complicada."
Ele olhou para mim então, seus olhos frios e avaliadores, como um juiz examinando um criminoso.
E naquele momento, eu entendi. Não era sobre as vieiras. Nunca foi sobre as vieiras. Era sobre a Bia. Ele não estava apenas tendo um caso emocional; ele estava deixando os gostos dela, as preferências dela, colonizarem nossa vida, substituindo as minhas, pedaço por pedaço.
Eu tinha feito as vieiras porque os pais dele, Júlio e Griselda, vinham para o jantar. Era o prato favorito deles, um prato que eu havia aperfeiçoado para ganhar a aprovação deles, uma aprovação que nunca veio.
Olhei para a cabeceira da mesa onde seu pai, Júlio Almeida, estava sentado, polindo os óculos, fingindo não ouvir. Depois olhei para a mãe dele, Griselda Wagner, que examinava sua manicure com uma expressão entediada. "Mãe? Pai?", supliquei, um pedido silencioso para que interviessem.
Griselda finalmente ergueu os olhos, seu olhar contendo um brilho zombeteiro familiar. "O Dante está certo, Clara. Os gostos de um homem evoluem. Você deveria aprender a acompanhar. A Bia parece entender isso perfeitamente bem."
Foi isso. O último fio de esperança ao qual eu me agarrava por oito anos finalmente se rompeu. Não era apenas o Dante. Eram todos eles. Eles me viam como uma ferramenta, um degrau, e agora que um modelo mais novo e brilhante estava disponível, eu estava me tornando obsoleta.
Uma decisão, fria e dura, se formou em meu peito. Eu estava farta.
Pensei nos últimos oito anos - as noites intermináveis que passei debruçada sobre pranchetas, meus projetos se tornando os prêmios dele, meu nome apagado de cada planta, de cada comunicado à imprensa. Lembrei-me da manipulação constante, das humilhações sutis na frente dos amigos, da maneira como eles me faziam sentir pequena e insignificante, tudo enquanto colhiam os benefícios do meu talento.
"Estou cansada, Dante", eu disse, minha voz oca.
Ele entendeu errado, como sempre. Um sorriso presunçoso tocou seus lábios. "Claro que você está cansada. Deve ser exaustivo tentar nos acompanhar."
"Não seja tão dramática, Clara", ele acrescentou, acenando com a mão de forma desdenhosa. "É só o jantar."
Ele se levantou, pairando sobre mim, um retrato da arrogância herdada. "Você só está fazendo cena de novo."
"Eu quero o divórcio."
As palavras pairaram no ar, pesadas e finais.
O silêncio que se seguiu foi absoluto. O tilintar dos talheres parou. Até o barulho da cidade lá fora pareceu desaparecer.
A expressão presunçosa de Dante se estilhaçou. Seu rosto passou da incredulidade à confusão, e depois à pura fúria.
O sorriso pintado de Griselda desapareceu, substituído por uma carranca severa. Júlio finalmente ergueu os olhos dos óculos, seu olhar afiado e sério.
"Não seja ridícula, Clara", disse Griselda, tentando amenizar a situação com uma risada falsa e forçada. "Você só está tendo um dia ruim."
"Sim", interveio Júlio, seu tom acusatório. "Você é sempre tão emotiva. Está chateando o Dante."
Eu vi o velho padrão se encaixar. Minimizar o problema. Me isolar. Me culpar. Era o manual da família deles, o que eles usaram para me controlar por anos.
"Não há mais nada a dizer", eu disse, minha voz plana. Eu estava cansada de explicar, cansada de lutar pela minha própria realidade.
Virei-me e caminhei em direção ao nosso quarto, meu espaço privado que mais parecia uma jaula lindamente decorada.
"Clara!" A voz de Dante era um rugido, não mais suave e carismática, mas crua e animalesca.
Ele avançou. Sua mão agarrou meu braço, seus dedos cravando na minha carne como garras. Ele me puxou com força, me virando para encará-lo. A força enviou uma onda de dor pelo meu ombro.
"Você acha que pode simplesmente ir embora?", ele rosnou, o rosto a centímetros do meu. "Depois de tudo que eu te dei? Depois de tudo que construímos?"
"O que nós construímos, Dante?", perguntei, uma risada amarga escapando dos meus lábios. "Que parte deste império é sua?"
"Sua vadia ingrata", ele sussurrou, as palavras cheias de veneno.
Olhei em seus olhos, procurando o homem com quem me casei, mas ele havia sumido. Em seu lugar havia um estranho, uma fraude cuja máscara estava rachando. Um lampejo de medo, de ser exposto, cruzou suas feições.
"E a Bia?", perguntei, minha voz mortalmente silenciosa. "Você não fica até tarde no escritório trabalhando em projetos, não é?"
Isso o atingiu em cheio. Seus olhos se arregalaram por uma fração de segundo antes que ele se recompusesse.
"Ela é uma estagiária talentosa que precisa de orientação!", ele esbravejou. "Algo que você não entenderia."
"Chega!" A voz de Júlio trovejou, o patriarca afirmando sua autoridade. "Clara, você não vai falar com seu marido desse jeito."
Griselda deu um passo à frente, sua voz enganosamente suave. "Querida, sabemos que você está sob pressão. Vamos todos nos acalmar. Uma pequena discussão não significa o fim de um casamento."
O clássico golpe duplo. Júlio, o martelo. Griselda, a luva de veludo.
Por oito anos, eu caí nessa. Oito anos sendo derrubada e depois reerguida apenas o suficiente para continuar produzindo para eles. Mas esta noite, meus olhos estavam bem abertos.
"Ele tem se encontrado com ela fora do escritório, não é?", eu disse, olhando diretamente para Dante. "Ele estava com ela esta tarde. É por isso que ele cancelou nosso almoço."
Eu vi a verdade na forma como sua mandíbula se contraiu.
"E eu aposto", eu disse, um sorriso lento e cruel se espalhando pelo meu rosto, "que ela estará aqui a qualquer minuto."
Como se fosse uma deixa, a campainha tocou.