Meu castigo, ao que parecia, estava apenas começando. De volta à mansão que um dia chamei de lar, ele me trancou em um canil. Forçou-me a bater a cabeça no retrato da minha irmã "morta" até meu sangue manchar o chão de mármore. Fez-me beber uma poção para garantir que minha "linhagem amaldiçoada" terminasse em mim.
Ele até tentou me entregar a um sócio nojento e tarado por uma noite, uma "lição" pela minha rebeldia.
Mas a verdade mais cruel ainda estava por vir. Minha irmã postiça, Isabela, estava viva. Meus cinco anos de inferno foram todos parte do seu jogo doentio. E quando meu irmãozinho Lucas, minha única razão de viver, testemunhou minha humilhação, ela o mandou jogar escada de pedra abaixo.
Meu marido o viu morrer e não fez nada.
Morrendo pelos ferimentos e com o coração partido, eu me joguei da janela de um hospital, meu último pensamento um juramento de vingança.
Abri os olhos novamente. Eu estava de volta ao dia da minha libertação. A voz da diretora era monótona. "Seu marido arranjou tudo. Ele está esperando."
Desta vez, seria eu a esperar. Para arrastá-lo, e a todos que me fizeram mal, direto para o inferno.
Capítulo 1
A clínica de reabilitação era uma caixa branca e estéril nos arredores de São Paulo, um lugar projetado para apagar pessoas. Por cinco anos, tinha sido o meu mundo. As paredes eram nuas, o ar cheirava a desinfetante e desespero, e minha única vista era uma fresta de céu cinzento.
Olhei para o meu reflexo no chão polido. Um rosto magro me encarava de volta, com olhos fundos e pele pálida. As roupas que eu usava, um uniforme folgado, pendiam em meu corpo esquelético. Eram um lembrete constante de que eu não era mais Helena Almeida, a queridinha da elite paulistana. Eu era um número, uma paciente, uma assassina.
Cinco anos atrás, meu marido, Ricardo Montenegro, me internou. Ele fez isso depois que fui acusada de matar minha irmã postiça, Isabela Ferraz. Ele disse ao mundo que era um ato de misericórdia, uma chance para sua esposa desequilibrada se redimir por seu crime terrível.
Ajoelhei-me, meus joelhos nus pressionando o chão frio e duro. Era uma dor familiar. Na minha frente, havia uma fotografia emoldurada de Isabela, sorrindo. Este era meu ritual diário, minha penitência forçada. Eu tinha que me ajoelhar diante dela por duas horas todas as manhãs e duas horas todas as noites.
Mil oitocentos e vinte e cinco dias. Eu havia contado cada um deles.
Uma batida forte na porta quebrou o silêncio. A diretora entrou, seu rosto impassível.
"Levante-se, Almeida. Você está sendo liberada."
Minha cabeça se ergueu bruscamente. Liberada? A palavra soava estranha, impossível.
"Seu marido arranjou tudo. Ele está esperando."
Cinco anos. Cinco anos neste inferno, orquestrado pelo homem que deveria me amar. O homem que todos viam como um santo devoto e compassivo por não se divorciar da mulher que assassinou sua amada cunhada. Eles não viam a verdade. Eles não conheciam Ricardo.
Ele não era um santo. Ele era o diabo que havia meticulosamente criado meu purgatório.
Saí da clínica, piscando contra o sol desconhecido. Eu esperava ver um rosto amigável, um membro da família, qualquer um. Mas a calçada estava vazia. Meus amigos me abandonaram. Minha família me deserdou. Eu estava completamente sozinha.
A diretora me entregou uma pequena caixa. "Instruções do Sr. Montenegro. Ele disse que você deve continuar sua penitência em casa. Isto deve estar com você o tempo todo."
Dentro estava a mesma fotografia emoldurada de Isabela. Um pavor gelado me invadiu. A prisão estava mudando, mas a sentença permanecia a mesma.
Um carro preto parou. O motorista da família Montenegro, um homem que costumava me cumprimentar com um sorriso caloroso, agora me olhava com desprezo aberto enquanto segurava a porta. A viagem de volta para a mansão que um dia chamei de lar foi silenciosa. A casa era exatamente como eu me lembrava, opulenta e fria. Mas agora, eu não era sua dona. Eu era sua prisioneira.
As empregadas e o mordomo se alinharam, seus sussurros como o sibilar de cobras. Eles me olhavam não com pena, mas com desdém.
"Ela finalmente saiu."
"Olhe para ela. Parece um fantasma."
"O patrão é muito bondoso. Uma mulher como essa deveria ter apodrecido na cadeia."
Eu os ignorei, minha mente se apegando a um único fio de esperança. Uma promessa que fiz à minha avó moribunda anos atrás.
"Helena," ela sussurrou, sua mão frágil na minha, "não importa o que aconteça, você deve proteger seu irmão. Lucas é tudo o que lhe resta."
Lucas. Meu irmãozinho. Ele era a única razão pela qual eu havia suportado os últimos cinco anos. Ele era minha única razão para continuar vivendo agora.
Agarrei a fotografia contra o peito e caminhei em direção à grande escadaria, meus passos instáveis. Eu tinha que vê-lo.
De repente, o som de pneus cantando ecoou da entrada de carros atrás de mim. Virei-me a tempo de ver um carro esportivo prateado vindo diretamente em minha direção, seu motor rugindo. Eu congelei, meu corpo se recusando a se mover. Ia me atingir.
No último segundo, joguei-me para o lado, caindo no gramado bem cuidado. O carro freou bruscamente a centímetros de onde eu estava. Meus joelhos estavam esfolados e meu coração martelava contra minhas costelas. Instintivamente, verifiquei a fotografia em minhas mãos. O vidro não estava rachado. O pensamento me deu um calafrio - meu primeiro instinto foi proteger o símbolo do meu tormento.
A porta do carro se abriu.
Ricardo Montenegro saiu, seu corpo alto envolto em um terno perfeitamente cortado. Ele parecia o mesmo de cinco anos atrás: impossivelmente bonito, com um ar de santidade fria que cativava a todos que conhecia. Seus olhos, da cor de um céu de inverno, encontraram os meus. Não havia preocupação neles, nem choque. Apenas uma indiferença gélida e assustadora.
Era ele. Ele tinha tentado me atropelar.
Minha respiração falhou. O medo com que vivi por cinco anos se enrolou no meu estômago, me sufocando. Este homem não era apenas meu algoz; ele era o grande amor da minha vida.
Lembrei-me da garota que eu costumava ser - vibrante, um pouco selvagem, correndo atrás do elusivo e frio Ricardo Montenegro. Eu havia mudado tudo em mim por ele. Suavizei minhas arestas, aprendi seus hobbies tranquilos, me moldei na esposa perfeita e recatada que ele parecia querer.
Por um curto período, pensei que tinha conseguido. O dia do nosso casamento foi o mais feliz da minha vida. Eu finalmente havia conquistado o coração do homem que eu adorava.
Então Isabela morreu, e meu mundo se despedaçou.
Agora, de pé diante dele, machucada e trêmula, eu não era mais aquela garota.
Levantei-me com dificuldade, minha voz um sussurro rouco. "Ricardo... eu preciso ver o Lucas."
Ele caminhou em minha direção, seu olhar percorrendo minha forma desgrenhada com nojo. Ele parou bem na minha frente, tão perto que eu podia sentir o frio que irradiava dele.
"Você não está em posição de fazer exigências, Helena." Sua voz era baixa e suave, a mesma voz que um dia sussurrou palavras de amor.
"Por favor," eu implorei, a única palavra rasgando minha garganta. "Só por um minuto."
Ele não respondeu. Em vez disso, fez um gesto pequeno e seco para os dois grandes seguranças que haviam saído da casa.
"Parece que cinco anos de reflexão não lhe ensinaram humildade," ele disse, sua voz desprovida de qualquer emoção. "Seu castigo não acabou. Apenas começou."
Os guardas agarraram meus braços. O aperto deles era como ferro.
"Levem-na para o canil," Ricardo ordenou, virando as costas para mim como se eu não fosse nada mais do que um pedaço de lixo a ser descartado.
O canil. Ele ia me trancar em uma jaula de cachorro.
O pânico arranhou minha garganta. "Não! Ricardo, não! Por favor!"
Eles me arrastaram, meus apelos ecoando sem resposta no vasto e vazio pátio.