Seu coração martelava contra as costelas, um pássaro frenético preso em uma gaiola.
Tum. Tum. Tum.
Era o ritmo da sobrevivência.
Ela pressionou as palmas das mãos contra o rosto. Sua pele parecia quente, viva. Ela não estava mais na cama do hospital. Ela não estava ouvindo o som contínuo do monitor cardíaco enquanto Escudo dava uma coletiva de imprensa sobre seu "luto" no saguão.
Alvor baixou as mãos e olhou ao redor.
O quarto era agressivamente moderno. Detalhes cromados, móveis de couro preto, janelas do chão ao teto com vista para a imensidão cinzenta do horizonte de Manhattan.
Era uma gaiola disfarçada de cobertura.
Ela virou a cabeça para o relógio digital na mesa de cabeceira.
7:00 DA MANHÃ. 14 de outubro.
A data a atingiu como um golpe físico.
14 de outubro. O dia em que Escudo estava programado para tocar o sino de abertura na Bolsa de Valores de Nova York. O dia em que as Indústrias Escudo anunciariam seu "revolucionário" novo algoritmo.
O algoritmo que ela havia escrito em um laptop rachado na lavanderia enquanto Escudo estava fora fazendo networking.
Mas, mais importante, hoje era o dia em que ele a descartaria.
A pesada porta de carvalho do quarto se abriu com uma violência que fez o vaso de cristal na cômoda tremer.
Escudo entrou.
Ele já estava vestido em um terno grafite feito sob medida, o cabelo penteado com perfeição. Ele parecia com todas as capas de revista que já havia estampado: bonito, afiado e totalmente vazio.
Ele estava ajustando suas abotoaduras de diamante, a atenção focada inteiramente em seu reflexo no espelho de corpo inteiro do outro lado do quarto.
- Você está acordada - disse ele.
Sua voz era desdenhosa, um comentário descartável. Ele não olhou para ela. Ele nunca olhava realmente para ela. Para ele, ela era apenas uma mobília que ocasionalmente precisava de manutenção.
Ele caminhou até a cama e jogou uma pilha grossa de documentos sobre o edredom. Os papéis aterrissaram com um baque pesado, deslizando contra a perna dela.
- Assine - ordenou Escudo.
Ele finalmente virou o olhar para ela, os olhos frios e impacientes.
- Meus advogados dizem que se protocolarmos isso esta manhã, posso anunciar meu status de solteiro durante as entrevistas pós-mercado. Isso soa melhor para os investidores. A narrativa do "solteiro cobiçado" está em alta.
Alvor olhou para os documentos.
Acordo de Divórcio.
As letras em negrito a encaravam de volta.
Em sua vida passada, esse momento a havia quebrado. Ela havia chorado. Ela havia implorado. Ela havia se agarrado ao braço dele, perguntando o que tinha feito de errado, prometendo ser melhor, ser mais quieta, ser o que quer que ele quisesse.
Ela havia se humilhado porque o amava. Ela havia acreditado na mentira de que não era nada sem ele.
Mas agora?
Alvor estendeu a mão e tocou o papel. Parecia seco e áspero sob a ponta dos dedos. Ela não sentiu o ardor nos olhos. Ela não sentiu o nó na garganta.
Ela se sentiu... leve.
Ela olhou para Escudo.
Pela primeira vez em três anos, ela o viu claramente. Ele não era um titã da indústria. Ele era um homem medíocre em pé sobre um pedestal que ela havia construído para ele, tijolo por tijolo, código por código.
- Você está quieta - notou Escudo, um sorriso de escárnio curvando seus lábios. - Poupe as lágrimas, Alvor. Nós dois sabíamos que isso estava por vir. Você foi um projeto divertido, mas vamos ser honestos. Você é uma garota da sarjeta brincando de boneca em uma cobertura. É constrangedor para nós dois.
Uma garota da sarjeta.
Essa era a arma favorita dele. Ele usava as origens humildes dela para mantê-la pequena, para fazê-la se sentir grata pelas migalhas de sua atenção.
Alvor balançou as pernas para fora da cama. Seus pés tocaram o tapete felpudo.
Ela se levantou.
Sua postura mudou. O desleixo da esposa submissa desapareceu. Ela endireitou a coluna, o queixo se erguendo. Ela caminhou passando por ele em direção à mesa de mogno no canto do quarto.
Ela se moveu com uma graça fluida que não possuía ontem - ou melhor, uma graça que ela havia esquecido que possuía até que a morte a lembrou de quem ela era.
Escudo piscou, momentaneamente desconcertado pelo silêncio dela. Ele havia preparado um discurso sobre como ela não era mais "compatível com a marca". A falta de reação dela estava arruinando o ensaio dele.
- Você me ouviu? - ele retrucou, entrando no caminho dela. - Eu disse assine os papéis. Eu não tenho o dia todo. O carro está lá embaixo.
Alvor não parou. Ela nem mesmo vacilou.
Ela simplesmente desviou dele como se ele fosse um obstáculo menor, uma peça de bagagem deixada em um corredor.
Ela alcançou a mesa e pegou uma caneta-tinteiro pesada. Era uma Montblanc, um presente que ela havia comprado para o primeiro aniversário deles. Ele nunca a usou. Ele dizia que era pesada demais.
Alvor pesou a caneta na mão. Parecia perfeita. Equilibrada. Letal.
Ela olhou para a linha de assinatura.
Escudo. A assinatura dele era irregular, agressiva. Ao lado, a linha em branco para Alvor.
Memórias passaram por trás de seus olhos, rápidas e afiadas.
Noites passadas analisando tendências de mercado enquanto ele dormia.
Os códigos que ela escreveu que salvaram a primeira startup dele da falência.
As estratégias de sombra que ela sussurrou no ouvido dele antes das reuniões, que ele mais tarde reivindicou como suas próprias ideias brilhantes.
Ela havia dado tudo a ele. Sua mente, sua alma, sua dignidade.
Ela destampou a caneta. O som foi um clique seco no quarto silencioso.
- Não vou negociar pensão - disse Escudo, a voz subindo com irritação. - Você recebe o acordo descrito aí. É mais dinheiro do que você já viu na vida. Não seja gananciosa.
Alvor riu.
Foi um som suave, mal um suspiro, mas congelou Escudo no lugar. Não era uma risada amarga. Era a risada de alguém assistindo a uma criança tentar explicar física quântica.
- Eu não quero seu dinheiro, Escudo - disse ela.
Sua voz estava firme, desprovida dos tremores que costumavam atormentá-la quando falava com ele.
Ela se curvou sobre a mesa e pressionou a pena no papel. A tinta fluiu preta e permanente. Ela assinou seu nome.
Alvor.
Não Alvor Escudo. Apenas Alvor.
Ela tampou a caneta e jogou o documento de volta para ele. O papel flutuou pelo ar e bateu no peito dele.
Escudo se atrapalhou para pegá-lo, sua compostura rachando. Ele olhou para a assinatura, esperando uma bagunça, um rabisco de protesto. Mas era elegante, nítida e legalmente vinculativa.
- Você... você simplesmente assinou - ele gaguejou. - Simples assim?
- Simples assim - disse Alvor.
Ela caminhou até o closet. Ela não olhou para as fileiras de vestidos de grife que havia comprado - suas fantasias para a boneca que ele queria que ela fosse.
Ela alcançou a prateleira de cima e puxou uma mala de couro surrada. Era a que ela havia trazido consigo três anos atrás.
- Você vai embora agora? - perguntou Escudo, seguindo-a.
Ele parecia confuso. Ele estava ganhando, estava conseguindo o que queria, mas não parecia uma vitória. Parecia que ele estava perdendo algo que não entendia.
Alvor jogou alguns itens essenciais na mala. Um par de jeans. Um suéter. Seu velho laptop. Aquele com o adesivo de uma fênix na tampa.
- O acordo diz que você tem trinta dias para desocupar - disse Escudo, recuperando sua arrogância. - Mas honestamente, quanto antes você for, melhor. Tenho designers vindo para refazer o espaço na próxima semana.
Alvor fechou o zíper da mala. O som foi como o fecho de um saco para cadáveres.
Ela se virou para encará-lo uma última vez.
- Você acha que é você quem está me expulsando - disse ela suavemente.
Ela caminhou em direção à porta, arrastando a mala atrás de si. As rodinhas zumbiram no chão de madeira.
Escudo bloqueou a porta. Ele era mais alto que ela, mais largo. Ele usava sua presença física para intimidar, para lembrá-la da dinâmica de poder.
- Saia por aquela porta, Alvor, e você não será nada - ele zombou, inclinando-se para baixo. - Você volta para o lixo de onde veio. Ninguém nesta cidade olhará para você duas vezes sem meu nome ligado a você.
Alvor olhou para cima. Seus olhos eram poços escuros e infinitos de calma.
- Você tem razão, Escudo - disse ela. - O estilo de vida que você desfruta... requer um certo nível de gênio para manter.
Ela deu um passo mais perto, invadindo o espaço pessoal dele até que ele foi quem recuou.
- Espero que você tenha tomado notas - ela sussurrou.
Ela passou por ele. O ombro dele colidiu com o dela, mas ela não tropeçou. Ela saiu do quarto, desceu o longo corredor e saiu pela porta da frente da cobertura.
Enquanto as portas do elevador se fechavam, cortando a visão do luxo que ela havia criado, Alvor checou o relógio.
7:15 DA MANHÃ.
O mercado abriria em duas horas e quinze minutos.
Ela fechou os olhos e exalou. O ar no elevador estava viciado, mas para ela, tinha gosto de oxigênio.
- Que comece a contagem regressiva - murmurou ela para a cabine vazia.
Escudo estava prestes a descobrir exatamente quão caro o "grátis" poderia ser.