Ela permanece alguns segundos sentada à beira da cama, olhando para o vazio do quarto ainda meio escuro. Seus pensamentos se embaralham enquanto os dedos tocam o lençol. O nome dele sussurra dentro dela como uma oração secreta: Pietro. O homem que ensinou mais do que as leis e teorias jurídicas. O homem que a fez acreditar, ainda que às escondidas, que o amor era possível mesmo em meio a tantas impossibilidades.
Faz pouco mais de nove meses desde que aquela troca de olhares carregada de tensão em uma das salas da Universidade de Oxford se transformou em encontros furtivos, bilhetes dobrados dentro de livros de direito constitucional e toques discretos em corredores escuros. Meses em que Sophia vive entre o céu e o abismo. Foram madrugadas inteiras em que ela se deitava ao lado dele sentindo-se a mulher mais amada do mundo, apenas para acordar com o medo de ser descoberta e ter sua reputação, e a dele, destruída.
Agora, tudo parece estar por um fio.
Enquanto calça os saltos altos diante do espelho, ela sorri com suavidade, tocando os cabelos cuidadosamente arrumados. O vestido longo, de seda dourada, molda sua silhueta com elegância sutil. Ela está deslumbrante, e sabe disso, mas a beleza exterior não apaga o nervosismo que começa a se alastrar em seu peito. Hoje é o dia da promessa: depois da cerimônia, ela e Pietro conversariam sobre o futuro. Sophia acredita, com o coração esperançoso, que ele finalmente dará um passo público em direção ao que eles vivem. Afinal, ele havia contado a Paulo, professor e melhor amigo e isso deveria significar algo, certo?
Ela desce correndo os degraus do prédio quando ouve a buzina impaciente de sua amiga Anne Marie. A morena espera encostada no carro com um sorriso largo, exibindo um vestido azul cintilante que realça suas curvas de maneira escandalosamente elegante.
- Sophia, pelo amor de Deus! Você está um espetáculo! O professor vai babar quando te vir assim! - diz Anne, caminhando ao redor da amiga como se estivesse diante de uma obra de arte.
Sophia ri, tímida.
- Você acha mesmo?
- Tenho certeza. Se o professor Pietro não se ajoelhar hoje pedindo sua mão, eu mesma me demito da amizade! - responde Anne, em tom de brincadeira.
As duas seguem animadas no carro, rindo, compartilhando ansiedades e lembranças. Sophia, embora sorrindo, sente a tensão aumentar à medida que se aproximam do Royal Kensington Hotel, um dos mais requintados hotéis da cidade. O local onde será a cerimônia e o baile de formatura e onde ela acredita que sua história com Pietro terá um novo capítulo.
O trajeto até o Royal Kensington Hotel foi como atravessar um conto de fadas prestes a se realizar. O edifício majestoso erguia-se no centro de Londres com sua arquitetura vitoriana imponente, o tapete vermelho estendido como uma promessa de noites inesquecíveis. Dentro, lustres de cristal iluminavam o salão principal com um brilho dourado, e a música clássica preenchia os espaços com solenidade.
Sophia olhou para tudo aquilo como uma garota que ousava sonhar. Mas o que mais procurava era ele.
E então o viu.
Pietro estava de costas, conversando com alguns reitores. Usava um terno cinza impecável, a gravata dourada reluzia sob a luz dos lustres. Ele estava lindo. Mais do que isso. Ele era o homem dela. Seu coração acelerou, o sangue ferveu nas veias e as mãos suaram.
Cada passo em direção a ele era a confirmação de tudo o que tinham vivido. Aquela noite era deles. O início de tudo.
Ela apertou a mão de Anne Marie, como quem pedia coragem.
- Vai lá, garota. Vai buscar o teu final feliz.
Anne se adiantou até Paulo, sorrindo. Sophia, com o coração martelando, se aproximou de Pietro e, com doçura e firmeza, tocou sua mão.
Mas o que veio em seguida foi o desmoronamento de tudo.
Pietro afastou-se. Sem olhar. Sem reagir. Sem sequer reconhecer o toque que tantas vezes buscou no escuro.
E então, com a voz que costumava lhe dizer "eu te amo" nas madrugadas, disse algo que a atravessou como uma faca em chamas:
- Senhores, por favor, conheçam as alunas Anne Marie e sua amiga, Sophia Jones.
Amiga?
A garganta dela secou. As pernas fraquejaram, o chão parecia desaparecer sob os pés. Tudo ao redor se tornou borrado, os rostos, as vozes, as luzes.
Ela havia sido apagada, reduzida, escondida.
Sophia manteve o sorriso. Mas por dentro ... algo morreu.
Anne ficou paralisada. Tentou dizer algo, mas Sophia já não ouvia. Estava mergulhada numa dor surda. Sentia-se pequena, exposta, ridícula. Como se tudo o que viveram tivesse sido apenas um capricho proibido. Um segredo sujo que ele nunca teve a intenção de assumir.
Foi como se o tempo retrocedesse, e ela voltasse a ser só uma estudante. Só mais uma menina. Enquanto ele... era o professor ilustre, o intelectual respeitado. O homem cobiçado. E ela... a aluna que ele escondia.
A vergonha colou em sua pele como veneno. A mágoa queimava, a traição latejava.
Ele nunca planejou ficar.
Sophia manteve a postura até o último segundo. Cumprimentou os reitores com educação, fingiu estar bem, fingiu que não sentia o coração sendo esmagado no peito.
Quando Pietro se virou novamente para a conversa, esquecendo-se dela como se fosse um vulto, ela soube.
Ele jamais a amaria à luz do dia.
Anne Marie tentou intervir, mas Sophia tocou seu ombro, negando com a cabeça. Um sorriso triste se formou em seus lábios antes de se afastar, decidida a deixar aquele lugar.
Não queria mais vê-lo. Decidiu, naquele instante, seguir sua vida. Iria para a América e esqueceria toda a sua história com Pietro. Amaldiçoou-se por ter acreditado nele, pelo amor que ainda guardava em seu coração. Ele nunca desejou um futuro que pudesse ser exposto publicamente. Era apenas uma garota, e ele a via como um mero divertimento.
Anne tentou alcançá-la, mas Sophia tocou seu ombro num gesto silencioso, suplicando para a amiga não dizer nada.
- Deixe-me ir. - gesticulou com os lábios.
Com um sorriso melancólico e uma lágrima represada, ela virou-se e caminhou com passos firmes para longe dele.
Fora do salão, a fachada grandiosa do hotel não tinha mais brilho algum. Sophia desceu as escadas correndo, segurando a barra do vestido com uma das mãos, enquanto com a outra chamava o carro por aplicativo. Seus olhos estavam marejados, mas não deixou que as lágrimas caíssem até ficar sozinha.
Quando finalmente entrou no veículo e a porta se fechou, a respiração falhou. Seu peito arfava como se estivesse se afogando em terra firme. Passou a mão pelo ventre, sentindo a pequena vida que crescia dentro dela.
E então, entre soluços e silêncio, fez a promessa mais dura de sua vida:
- Eu vou te criar com todo o amor que ele negou a nós dois. E vou arrancar esse homem do meu coração... mesmo que isso me mate um pouco por dentro todos os dias.