O cheiro de desinfetante ainda estava em mim quando cheguei para uma visita domiciliar. Recebi uma paciente desesperada, dizendo que sua filha estava mal e ela não podia sair de casa devido a uma gravidez de risco. Mal sabia eu que a casa daquela mulher guardava um segredo que explodiria minha vida em pedaços. Ao entrar, vi fotos de família: uma mulher, uma menina e... ele. Ricardo. Meu marido. Fotos dele sorrindo, abraçando aquela mulher, segurando a menina no colo. Meu coração afundou, sufocado por uma verdade que eu não queria enxergar. E então a menina correu, os mesmos olhos castanhos dele. "Mamãe, o papai chegou!" A voz infantil soou como um trovão. Olhei para a porta dos fundos e lá estava ele, Ricardo, meu marido, vindo do quintal com um saco de carvão, com a barba por fazer, com um ar caseiro que eu nunca via. Ele não estava na Ásia. Ele estava ali. O saco de carvão caiu de suas mãos. Seu rosto empalideceu. "Maria? O que... o que você está fazendo aqui?" A menina apontou para mim: "Papai, é a tia má que você falou?" Eu era a vilã. A dor era física. Ele me viu ali, testemunha de sua farsa. Tudo o que construímos era uma mentira. Percebi que não era apenas um caso, era uma vida paralela, uma família inteira, enquanto eu vivia na cegueira, bancando sua farsa. A raiva me deu força. Não havia mais volta. Eu, que era médica e curava, agora precisava curar a mim mesma, ou destruir o que me destruía. Essa guerra estava apenas começando.