O Rei era um homem muito forte e orgulhoso, impiedoso, e se casou com uma mulher de caráter impecável e muito amorosa. Com ela, teve dois filhos: Leopoldo e Elisabeth, duas crianças belíssimas, mas muito diferentes.
O menino mais velho, com cabelos loiros e olhos azuis como os da mãe, era um garoto ativo e cheio de energia. Encantava a todos com sua gentileza e simpatia.
A filha, com longos e volumosos cabelos pretos como o do pai, possuía uma única cor arroxeada nos olhos – coisa que ninguém no reino nunca tinha ouvido falar -, e era uma menina quieta. Odiava encontrar com outras pessoas, e se mantinha quase sempre sozinha.
No entanto, os irmãos se davam muito bem. Leopoldo costumava defender Elisabeth de qualquer coisa que necessitasse, fosse de alguma outra criança ou dos pais, e era o único com quem ela aceitava brincar.
Mesmo assim, o garoto gostava do mundo e vez ou outra deixava a irmã para poder viver da forma que mais gostava. Nessas ocasiões, a menina passava todo o tempo sozinha, recusando qualquer aproximação de outra criança.
Com o tempo passando, uma fila de princesas esperava ser escolhida por Leopoldo. Ele havia se tornado um ótimo partido, e o reino era um lugar maravilhoso onde seria ótimo viver. Elisabeth também tinha seus pretendentes, que mal conseguiam alguma conversa. Nenhum deles parecia interessante o suficiente para que ela se abrisse um pouco.
O Rei trouxe uma quantidade imensa de possíveis futuras esposas para Leopoldo conhecer. Foram tempos de bailes belíssimos, cheios de música, comida e dança. Até mesmo Elisabeth começou a se encantar e a participar um pouco mais.
Dizem que foi o tempo que a princesa mais sorriu, encantada com a decoração de luzes e flores, e que dançou como qualquer outra convidada no salão – surpreendendo aos pais e convidados.
Leopoldo, feliz com toda a atenção recebida das jovens vindas de todos os cantos e com a animação da irmã, resolveu enrolar o quanto fosse possível para que os bailes continuassem acontecendo.
A Rainha, feliz com a alegria dos filhos, não se incomodava com o grande número de pessoas que entravam e saiam do castelo, nem com as festas que pareciam sem fim. Mas o Rei, com o tempo, começou a ficar sem paciência.
Ele queria que Leopoldo escolhesse de uma vez por todas quem seria sua esposa, e começou a colocar pressão vinte e quatro horas por dia, o que gerou inúmeras brigas entre os dois – onde a Rainha precisava interceder para que não saíssem de controle.
Com isso, ninguém prestava atenção em Elisabeth.
A jovem, aliviada, passou a andar pelo castelo sem supervisão alguma. E foi num desses passeios que ela conheceu um jovem rapaz que fez seu coração palpitar. Tudo seria maravilhoso, seus pais adorariam casá-la junto com o irmão, mas o tal homem não era um príncipe e nem nada parecido – apenas um criado de uma das famílias de uma pretendente de Leopoldo.
Os dois tinham encontros furtivos pela propriedade e tudo não demorou para evoluir da pior forma possível. Quando Elisabeth percebeu que carregava um herdeiro ilegítimo, correu até a mãe, mas esta, apesar de condoer-se com a situação, não pode esconder o que tinha acontecido do Rei.
O homem ficou irado, quebrou metade do quarto de Elisabeth enquanto gritava, e ordenou que ela fosse banida do castelo. Com a paciência no limite, ao mesmo tempo, escolheu quem seria a esposa de Leopoldo e finalizou toda a temporada de bailes.
Elisabeth foi levada até o outro lado do rio que cortava as terras da família. Ela chorava e pedia para não ser deixada pela família, mas o Rei estava irredutível, e arrastou a Rainha e Leopoldo para que começassem a organização do casamento.
O príncipe se casou apenas dois dias depois com uma jovem miúda e assustada chamada Louisa. Dizem que ele estava de coração partido pela irmã e nem parecia o mesmo, completamente desinteressado por qualquer comemoração.
A Rainha, arrasada e arrependida de ter revelado o segredo da filha caçula, morreu pouco tempo depois, deixando o Rei e Leopoldo completamente arrasados.
O reino não era mais o mesmo. Todos pareciam calados demais, mesmo fora do castelo, e a tristeza era quase algo sólido circulando pelo ar.
Todas as versões do que aconteceu, param por aí. Ninguém fala sobre o que aconteceu com a família real, nem como cresceram seus possíveis descendentes – principalmente o filho bastardo de Elisabeth. Tudo que se sabe é que a região onde antes havia o castelo, se tornou o bairro mais prospero da cidade – o bairro do Sol Nascente – e a região depois do lago, para onde Elisabeth foi banida, a região mais afastada e esquecida da cidade – o bairro das Sombras.
Eu nasci no bairro das Sombras.