Sentada no sofá da sala, com o ventilador batendo em meu rosto, observava o movimento na piscina através da janela entreaberta. Minha mãe de biquíni laranja, rodeada de convidados bronzeados, risadas ocas, corpos molhados e taças de espumante. A típica cena das festas dela. Aquelas festas que sempre me faziam sentir como se fosse uma intrusa no mundo dela. O tipo de vida ao qual nunca consegui pertencer.
As risadas alheias me pareciam vazias, como se fossem apenas uma forma de preencher o silêncio desconfortável que sempre reinava entre nós. O copo de sorvete se esvaziava lentamente enquanto eu me perdia em pensamentos, tentando ao menos por alguns minutos esquecer o que me incomodava. A sensação de estar ali, mas ao mesmo tempo tão distante de todos, me consumia.
A primeira colherada ainda dançava na minha língua quando ouvi a porta se abrir. Um ruído familiar, mas que agora me soava ameaçador. Instintivamente, levei o copo de sorvete ao peito, como se protegê-lo pudesse me proteger também. Um reflexo bobo, mas era o que me restava.
- Aí está você, linda - disse Marcelo, entrando sem cerimônia. Pingando da piscina, com uma bermuda de sarja escura, a pele clara molhada e os fios negros encharcados e bagunçados. Ele se aproximou, com aquele sorriso largo demais, forçado demais, que me fazia ter vontade de fugir dali a cada vez que o via.
Cada passo dele deixava um rastro molhado no chão, e eu me encolhia um pouco mais, tentando controlar a ansiedade que começava a surgir, uma mistura de incômodo e insegurança.
- Eu... - tentei dizer, mas a voz me traiu. Apenas sorri, fraca, e continuei tomando o sorvete, tentando parecer indiferente, tentando me proteger da invasão que sabia que viria.
Marcelo se aproximou mais, agora perto demais. O cheiro de piscina e cerveja se misturava, me deixando tonta. Antes que eu pudesse reagir, ele tomou a colher da minha mão e a enfiou na própria boca, como se aquele pequeno gesto tivesse algum tipo de direito sobre mim.
- Humm... delícia! - Ele saboreou o sorvete como se estivesse buscando algo além do sabor. Seus olhos, no entanto, não estavam focados no sorvete, mas em mim. Analisavam meu corpo, sem disfarçar o interesse, até encontrarem os meus olhos e, finalmente, minha boca. Algo naquelas trocas de olhares me desconcertava. Eu sabia o que ele queria. Sabia o que ele pensava de mim.
Engoli seco, sentindo o gosto amargo da humilhação se espalhando pela minha garganta. O gesto dele era íntimo, invasivo, e eu não sabia o que fazer. Não sabia como reagir. Mas, no fundo, tudo o que eu queria era que ele saísse. Saísse dali. Saísse da minha vida.
- Não faça mais isso - murmurei, os olhos desviando do olhar dele.
- Ah, Mavi, é só sorvete... não precisa de drama - disse ele, com um sorriso cínico no rosto.
Eu forcei um sorriso, deixei o copo na pia e subir. Precisava sair dali, precisava me afastar, mas, antes que eu pudesse passar, ele bloqueou a passagem por um segundo.
- Pra que tanta pressa? Vai fugir de mim agora? - ele perguntou, com o olhar cravado em meus seios no top cinza. Aquelas palavras me fizeram tremer, mas eu apenas tentei seguir em frente, tentando não mostrar o quanto ele estava me afetando.
Ele deu um passo para o lado, como se nada tivesse acontecido, mas a tensão ficou comigo. No fundo, sabia que isso era só o começo. Eu só queria me afastar. Queria estar longe dele.
No quarto, tentei me concentrar. A ansiedade ainda me tomava, mas eu sabia que o final período acadêmico estava começando, e com ele, o período de avaliações, seminários que se aproximavam. Contudo, minha mente não conseguia focar nos estudos. A lembrança do olhar de Marcelo, sua atitude invasiva, se repetia em minha cabeça.
Os passos dele no corredor interromperam meu frágil momento de concentração. A sombra de seus pés se projetava por debaixo da porta, e logo o clique da maçaneta girando fez meu estômago se revirar. A maldita fechadura quebrada, agora me mostrava o quanto, o antes não precisava de travar, neste momento necessitava.
- Você ficou chateada com aquilo, né? - perguntou, encostado no batente.
- Marcelo, o que você tá fazendo aqui? - perguntei, tentando soar firme, embora meu coração estivesse disparado.
- A porta tava encostada, ficou chateada? - mentiu, logo se aproximou, encostando o quadril na minha cadeira. A pressão no meu ombro me fez sentir uma onda de desconforto, que eu não consegui me mexer.
- Não, só estou ocupada, você não devia, minha mãe... - tentei, mas ele me interrompeu.
- Para de ser nerd, Mavi, vamos curtir um pouco.- Disse me olhando, me percorrendo com os seus olhos que não escondiam seus desejos impróprios. - Sua mãe tá lá embaixo, curtindo um pouco os amigos. Relaxa. Você não precisa ficar sozinha... Eu posso te fazer companhia. Aposto que sente falta de carinho - ele sussurrou, sua respiração quente próximo à minha nuca.
- Marcelo, sai do meu quarto, por favor. - Antes que eu pudesse reagir, ele se abaixou e me beijou. Sem aviso. Sem permissão.
Aquele beijo me paralisou. Foi um choque. O gosto de cerveja, o bafo quente, o asco imediato. Algo se quebrou dentro de mim naquele instante. Empurrei-o com força, o livro voou da mesa. O susto me tomou, e o grito que escapou dos meus lábios foi reflexo de uma dor profunda.
- Sai daqui! - gritei, a voz embargada. - Tá louco?
Ele recuou dois passos, levantando as mãos como se fosse inocente, mas o sorriso dele era nojento, cínico.
- Você vai mesmo estragar o dia da sua mãe com uma historinha dessas? - disse ele, como se fosse algo trivial.
Lágrimas queimaram meus olhos, mas engoli cada uma, eu não seria uma vítima, nunca! Uma conversa com a minha mãe bastava.
A porta bateu ao sair, e eu fiquei ali, sozinha, com o coração disparado, a respiração em frangalhos. O medo se espalhou por cada centímetro do meu corpo. Eu estava sozinha. E a sensação de ter perdido um pedaço da minha segurança dentro de casa me invadiu como uma onda arrasadora.
Limpei a minha boca, como quem buscava se higienizar de germes, para mim, Marcelo não era diferente, haviam dias que ele não escondia os seus olhares, e aquilo para mim, era ultrapassar tudo, não era coisa da minha cabeça.
Era noite quando desci, a minha mãe estava na sala, debruçada no colo dele, ignorei os olhares de Marcelo. Fitei a mulher de rosto escondido, pele bronzeada, cabelos loiros lisos bagunçados. - Mãe, preciso conversar com você. - Pedi.
Observando o modo como ele massageava as suas costas. - Agora, filha? - Perguntou com a voz abafada. - Sim, mãe é...
- A sua mãe não esta bem, Mavi, ela está com a pressão baixa. - Assenti diante ao que ele disse.
- Amanhã filha, pode ser? - O que eu poderia dizer? Uma hora a conversa aconteceria? - Tá, amanhã? Pode ser.