Mil oitocentos e vinte e cinco dias interpretando o papel da Sra. Juliano Viana. O troféu. A sócia silenciosa. A mulher que sorria em bailes de gala e assentia quando o marido lhe explicava conceitos simples na frente de investidores, apesar de esses conceitos serem baseados em patentes que ela mesma havia escrito sob um pseudônimo.
Ela se levantou. O robe de seda farfalhou.
O movimento foi mecânico.
Caminhou até a cozinha, o chão de mármore gelado contra as solas descalças. A máquina de café expresso sibilou, um som violento no apartamento quieto.
Preparou a mistura de Juliano - setenta por cento Arábica, trinta por cento Robusta, moído especificamente por vinte e dois segundos.
Era um ritual de devoção. Ou, pelo menos, era o que parecia para quem via de fora.
Ela estendeu a mão para a lombada oca de um livro de culinária na prateleira alta. Dentro não havia uma receita de frango assado, mas um telefone descartável com criptografia militar.
Uma única luz de notificação piscava. Azul.
Pressionou o polegar no scanner. A tela desbloqueou.
Havia um e-mail de um remetente anônimo. O assunto era simples: Feliz Aniversário, Sra. Viana.
Evelina não tremeu.
Sua frequência cardíaca, monitorada pelo rastreador biológico disfarçado de relógio Cartier em seu pulso, vibrou suavemente contra a pele - uma notificação que ela habitualmente ignorava. Lia-se constantes sessenta e dois batimentos por minuto.
Ela tocou no anexo.
As fotos carregaram lentamente. Arquivos de alta resolução que não deixavam nada para a imaginação. O cenário era o quarto principal da propriedade nos Hamptons. O registro de data e hora era de ontem à tarde, quando Juliano alegou estar em um evento de caridade de golfe.
Juliano estava lá.
Ele estava deitado de costas, a cabeça jogada para trás em o que parecia ser êxtase.
Montada nele estava uma mulher com cabelos loiros que caíam sobre os ombros como ouro líquido.
Rubia de Alcântara.
Evelina deu zoom.
Olhou para a mão de Juliano, agarrando o quadril de Rubia. Olhou para a boca dele, aberta.
Sentiu uma pressão esmagadora no centro do peito, um peso gelado que nada tinha a ver com amor e tudo a ver com o desperdício de tempo.
Cinco anos escondendo seu brilhantismo para que o ego dele não se ferisse. Cinco anos deixando-o levar o crédito pelo trabalho dela.
Ela saiu do visualizador de fotos e abriu um aplicativo diferente. O ícone era um simples quadrado preto.
Era o portal de recrutamento para "O Protocolo". A oferta estava lá há seis meses. Um projeto fantasma. Uma chance de desaparecer e fazer a ciência que ela nascera para fazer, livre do sobrenome Viana.
O botão na tela dizia INICIAR.
Ela não hesitou.
Não pensou nos votos de casamento ou na maneira como ele costumava olhá-la antes do dinheiro começar a entrar.
Ela pressionou o botão.
Fase Um: Preparação para Extração. Contagem Regressiva: 168 Horas.
O relógio havia começado. Uma semana para desembaraçar a teia, garantir seus ativos e desaparecer no éter.
Ela encaminhou as fotos para um cofre seguro na nuvem, limpou o cache local do telefone e o colocou de volta dentro do livro de receitas exatamente quando o elevador apitou.
Juliano entrou.
Cheirava a Santal 33 e ao ar fresco de outubro. Parecia perfeito, daquela maneira polida e curada que fazia as revistas o amarem. Ajustou as abotoaduras enquanto caminhava em direção a ela, um sorriso estampado no rosto que não chegava aos olhos.
- Feliz aniversário, querida - disse ele.
Ele se inclinou e beijou sua bochecha.
Por baixo da colônia cara, ela sentiu o cheiro. O aroma fraco e enjoativo de baunilha e tuberosa. O perfume de Rubia.
A bile subiu na garganta de Evelina, mas ela engoliu em seco.
- Feliz aniversário, Juliano.
Sua voz estava firme. Era a voz de Evelina, a esposa apoiadora. Não a da Dra. Espindola, a arquiteta de sua destruição.
Ele enfiou a mão no bolso e tirou uma longa caixa de veludo preto. Abriu-a para revelar um colar de diamantes, uma corrente delicada segurando uma pedra que era quase vulgar em seu tamanho.
- É lindo - disse ela, fingindo um suspiro de surpresa.
- Tenho que correr - disse ele, verificando o relógio. - Reunião do conselho hoje à noite. Vai acabar tarde. Não me espere acordada.
Ele se virou, oferecendo as costas para que ela pudesse ajudá-lo com a gravata. Estava torta.
Evelina estendeu a mão.
Pegou o tecido de seda. Deu o laço, puxando o nó com força. Deslizou-o até o colarinho.
Por um segundo, apenas um segundo, ela apertou demais. Sentiu a resistência contra a traqueia dele.
Juliano estremeceu, a mão voando para o pescoço.
#NAME?
Ela alisou a seda, recuando com um sorriso suave e apologético.
- Desculpe. Minhas mãos estão um pouco trêmulas. Cafeína demais.
Ele olhou para ela, a irritação piscando em seus olhos antes de mascará-la com aquele charme ensaiado.
- Tenha cuidado.
Ele pegou sua pasta e foi para o elevador. As portas se fecharam, cortando a imagem dele como uma lâmina de guilhotina.
Evelina ficou no centro da cozinha.
O sorriso caiu de seu rosto instantaneamente, deixando para trás uma máscara de fúria fria e dura.
Ela pegou o colar de diamantes do balcão. Ele brilhava na luz da manhã, um símbolo da culpa dele, um suborno para sua cegueira contínua.
Caminhou até o liquidificador de alta potência que usava para seus sucos verdes.
Jogou o colar lá dentro. O diamante atingiu as lâminas com um tilintar surdo.
Ela não ligou. Ainda não. O barulho alertaria os funcionários.
Apenas o deixou lá. Uma promessa.
Caminhou até a janela e olhou para o horizonte de Nova York. A contagem regressiva em sua mente tiquetaqueava.
Cento e sessenta e sete horas restantes.