A cerimônia de formatura do ensino médio deveria ser um momento de celebração, mas para mim, Sofia, era o último prego no caixão da minha individualidade. Enquanto meu nome era chamado para receber o prêmio de melhor aluna de design, senti o familiar aperto no estômago, o olhar frio da minha mãe, Helena, e o nervosismo da minha irmã gêmea, Clara, ao meu lado. "Parabéns, Sofia. Um talento excepcional," disse o diretor, me entregando o troféu, mas o aceno quase imperceptível da minha mãe para Clara já me sentenciava: não brilhe demais. Minha vida inteira foi uma performance forçada de mediocridade, tudo em nome da "justiça" da minha mãe, uma estilista renomada, obcecada pela igualdade absoluta entre suas filhas. Lembro-me de quando tínhamos dez anos e ganhei um concurso de desenho; Helena não hesitou em jogar meu troféu no fogo da lareira, dizendo que "isso não é justo com a sua irmã." Naquela noite, meu talento não era um dom, era um crime, e a partir daquele dia, comecei a me sabotar, a errar deliberadamente, a me anular para manter a "harmonia" familiar. A ansiedade se instalou em mim como uma sombra, e meu pai, Ricardo, me levou a um psicólogo às escondidas, cujo diagnóstico de transtorno de ansiedade e depressão foi ignorado pela minha mãe como "drama de adolescente." Para Helena, minha doença mental era mais uma prova da minha "injustiça", um desequilíbrio em sua equação perfeita, e fui punida por ser competente, por ser eu. O troféu da formatura pesava como uma sentença, confirmando que a questão das faculdades seria o novo campo de batalha. Minha mãe sugeriu que eu cedesse minha vaga na melhor universidade de moda e entregasse meus melhores desenhos para Clara, que mal tinha notas para uma faculdade comunitária. "Não," eu disse, a faísca de rebelião acendendo-se, "É o meu trabalho. É o meu futuro. Não é justo que eu tenha que sacrificar tudo por ela." A fúria gelada de Helena explodiu, culminando com ela me arrastando para uma estrada deserta no meio da noite e me abandonando. "Volte para casa a pé. Pense sobre o que é realmente 'injusto'," ela sibilou enquanto me puxava do carro e fugia. Eu caminhei por horas, imunda, exausta, quebrada, e ao chegar em casa, Helena apenas perguntou: "Aprendeu sua lição?" Silenciosamente, assenti, e no dia seguinte, entreguei meus melhores trabalhos para Clara, aceitando que meu futuro não me pertencia, resignada. A vida na faculdade tornou-se uma extensão do inferno, dividindo o mesmo dormitório, as mesmas aulas, e as ligações noturnas de Helena garantiam que a "justiça" fosse servida. Clara, agora, exigia minha dependência, transformando-a em direito adquirido, e pediu que eu fraudasse uma prova para ela. "Você está louca? Clara, isso pode nos expulsar da faculdade!" Mas ela chantageou, usando a obsessão da minha mãe: "Se eu reprovar, a mamãe vai ficar furiosa. Vai sobrar pra você de qualquer jeito." Sem dormir, me senti encurralada: a sobrevivência falou mais alto que a integridade, e eu fiz a prova, sentindo cada palavra escrita como algo sujo. Quando Helena, exultante, celebrou nossas notas quase idênticas, elogiando aquela mentira e me enviando dinheiro, senti o ponto de ruptura. Naquela noite, enquanto Clara dormia, fiz pequenos cortes em meu antebraço, desesperada para que minha dor invisível se tornasse inegável, para que Helena me visse. Mas ela apenas ordenou: "Sofia, cubra esse braço. É falta de apetite", ignorando completamente o que aquelas marcas significavam. "Mãe... eu não estou bem." "Clara parece ótima. Talvez você devesse aprender com ela a ser mais resiliente." Meu grito de ajuda foi recebido com indiferença, e pouco depois, um colapso na faculdade me levou ao diagnóstico de transtorno de personalidade borderline. O psiquiatra me revelou: "Sua necessidade de agradar e se anular para manter uma 'paz' artificial está literalmente te adoecendo." Ali, sob as luzes fluorescentes do consultório, percebi: minha doença não era fraqueza, era uma ferida infligida dia após dia, ano após ano, pela "justiça" da minha mãe. No exame final do curso avançado de Design de Moda, obtive a nota máxima, enquanto Clara foi reprovada, e Helena me encarou sem rodeios. "Como você deixou isso acontecer? Você vai ceder o seu lugar para a Clara." Minha voz embargou ao gritar: "NÃO! Você não entende? Eu estou doente! É por sua causa! Você me destruiu!" Em sua fúria, Helena derramou café quente em minha mão, a dor da queimadura misturada com o choque de sua violência implacável. Clara, em vez de me defender, olhou para minha mão e, com um sorriso presunçoso, disse: "Viu o que você fez? Você sempre deixa a mamãe nervosa." Naquele instante, a última gota de esperança ou amor filial se evaporou. Levantei-me, saí do café e, ignorando dezenas de chamadas de Helena, liguei para meu pai: "Pai... você pode vir me buscar?" Vaguei pela cidade, a dor da queimadura um farol na névoa, até chegar a uma ponte alta, onde a escuridão do rio era sedutora. Uma colega, Beatriz, notou minha dor: "Você não tem que pular dessa ponte, Sofia. Você só tem que atravessá-la. Ir para o outro lado e não olhar para trás." Seu conselho, vindo de alguém que entendia minha dor, foi uma âncora, me lembrando do ciclo de abuso que Helena impunha. "Sofia, sua irmã está preocupada. Volte para o dormitório agora. Precisamos resolver isso," recebi uma mensagem da minha mãe, que eu sabia ser uma manipulação. Bloqueei o número dela, e no ônibus, enquanto me afastava, enviei uma última mensagem: "Não me procure mais." Meu pai me abraçou: "Apenas seja feliz, filha. É tudo o que eu sempre quis." Eu era livre.