Naquela tarde em Lisboa, o sol forte não aquecia o frio que me vinha de dentro. O meu telemóvel vibrou com uma mensagem do meu marido, Pedro: "Lia, a avó caiu. Está no hospital. Preciso de ti aqui." A "avó", a mãe da minha sogra, era a matriarca da família Almeida, uma mulher que me desprezava abertamente desde o meu casamento. Cheguei ao hospital para ser imediatamente confrontada por olhares frios e acusações de atraso, apesar de Pedro não ter sequer me dito onde estavam. A cirurgia da Dona Amélia foi um sucesso, mas a recuperação, dolorosa e longa, exigiria cuidados constantes. Foi então que a bomba rebentou. "Tu não trabalhas. É teu dever," declarou a minha sogra, Helena, virando-se para mim com um olhar calculista. A ordem era clara: eu, a única com "tempo", deveria ser a cuidadora a tempo inteiro. Pedro, em vez de me defender, cortou-me a palavra com desdém, chamando os meus projetos de escrita de "hobbies" e insistindo que eu era a única opção. Senti-me apanhada numa teia de imposições e desprezo, onde a minha vida e dignidade eram completamente secundárias ao "dever familiar". Mudei-me para a casa da minha sogra, sendo tratada como uma empregada, criticada a cada passo, com Pedro a ignorar o meu sofrimento. Será que eu era apenas uma "criada", como Pedro me chamava quando a minha frustração transbordou? Depois de dois meses de inferno pessoal, e daquele insulto final, uma decisão amadureceu na escuridão da noite: chega. Peguei na minha mala e saí no meio da noite, ligando para a única pessoa que se atreveu a mostrar-me alguma empatia. Este foi o ponto de viragem. Agora, a guerra pelo divórcio começaria, e eu estava pronta para lutar pela minha liberdade.