- Não é apenas compreensão, Hana. - Ele deslizou os dedos pelo painel sensorial, ajustando os algoritmos. - Estamos ensinando algo que nem a humanidade aprendeu direito: a capacidade de sentir sem se destruir por isso.
Ela riu, doce, encantada e ao mesmo tempo temerosa.
- É poético... e perigoso.
Por um momento, houve silêncio. Somente o zumbido dos dados, o pulsar do código, como se o próprio universo sussurrasse algo entre os fios invisíveis daquela rede.
Então, a porta deslizou com um som agudo, frio.
Um cheiro entrou antes dele. Uma presença. Um cheiro que não vinha de perfumes ou da pele - era algo ancestral, um cheiro que só quem carrega vida no ventre ou quem sente a morte muito de perto reconhece.
Takeshi.
O irmão de Akira cruzou a soleira com a elegância de quem disfarça o veneno num sorriso. Terno alinhado, cabelo penteado para trás, olhos escuros, fundos... e vazios.
- Impressionante... - Sua voz parecia um fio de navalha mergulhado em mel. - Então é verdade. Vocês estão realmente criando... isso.
Ele caminhou até a cápsula onde o núcleo do Projeto 15 pulsava. Observou como quem avalia uma joia rara - ou uma arma.
- Não é "isso", Takeshi. É um projeto capaz de transformar o mundo. - A voz de Akira manteve-se firme, polida, mas sem cordialidade. - Uma inteligência que simula empatia, consciência e emoção.
Takeshi entreabriu os lábios num sorriso torto.
- É... e também pode se transformar na arma mais letal que o mundo já viu. - Seus olhos cruzaram os de Hana, que involuntariamente apertou os braços contra o corpo. - Quantos governos... quantas empresas... quantos impérios pagariam trilhões por algo assim, irmão?
- Esse nunca foi o propósito. - A frieza no tom de Akira contrastava com a serenidade de seus olhos. - Nunca será.
Por segundos, o silêncio se instalou. Pesado. Cortante.
Takeshi então ajeitou o paletó, lançou um último olhar à cápsula e voltou-se para a porta.
- Cuidado, irmão. Às vezes... os homens que tentam brincar de deuses acabam se tornando os próprios demônios.
E se foi.
O som da porta deslizando ecoou mais alto do que deveria. Hana permaneceu imóvel. Seus olhos estavam vidrados, não na cápsula, não nas telas, mas no vazio deixado pela presença dele.
Ela respirou fundo, mas o ar parecia mais denso.
- Ele tem... tem cheiro de morte... - sussurrou, como se confessasse a si mesma. - Sempre teve. Desde crianças. Mas hoje... hoje estava mais forte. Ele carrega algo nas sombras dele, Akira. Algo que cresce... que se alimenta...
O marido se aproximou, segurou suavemente seu queixo, obrigando-a a olhar nos olhos dele.
- Hana... - Sua voz era calma, grave, firme. - Você já ouviu falar da lenda do Tennyo, não ouviu?
Ela piscou, surpresa.
- As donzelas celestiais... - respondeu, num sussurro.
Akira sorriu, tocando-lhe os cabelos, ele sabia que no fundo a esposa sempre esteve certa sobre o irmão.
- Dizem que as mulheres que carregam a alma de um Tennyo conseguem sentir o cheiro da morte antes que ela toque os vivos. - Seus polegares roçaram o rosto dela com ternura. - Você é assim... feita de carne, mente e luz. Você vê além, Hana. Sempre viu.
Ela mordeu o lábio, tentando sorrir, mas não conseguiu afastar o aperto no peito.
- Promete que ele nunca... nunca vai pôr as mãos nisso?
Akira segurou suas mãos, cruzando os dedos com os dela.
- Prometo. E se um dia eu não estiver aqui para proteger... isso... então ela estará.
Hana apertou as mãos dele com força. Ambos olharam para a cápsula, onde as linhas de código do Projeto 15 se reorganizavam em padrões que, aos olhos de qualquer outro, seriam simples dados.
Mas para eles... ali, naquele exato instante, algo mais estava nascendo.
Não era apenas um código.
Não era apenas um projeto.
Era o legado deles...
E, lá fora, nas sombras, Takeshi sorria. Porque ele sabia... sabia exatamente o que aquilo poderia se tornar.