A praia estava deserta, como na maior parte do tempo. Às vezes alguns pacientes pediam para passear por lá, mas não era o caso naquele horário da manhã. Se fosse acontecer seria mais no final da tarde, para o espetáculo do pôr-do-sol ser um bônus a mais.
Minha mãe estava dormindo em sua cama, o peito subindo e descendo suavemente. Já fazia um tempo que não queria sair do quarto, o que me fazia pensar se nosso tempo já estava se esgotando.
Claro que eu sabia que ir até aquele lugar significava não ter mais muito tempo pela frente, e eu era tão contra simplesmente desistir de tudo e apenas ver acontecer bem diante dos olhos sem fazer absolutamente nada para impedir.
Éramos instruídos a não falar sobre doença, nem entre os familiares e muito menos com outras pessoas. O que importava naquele lugar era chegar ao fim com dignidade, com todos os últimos desejos realizados.
Já tínhamos tido uma festa de aniversário para um senhor que estava completando noventa e cinco anos. Houveram balões, brigadeiros e chapeuzinhos em formato de cone para todos. Além de um bolo imenso, todo decorado em tons de verde.
Teve uma senhora que pediu para ver filmes antigos, todos vetados por sua mãe no passado – uma senhora rigorosamente religiosa -, e nos sentamos na área comum por três dias seguidos.
Outra mulher, que tivera uma vida terrível com um marido violento, pediu apenas um abraço de todos antes de se isolar em seu quarto. De lá, só saiu quando a hora chegou.
Minha mãe tinha participado de tudo isso, firme e forte, e logo seria a sua hora de ter um desejo final. Não me orgulho de dizer que eu não sabia o que ela poderia querer.
Nós duas não tínhamos uma história muito bonita, mas isso não vem ao caso agora. Quando vemos que a razão de nossa existência está se preparando para partir, tudo que queremos é impedi-la de interromper os tratamentos para ir viver em uma casa à beira mar que quer ajudá-la a partir.
Nada que eu disse pode mudar a cabeça teimosa de minha mãe, então larguei minha vida para dormir ao seu lado todas as noites e acordar angustiada para saber se ainda estava respirando.
Eu chamava aquele lugar de "Casa da Morte", mas depois de algum tempo vivendo com o pessoal que trabalhava com tanto cuidado, mesmo não gostando da ideia, entendi porque havia a inscrição "Casa da Vida" acima da porta de entrada.
Vi pessoas viverem dez dias muito mais bem vividos do que durante os últimos noventa. Vi abraços sinceros. Vi estranhos acolhendo uns aos outros muito melhor do que familiares.
A existência de lugares daquele tipo ainda era controversa, eu mesma ainda não podia dizer que concordava, mas talvez houvesse sentido. Talvez algumas pessoas com vidas difíceis, ou solitárias, ou tristes demais precisassem de acolhimento e respeito no fim.
Mas por que a minha mãe, com uma boa vida, precisava daquele lugar?
Por que uma mulher, viúva de um dos homens mais ricos daquele tempo, com uma mansão cheia de empregados dispostos a fazerem todas as suas vontades com sorrisos nos rostos, precisava ir viver em uma simples casa na praia?
Eu fiz todas essas perguntas, mas tudo que ouvi foi: Helena, eu estou indo independente do que você pensa.
Fiz as malas e a segui, emburrada.
Minha mãe, até então uma senhora refinada, se adaptou tão bem naquela simplicidade que me peguei pensando que havia muitas coisas que eu não devia saber sobre ela. Aquela mulher, que eu conhecia há tantos anos, era um mistério completo para mim.
Quem era minha mãe, afinal?