Minha vida inteira foi uma guerra contra ela. Uma guerra que eu já tinha perdido.
Fechei os olhos, exausta. E quando os abri de novo, eu era uma adolescente. Eu estava de volta ao abrigo, no dia exato em que a rica família Monteiro veio escolher uma criança para criar.
Do outro lado do quarto, um garoto com olhos familiares e atormentados estava me encarando. Caio.
Ele parecia tão chocado quanto eu.
"Eva", ele gesticulou, o rosto pálido. "Me desculpe. Eu vou te salvar desta vez. Eu prometo."
Uma risada amarga quase escapou dos meus lábios. Da última vez que ele prometeu me salvar, nosso filho terminou dentro de um caixão minúsculo.
Capítulo 1
A última coisa que meu marido, Caio Monteiro, me deu foi uma carta de suicídio.
Não era endereçada a mim. Era para Bianca Soares, sua irmã de criação, a mulher que assombrou nosso casamento por vinte anos miseráveis.
"Bianca", dizia a caligrafia elegante dele, "me desculpe. Eu não consegui te proteger. Estou deixando tudo para você e sua família. Me perdoe."
Eu estava parada no escritório frio e estéril, o cheiro de pólvora ainda pairando no ar. Ele tinha dado um tiro na cabeça, e seus pensamentos finais foram para outra mulher. Tudo, nosso império de tecnologia do qual eu fui a arquiteta, a obra da minha vida, agora era dela.
Sempre foi ela. Toda crise girava em torno das lágrimas de Bianca, das necessidades de Bianca, dos dramas inventados por Bianca. Ela foi a razão pela qual nosso filho morreu, deixado para congelar em um carro quebrado numa estrada deserta porque Caio teve que correr para o lado de Bianca depois que ela alegou que estava sendo ameaçada.
Minha vida inteira foi uma guerra contra ela, uma guerra que eu acabara de perder.
Fechei os olhos, uma onda de exaustão me dominando. A dor era um peso físico que me roubava o ar. Então, uma dor aguda no peito, uma luz ofuscante, e o mundo se dissolveu.
Senti o cheiro de antisséptico e sopa barata. Abri os olhos. Eu estava em um colchão irregular em um quarto lotado. As paredes eram de um bege deprimente, descascando nos cantos. Meu coração martelava contra minhas costelas. Eu conhecia este lugar. Este era o Lar de Acolhimento São Judas Tadeu. Minhas mãos eram pequenas, meu corpo era magro e desconhecido. Eu era uma adolescente de novo.
Uma voz cortou a névoa. "Eva, levanta! Os Monteiro chegaram!"
Sentei-me de supetão. Hoje. Era o dia exato em que a rica família Monteiro veio escolher uma criança para criar. O dia em que minha vida se entrelaçou com a de Caio.
Um garoto do outro lado do quarto, com cabelos escuros familiares e olhos atormentados, estava me encarando. Caio. Ele parecia tão chocado quanto eu.
"Eva", ele gesticulou, o rosto pálido. "Me desculpe. Eu vou te salvar desta vez. Eu prometo."
Me salvar? Uma risada amarga quase escapou dos meus lábios. Da última vez que ele prometeu me salvar, nosso filho terminou dentro de um caixão minúsculo.
Na minha primeira vida, eu estava desesperada para fugir daquele lugar. Eu era ambiciosa e inteligente, e via os Monteiro como meu único bilhete de saída. Eu os pesquisei por semanas, aprendendo sobre seus interesses, suas personalidades, o que eles procuravam em uma criança. Eu preparei um discursinho perfeito. Vesti meu vestido mais limpo, embora ainda surrado. Eu estava determinada a ser a escolha perfeita deles.
E eu teria sido.
Mas então Caio apareceu, arrastando uma garota fungando e com uma aparência patética atrás dele. Bianca Soares.
"Ela precisa de um lar mais do que ninguém", ele declarou aos pais, a voz cheia daquela pena equivocada e nobre que ele sempre teve por ela. "As outras crianças implicam com ela."
Bianca soluçou na hora certa, escondendo-se atrás dele e sussurrando mentiras sobre mim. "A Eva me dá medo. Ela diz que eu não mereço ser feliz."
Caio, que naquela vida havia jurado ser meu protetor, acreditou nela instantaneamente. Ele me olhou com tanta decepção. "Eva, como você pôde ser tão cruel?"
Aquela única frase selou meu destino. Passei mais cinco anos miseráveis no sistema, enquanto Bianca era acolhida na mansão dos Monteiro, envolta em seda e compaixão.
Mas desta vez, eu sabia o que fazer. Eu não era a garota ambiciosa tentando ganhar o afeto deles. Eu era uma mulher de 40 anos no corpo de uma adolescente, e minha única ambição era me livrar de todos eles.
A Sra. Monteiro, uma mulher de rosto gentil e olhos suaves, já estava sorrindo para mim. "Olá, querida. Você deve ser a Eva. Sua ficha diz que você é a primeira da classe."
"Ela é uma menina maravilhosa", disse a diretora do abrigo, com a voz adocicada.
Caio estava ao lado de sua mãe, seus olhos suplicando para mim. "Mãe, pai, eu acho que deveríamos escolher a Eva."
Eu vi a esperança nos olhos dele, a necessidade desesperada de se redimir. Ele queria consertar o passado.
Pena para ele, eu queria apagá-lo.
Assim que o Sr. Monteiro abriu a boca para concordar, um grito alto ecoou do corredor.
Um momento depois, Bianca entrou mancando, apoiando-se pesadamente em outra garota. Seu tornozelo estava enrolado em uma atadura suja, e lágrimas frescas escorriam por seu rosto. Ela parecia tão frágil, tão quebrada.
"Bianca, o que aconteceu?" A Sra. Monteiro correu para o lado dela, cheia de preocupação.
"Eu... eu caí", gaguejou Bianca, seus olhos se desviando para um grupo de meninos maiores no canto. "Eles me empurraram. Disseram... disseram que uma coitada como eu não merece sapatos novos."
Foi uma atuação de mestre. Eu tinha que admitir. Na minha primeira vida, eu usei minha inteligência para sobreviver. Bianca usou suas lágrimas. E suas lágrimas sempre foram mais eficazes.
O rosto de Caio endureceu com aquela raiva protetora familiar. Mas desta vez, pude ver o conflito em seus olhos. Um lampejo de dúvida. Ele sabia que Bianca era capaz disso. Mas a visão dela, tão aparentemente indefesa, ainda causava um curto-circuito em seu cérebro.
Ele olhou dela para mim, sua culpa guerreando com sua pena.
Antes que ele pudesse fazer a escolha errada novamente, eu dei um passo à frente.
"Sra. Monteiro", eu disse, minha voz baixa, mas clara. "Ela está certa. Os meninos aqui são muito brutos. A Bianca é tão gentil. Ela se machuca muito."
Virei-me para Caio, minha expressão cheia de falsa empatia. "Caio, você deveria protegê-la. Ela realmente precisa de uma família como a sua."
O coração da Sra. Monteiro derreteu. "Oh, pobre querida", disse ela, acariciando o cabelo de Bianca.
Caio olhou para mim, totalmente perplexo. Ele não conseguia entender por que eu estava entregando sua família para minha nêmesis.
Ele abriu a boca, um protesto confuso se formando em seus lábios.
Mas eu falei ao mesmo tempo, minha voz perfeitamente sincronizada com a dele.
"Leve a Bianca."
"Leve a Bianca", disse ele, suas próprias palavras ecoando as minhas, movido por uma vida inteira de instinto arraigado.
A decisão estava tomada.