O vestido champanhe se moldava ao corpo dela como uma confissão feita em silêncio. Pele dourada, ombros nus, cabelo solto. Ela parecia uma miragem e era. Porque por trás daquele disfarce angelical havia aço.
O olhar dela me encontrou, fixo, frio e calculado. Mas havia algo mais.
Ela fingia calma, mas eu via por trás da máscara.
Tensão. Raiva. Um medo ainda não assumido.
Ao lado dela, o noivo sorria como um tolo. Como se tivesse vencido. Como se soubesse o jogo. Mas ele nem conhecia o tabuleiro.
Pena.
Não teria tempo para aprender.
Soltei o botão do paletó e desci os degraus, sentindo o peso da arma sob a jaqueta. Cada passo meu era um aviso. Um som que cortava a música da orquestra, ainda tocando como se o mundo não estivesse prestes a ruir.
O noivo estendeu a mão.
Estúpido.
O disparo ecoou como um trovão.
A bala encontrou o coração dele com precisão, sem erros. O corpo caiu com um baque surdo, e o sangue se espalhou pelo mármore branco como tinta sobre um altar de guerra.
E então, o inferno se abriu.
- ELE MATOU O NOIVO!
- MEU DEUS, ALGUÉM FAÇA ALGUMA COISA!
- ABAIXEM-SE!
- CHAMEM OS GUARDAS!
Pratos se espatifaram. Cadeiras viraram. Mulheres gritavam. Algumas tentavam proteger os filhos, outras desmaiavam. Homens sacavam armas, mas hesitavam ao me ver. Ninguém queria ser o segundo.
A orquestra parou abruptamente. O maestro abandonou a batuta.
Pânico e caos ao redor e no meio de tudo, ela.
Angelina.
Ela estava imóvel, como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés. O sangue do noivo escorrendo até tocar a barra do vestido. E, mesmo assim, ela se manteve em pé.
Mas estava tremendo.
As mãos dela estavam cerradas ao lado do corpo. O peito arfava sob o tecido justo. Os olhos estavam arregalados. Mas havia algo contido ali, feroz e silencioso. Orgulho ferido. Raiva crua. E um medo novo que ela não sabia como esconder, afinal ela me conhecia era minha inimiga, eu era um Romano e ela uma Rossi.
Me aproximei ainda mais e a multidão se abriu, como se minha simples presença empurrasse o ar. Ninguém ousava me impedir.
Ela me encarou.
- Seu noivo está morto. - murmurei, a voz baixa, firme. - E agora, você é minha.
Os olhos dela se arregalaram por um instante. A mandíbula se tensionou. Vi o momento exato em que ela reprimiu o impulso de me atacar.
- Você é um monstro. - a voz dela saiu falha, mas ainda assim cheia de veneno. -Vá para o inferno.
- Já estive lá. - retruquei com um meio sorriso. - E voltei por você.
Ela deu um passo para trás, esbarrando em uma mulher que corria. As costas encostaram contra a parede, mas ela se manteve firme.
- Isso não te faz forte. - cuspiu. - Te faz doente. Um animal.
- Isso me faz necessário. - respondi. - E quanto ao noivo ele era só um peão e morreu como tal.
Ela oscilava entre a fúria e a incredulidade. O queixo trêmulo, os olhos marejados, mas sem chorar. Angelina não era o tipo de mulher que se curvava, mas logo ela mudaria.
- Vai me arrastar agora? - disse com desdém. - Vai me exibir como troféu, como se isso provasse algo?
- Não. Ainda não. - aproximei meu rosto do dela. - Mas vai lembrar desse momento. Porque é aqui que sua liberdade morre. E o que nasce é a minha esposa.
Ela ergueu a mão, tomada pela raiva, pronta para me acertar. Mas não chegou a me tocar. Em um segundo, seu pulso já estava preso na minha mão. O golpe morreu no ar.
- Você não me conhece. - sussurrou. - E nunca vai me dominar.
- Estou curioso para ver até onde sua resistência vai. E o que sobra depois dela. - Soltei seu pulso, vendo o tremor de seu corpo.
Um som de bengala ecoou pelo salão silencioso.
Mario Rossi.
O velho vinha mancando, pálido, olhos injetados de desespero.
- Isso é guerra, Romano?! - a voz dele cortou o ar, tensa. - Você enlouqueceu?!
Me aproximei devagar. Peguei o envelope no bolso interno do paletó, contendo o que precisava e deixei cair aos pés dele, como um aviso escrito em sangue.
- É o fim dela. Todos aqui sabem que para cessar uma Faida é necessário sangue. O último a cair foi um Romano. Pelas mãos de um Rossi. Reivindico sua filha, Angelina Rossi, para cessarmos a guerra.
O salão ficou mudo.
- Angelina Rossi no altar em sete dias. - completei, olhando nos olhos do velho. - Ou o próximo a cair será você.
Mario empalideceu como se o chão lhe faltasse. Atrás dele, capos recuaram instintivamente. Sabiam que eu não estava sozinho. Que o meu ato não era impulso, era estratégia.
Ele assentiu, lentamente. Os ombros curvados. A boca contraída em derrota.
Virei-me lentamente, ignorando os murmúrios abafados e os olhares incrédulos que ainda queimavam nas minhas costas.
Angelina continuava onde eu a deixei. A postura ereta, o vestido respingado de sangue, o queixo teimosamente erguido como se isso pudesse protegê-la. Mas não havia proteção possível agora.
A respiração dela estava rápida. O rosto, pálido sob o rubor forçado. As mãos ainda cerradas, mas trêmulas e não mais por raiva apenas, e sim por saber que acabara de se tornar peça de um jogo cujas regras não havia escolhido.
E mesmo assim, ela me olhava. Não com submissão. Não com desespero. Com algo que queimava mais fundo: desafio.
Desafio e algo que não deveria estar ali, sentia a sua curiosidade.
Ela queria entender o que viria depois. Queria saber se eu era só brutalidade e minhas reais intenções em fazer dela minha esposa. Queria descobrir até onde eu estava disposto a ir.
E a resposta estava escrita nos meus olhos quando parei diante dela:
- Eu irei até o fim, bambina.
Dei um passo à frente, obrigando-a a inclinar levemente o rosto para cima.
- Mesmo que o fim... seja você.
Angelina estava com o rosto banhado de lágrimas silenciosas, e mesmo assim, havia nela uma beleza inquebrável, feita de raiva, dor e uma dignidade que sangrava por dentro. Quando ela ergueu o braço, a mão aberta no impulso desesperado de me atingir novamente, eu a segurei no ar com firmeza. Meus dedos fecharam ao redor de seu pulso com a mesma precisão de antes, arrancando-lhe um gemido rouco. Puxei ela com força, colando nossos corpos, fazendo seu vestido ranger entre nós como se protestasse pelo que se tornava inevitável.
Seu rosto ficou a poucos centímetros do meu. A respiração vinha entrecortada, instável. O olhar que ela lançou sobre mim era assassino, carregado de um ódio feroz, mas ainda assim belo. Para todos ali, ela ainda era a rainha do gelo, intacta, intocável, inquebrável. Mas para mim, ela não passava de uma peça no tabuleiro, uma refém das minhas decisões, da minha vingança, da minha vontade.
- Não ouse, princesa. Não cometa o mesmo erro. - Murmurei rente à sua pele, a voz baixa, controlada, um sussurro que feria mais do que um grito. - Ou eu vou profanar esse lugar sagrado e te foder ali mesmo, naquele altar, na frente de todos, só para mostrar que você já me pertence.
Ela não respondeu, mas o tremor que percorreu seu corpo confirmou tudo que as palavras tentavam esconder. Estava assustada, envergonhada, humilhada, mas ainda assim se recusava a baixar a cabeça. E isso apenas atiçava o prazer sombrio de tê-la exatamente onde eu queria.
Inclinei-me para ela e, com lentidão depositei um beijo no canto de sua boca, sentindo o gosto amargo de sua resistência misturado às lágrimas que escorriam em silêncio. Deslizei o polegar pela trilha úmida que marcava sua bochecha e levei aquela gota solitária aos meus lábios, saboreando. Então, sem pressa soltei seu pulso e a deixei recuperar o espaço que lhe restava.
Ela cambaleou um passo para trás, respirando com dificuldade, os olhos ainda cravados em mim. Por mais frágil que estivesse, ela resistia. Ardente, furiosa, marcada. Uma mulher despedaçada por dentro, mas ainda de pé diante do inimigo.
Virei-me sem olhar para trás, atravessando o salão que ainda ecoava em gritos e passos apressados, deixando o caos atrás de mim como uma trilha de pólvora acesa. Os convidados se afastavam, os capos cochichavam entre si com expressões tomadas pelo pavor e pela incredulidade. E ela continuava ali, imóvel no centro da cena, vestida de sangue e silêncio, assistindo enquanto eu me retirava.
Era hora de partir e esperar pelas consequências. Porque elas viriam e eu sabia. Mas nenhuma delas seria capaz de mudar o que já estava feito.
A minha vitória, naquela noite, estava selada. E Angelina Rossi, querendo ou não, já era minha.