Enquanto eu sangrava no chão, olhei para o homem por quem um dia sacrifiquei tudo e fiz uma promessa.
"Você vai se arrepender disso pelo resto da sua vida."
Eu me divorciei e desapareci.
Um ano e meio depois, ele me encontrou, um homem destruído implorando por perdão.
Eu o olhei nos olhos e dei minha resposta final.
"Não há segundas chances para um assassinato."
Capítulo 1
Ponto de Vista: Helena
Eu queria ter morrido no lugar dela. Desejei isso no momento em que Ricardo me disse que o coração tinha sumido, arrancado para outra pessoa, deixando Júlia para murchar. Minha respiração ficou presa na garganta, um som áspero e desesperado que mal reconheci como meu. Tropecei para frente, minha prótese arrastando um pouco, o chão frio e estéril do hospital uma zombaria cruel da minha esperança estilhaçada.
"Ricardo, por favor," engasguei, minha voz rouca, já em frangalhos por horas de choro e súplicas. Minhas mãos, tremendo incontrolavelmente, alcançaram o paletó de seu terno da Ricardo Almeida. "Você tem que pegá-lo de volta. Você me prometeu. Você prometeu à Júlia."
Ele olhou para mim, seus olhos, geralmente tão afiados e calculistas, agora nublados por uma dureza desconhecida. Ele se afastou, seu movimento sutil, mas firme, cortando a última conexão física entre nós. O ar ao seu redor parecia mais frio que a noite de janeiro lá fora.
"Helena, já passamos por isso," ele disse, seu tom gélido, desprovido de qualquer emoção genuína. Era o mesmo tom que ele usava ao descartar uma aquisição fracassada. "Está feito. O coração não está mais disponível. Não há mais nada a fazer."
Minha cabeça pendeu para trás como se ele tivesse me esbofeteado. "Nada mais a fazer?" Minha voz subiu, rachando de incredulidade. "Aquele coração era para a Júlia! O último presente da minha mãe! Ela arranjou tudo antes de morrer, Ricardo! Era uma combinação perfeita!"
Ele suspirou, um longo e impaciente suspiro que fez meu sangue gelar. "Helena, controle-se. Esse drama todo é deselegante." Ele olhou ao redor do corredor deserto do hospital, como se temesse que alguém pudesse testemunhar meu colapso. "Foi uma doação direcionada para um paciente em estado crítico. Essas coisas acontecem."
"Essas coisas acontecem?" repeti, as palavras um gosto amargo na minha boca. Minha mãe, minha mãe altruísta e amorosa, passou seus últimos dias garantindo que Júlia vivesse. Ela encontrou um doador, garantiu a compatibilidade, orquestrou tudo, mesmo de seu leito de morte. Este coração não era apenas uma maravilha médica; era um testamento do amor moribundo de uma mãe.
"Não era apenas 'um coração', Ricardo!" gritei, minha voz ecoando pelas paredes silenciosas. "Era o último desejo da mamãe! O legado dela! Ela fez isso pela Júlia, por nós!"
Passei por ele, meu coração martelando contra minhas costelas, uma batida desesperada de desgraça iminente. Eu tinha que chegar ao administrador do hospital, aos médicos, a qualquer um que quisesse ouvir. Isso não podia estar acontecendo. Isso não podia ser o fim. Mas Ricardo agarrou meu braço, seu aperto como ferro.
"Onde você pensa que vai?" ele exigiu, sua voz baixa e ameaçadora.
"Consertar isso!" rosnei, tentando arrancar meu braço. "Vou fazê-los devolver! A Júlia precisa dele, Ricardo! Ela está morrendo!"
Ele simplesmente apertou mais, seus olhos cravados nos meus. "Não há nada para consertar. O coração está sendo preparado para o receptor neste exato momento. Qualquer interferência adicional só causará problemas para você. E para mim."
Suas palavras foram um golpe físico, pior que qualquer soco. Meu corpo cedeu, a luta se esvaindo de meus membros. Eu o encarei, encarei de verdade, como se o visse pela primeira vez. O homem que eu amei, o homem com quem me casei, o homem por quem sacrifiquei minha perna, minha carreira, meu futuro inteiro. Ele estava ali, impassível, um estranho.
"Você realmente não se importa, não é?" sussurrei, minha voz quase inaudível. "Você não se importa que a Júlia esteja morrendo. Você não se importa que o último desejo da minha mãe esteja sendo profanado. Você nunca se importou conosco, não é?"
Um lampejo de algo - irritação? culpa? - cruzou seu rosto, rapidamente substituído por sua máscara usual de desdém. "Não seja ridícula, Helena. Eu me importo com você. Mas essa... essa obsessão com sua irmã não é saudável. E, francamente, você está ficando histérica."
Histérica. Essa palavra, tantas vezes usada para descartar as emoções válidas de uma mulher, parecia um ferro em brasa. Lembrou-me de inúmeras outras vezes em que ele menosprezou meus sentimentos, distorcendo minha realidade até que eu questionasse minha própria sanidade. Gaslighting, eles chamavam. Eu chamava de uma morte lenta e agonizante do meu espírito.
"Não é saudável?" Eu ri, um som quebrado e sem humor. "Minha irmãzinha está deitada naquele quarto, se apagando, e você chama minha preocupação de não saudável? Que tipo de monstro você é?"
Antes que ele pudesse responder, uma voz familiar e melosa ronronou atrás dele. "Está tudo bem, querido? Você sabe como fico estressada quando as coisas não estão correndo bem."
Bruna. Claro.
Ela emergiu das sombras, seu cabelo loiro perfeitamente penteado brilhando sob as luzes do hospital, seu vestido de grife impecável. Ela se movia com uma graça sem esforço que zombava do meu próprio corpo quebrado. Ela passou o braço pelo de Ricardo, seu olhar varrendo-me com uma pena desdenhosa que fez meu estômago revirar.
"Helena," ela disse, seu sorriso não alcançando seus olhos. "Você parece... mal. Você deveria ir para casa e descansar. Nós cuidaremos de tudo aqui."
"Vocês cuidarão de tudo?" cuspi, meu olhar alternando entre ela e Ricardo. "O que exatamente vocês estão cuidando, Bruna? Estão arranjando o roubo de mais corações para sua 'prima doente'?"
O aperto de Ricardo em meu braço se intensificou dolorosamente, mas Bruna apenas riu, um som leve e tilintante. "Helena, querida, não seja tão dramática. É uma simples e infeliz confusão. Essas coisas acontecem em procedimentos médicos apressados."
"Confusão?" Eu arranquei meu braço, o movimento súbito causando uma dor aguda e lancinante no meu lado. Ignorei. "Você chama de confusão quando manipula meu marido para desviar um coração destinado à minha irmã moribunda? Você chama isso de confusão?"
Os olhos de Ricardo brilharam. "Helena, já chega! Você passou dos limites!" Ele deu um passo em minha direção, a mão levantada.
Eu recuei, não por medo, mas pela pura e ardente fúria que me consumia. O homem que eu amava estava prestes a me bater, para protegê-la. A percepção me atingiu como um maremoto. Todo o sacrifício, toda a devoção, todo o gaslighting. Tinha acabado.
"Você quer me bater, Ricardo?" desafiei, minha voz tremendo. "Vá em frente! Faça! Porque nada que você faça poderia me machucar mais do que o que você já fez!"
Ele congelou, a mão pairando no ar. Bruna, sempre a atriz, encostou-se em seu ombro, um soluço suave escapando de seus lábios. "Ricardo, não. Ela está claramente louca. Não deixe que ela o provoque. Pense na sua imagem."
Sua imagem. Era tudo o que importava para ele.
"Sabe de uma coisa?" eu disse, minha voz perigosamente calma agora. "Eu cansei. Cansei de você, Ricardo. Cansei deste casamento. Eu quero o divórcio."
As palavras pairaram no ar, pesadas e finais. Os olhos de Ricardo se arregalaram, um lampejo de choque genuíno finalmente quebrando sua fachada arrogante.
"Divórcio?" ele zombou, mas havia um tremor em sua voz. "Não seja absurda. Você está apenas chateada. Vá para casa, Helena. Durma um pouco."
"Não," afirmei, minha determinação se solidificando a cada batida dolorosa do meu coração. "Isso não é algo que vou 'superar com o sono'. Acabou. Você a escolheu. Você escolheu uma estranha em vez da Júlia. Em vez de mim. E eu não posso viver com isso."
Ele me encarou, depois soltou uma risada curta e sem humor. "Você acha que pode simplesmente ir embora? Depois de tudo? Depois do que eu fiz por você?" Ele gesticulou vagamente para minha prótese. "Quem você acha que pagou por isso? Quem ficou ao seu lado quando sua carreira de dança acabou?"
Suas palavras, destinadas a ferir, apenas alimentaram o fogo gelado em minhas veias. "Você ficou ao meu lado por culpa, Ricardo! Não por amor! E eu salvei sua vida! Perdi minha perna salvando sua vida! Não se atreva a agir como se eu lhe devesse alguma coisa!"
De repente, uma onda de tontura me atingiu, a dor aguda no meu lado se intensificou, uma dor visceral se espalhando pelo meu abdômen. Eu balancei, agarrando meu estômago.
Bruna, aproveitando o momento, deu um passo à frente, sua voz pingando falsa preocupação. "Helena, por favor. Você está fazendo uma cena. Você só está piorando as coisas para si mesma agora. Você precisa se acalmar." Seus olhos, no entanto, continham um brilho triunfante. "Você não entende? O coração já está em cirurgia. A vida da minha amiga depende disso. Você não gostaria de ser responsável por outra morte, gostaria?"
Suas palavras, ditas com tanta casualidade, foram uma faca se retorcendo em minhas entranhas. Outra morte? Ela via a morte potencial de Júlia como um mero inconveniente, um dano colateral em seus joguinhos mesquinhos.
Ricardo, seu rosto ainda pálido com minha declaração de divórcio, finalmente saiu de seu torpor. "Helena, eu já te disse, o coração se foi. Já está sendo usado. Você precisa ir embora." Ele deu um passo em minha direção, seu olhar endurecido novamente. "Agora."
Minha visão embaçou. A dor no meu abdômen pulsava, um ritmo nauseante. Eu tropecei para trás, minha prótese prendendo na beirada de um tapete. Caí, com força, o impacto sacudindo todo o meu corpo.
"Júlia," ofeguei, o nome uma oração desesperada. "Júlia... por favor, Ricardo..."
Ele não se moveu. Ele ficou ali, formidável e inflexível, Bruna agarrada ao seu braço, um olhar presunçoso no rosto. A imagem deles, unidos em sua crueldade, gravou-se em minha consciência.
"Vamos, querido," Bruna ronronou, puxando Ricardo em direção aos elevadores. "Os médicos precisam se concentrar. Isso realmente não está ajudando ninguém."
Enquanto se viravam para sair, Bruna olhou para trás, um sorriso malicioso brincando em seus lábios. Seus olhos continham uma mensagem arrepiante: Você perdeu. Ele é meu.
"Não!" gritei, um som gutural arrancado da minha alma. Eu me arrastei para cima, ignorando a dor latejante, ignorando a forma como minha prótese protestava a cada movimento. "Ricardo! Júlia! Por favor! Não façam isso!"
Eu me lancei para frente, tentando agarrá-lo, mas minha perna cedeu. Caí novamente, minhas mãos raspando no chão frio e duro. Meus apelos desesperados se dissolveram em soluços quebrados. Eu assisti, impotente, enquanto as portas do elevador se fechavam, levando Ricardo e Bruna, selando o destino de Júlia. Fui deixada sozinha, sangrando, quebrada e totalmente consumida pelo desespero.
Minhas mãos se fecharam em punhos, batendo no chão inflexível. "Não! Não! NÃO!" A palavra rasgou através de mim, um grito primal de fúria e dor. Júlia. Minha doce Júlia. Eles a tiraram de mim.
Lutei para me levantar, meu corpo pesado, cada músculo gritando em protesto. Minha prótese parecia um peso morto. Tentei ajustar as tiras, tentando prendê-la, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Cada movimento era uma agonia, mas eu continuei. Eu tinha que chegar até a Júlia. Eu tinha que ir.
Assim que consegui me levantar, balançando precariamente, outra figura emergiu do mesmo elevador que Ricardo acabara de pegar. Era Bruna, sozinha desta vez. Ela caminhou em minha direção, seus saltos altos clicando suavemente no chão polido, um sorriso cruel gravado em seu rosto.
"Ainda aqui?" ela zombou, sua voz doce, mas cheia de veneno. "Pensei que você teria o bom senso de correr para casa e lamber suas feridas."
Eu a encarei, meus olhos ardendo com um ódio tão intenso que surpreendeu até a mim mesma. "Sua demônia. Sua demônia absoluta. Devolva aquele coração, Bruna. Estou te implorando. O que você quer? Dinheiro? Poder? Eu te dou qualquer coisa! Apenas me devolva o coração da Júlia!"
Ela riu, um som áspero e desagradável. "Ah, Helena. Você é tão ingênua. Você realmente acha que eu deixaria você ficar com ele? Depois de tudo isso?" Ela se inclinou, seu hálito quente em minha orelha, sua voz baixando para um sussurro. "Sabe, o engraçado é que o coração não era para minha prima. Foi um acordo de negócios. Um jogo de poder. Ricardo me devia um favor. E ele pagou."
O mundo girou. Meu sangue gelou, depois ferveu com uma fúria tão potente que ameaçou me consumir. Um acordo de negócios? A vida de Júlia, o último desejo de minha mãe, reduzido a uma transação?
"Você mente!" rugi, minha mão voando, conectando-se com sua bochecha com um baque doentio. A força do meu golpe a mandou para o chão, sua fachada cuidadosamente construída se estilhaçando.
Ela soltou um grito teatral, agarrando o rosto. "Sua vadia! Você realmente me bateu!"