Meus pais correram para protegê-la, não a mim. "Você precisa entender o quadro geral", disse meu pai. "Fizemos o que era necessário para a Famiglia."
Mas a traição final veio depois que Sienna me empurrou de uma ponte e precisou de uma transfusão de sangue. Meus próprios pais assinaram o termo de consentimento para usar meu sangue, e meu noivo deu a ordem. "Salvem-na", ele rosnou.
A enfermeira me disse que eles receberam ordens para "descartar a bolsa de sangue após o uso". Como se eu fosse lixo.
Saí daquele hospital, um fantasma na minha própria vida. Aceitei a nova identidade que meu antigo professor me ofereceu e desapareci. Desta vez, eu não seria Helena Bianchi, a noiva trágica. Eu construiria um império só meu.
Capítulo 1
Ponto de Vista: Helena
A primeira coisa que vi depois de acordar de um coma de cinco anos não foi meu nome, mas minha certidão de óbito, assinada pelo meu noivo e pelos meus próprios pais.
A funcionária do cartório em São Paulo deslizou o papel pelo balcão, sua expressão um estudo de indiferença burocrática. "Helena Bianchi foi declarada legalmente morta em 12 de outubro, cinco anos atrás."
Minhas mãos tremiam. O nome soava estranho na minha língua, o fantasma de uma pessoa que eu não era mais. "Isso é impossível. Eu estou bem aqui."
Ela apontou para uma linha no formulário. "Os solicitantes da certidão de óbito foram Marco e Isabella Bianchi."
Meus pais.
Um calafrio profundo e invasivo me percorreu. Tive que me agarrar ao balcão para não desabar.
"E a testemunha signatária", ela continuou, sua voz um monótono plano, "foi Dante Moretti."
Dante. O Don da Famiglia Moretti. O homem mais poderoso do nosso mundo, um rei impiedoso esculpido em mármore e violência, seu império construído sobre os ossos de seus inimigos. Meu noivo. O homem que jurou no túmulo de seu pai que esperaria por mim.
A memória não apenas retornou; ela me atingiu com a força da própria batida. O cantar dos pneus. O som repugnante de metal contra osso. Eu me joguei na frente daquele carro, recebendo o golpe que era para ele. Para o meu Don.
"Algo mais?", perguntou a funcionária, seu olhar já se desviando para além de mim.
"A... a esposa dele", consegui sussurrar, as palavras com gosto de cinzas. "Quem é a esposa de Dante Moretti?"
Ela digitou algumas teclas. "Sienna Rocha."
Sienna. O nome era um fantasma, mas o rosto que brilhou em minha memória era um espectro terrivelmente familiar - o meu próprio. Era o rosto da mulher que dirigia o carro que me colocou nesta cama por cinco anos. Ela não era apenas um trunfo de algum rival. Ela era minha substituta.
A traição não foi uma dor aguda. Foi um frio lento e rastejante que se instalou no fundo do meu peito, congelando tudo o que tocava.
De alguma forma, consegui voltar para a clínica clandestina e estéril que se tornara minha prisão. A ligação de Dante finalmente chegou. Sua voz era o mesmo ronronar baixo e possessivo que costumava fazer meu coração disparar. "Lena, meu amor. Você acordou."
Ele me disse para ficar onde estava. Disse que era para minha segurança, que as coisas estavam complicadas. Ele nunca mencionou Sienna. Nunca mencionou minha certidão de óbito. Ele apenas teceu uma teia de palavras suaves e calculadas, da mesma forma que sempre fazia.
Lembrei-me dos sussurros que ouvi das enfermeiras durante minha recuperação - sussurros do Don devotado, um homem de luto por seu amor perdido, um homem que manteve sua noiva em coma viva contra todas as probabilidades. Era tudo mentira. Uma performance lindamente construída para o mundo.
Naquela noite, incapaz de suportar as paredes brancas e estéreis por mais um momento, eu escapei. Encontrei o caminho de volta para a cidade, para os muros imponentes da mansão Moretti. E lá, nas sombras do jardim onde ele me pediu em casamento pela primeira vez, eu o vi. Ele tinha uma mulher pressionada contra a pedra antiga, beijando-a, suas mãos perdidas nos cabelos escuros dela.
Era Sienna. Era o meu rosto.
Mais tarde, ele me encontrou. Ele me contou uma história tão insana que só poderia ser verdade em nosso mundo de sangue e maldições. Ele alegou que um rival havia lançado uma maldição sobre ele, um veneno para o qual apenas Sienna, por alguma razão mística, poderia atuar como antídoto. Ele me mostrou uma fina cicatriz branca em seu pulso, uma marca de seu suposto sofrimento. Ele disse que seu casamento com ela era uma farsa, uma forma de Vendetta para manter seu inimigo por perto até que pudesse destruir seus manipuladores.
Destroçada e desesperada, escolhi acreditar nele. Porque acreditar em uma maldição, por mais insana que fosse, era menos doloroso do que aceitar a verdade simples e brutal: ele havia me substituído. Deixei que ele me instalasse na mansão Moretti, não como sua rainha, mas como "governanta" do nosso filho, Luca. Foi lá, em seu escritório, que encontrei o documento original. A certidão de óbito, assinada com a caligrafia familiar de meu pai e a mão ousada e arrogante de Dante.
Meu mundo, já rachado, não apenas se estilhaçou. Ele se atomizou.
Fui para a casa da minha infância, a mansão Bianchi. O lugar estava iluminado, a música saindo pelas janelas. Entrei e encontrei minha família - minha mãe, meu pai - reunida em torno de um bolo. Eles estavam cantando "Parabéns pra Você".
Para Sienna.
Ela estava lá, radiante, uma réplica perfeita de mim. E agarrado à sua perna estava meu filho, Luca. Meu bebê. Ele me olhou com olhos frios e desconhecidos.
"Quem é essa?", ele perguntou a Sienna, sua voz alta no silêncio repentino.
O sorriso de Sienna era uma obra-prima de inocência fingida. "Essa é... uma convidada, meu amor."
"Ela parece um fantasma", disse Luca, escondendo o rosto no vestido de Sienna. Então ele olhou de volta para mim, seu pequeno rosto torcido em um desprezo. "Você não é minha mãe."
Meus próprios pais correram para frente, não para me consolar, mas para proteger Sienna. "Helena, o que você está fazendo aqui?", minha mãe sibilou. "Você está fazendo uma cena."
O rosto do meu pai estava duro. "Tínhamos que preservar a aliança, Helena. Você precisa entender o quadro geral. Fizemos o que era necessário para a Famiglia."
Eles haviam escolhido o poder em vez de sua própria carne e sangue. Meu retorno não foi um milagre. Foi um inconveniente.
Em uma única noite, eu perdi meu amor, meu filho, meus pais e meu nome. Eu era um fantasma na minha própria vida.
Enquanto eu me afastava do eco oco de suas risadas, meu celular vibrou. Era um número que eu não via há anos. Juliano de Marco. Meu antigo professor de arquitetura da universidade.
"Helena", sua voz era calma, firme, mas com uma corrente de urgência. "Ouvi dizer que você voltou. Tenho uma posição para você, na equipe internacional do novo projeto do Porto de Santos. Se você quiser."
Uma tábua de salvação. Uma saída.
Tomei minha decisão na rua fria e escura. A vida da Famiglia havia acabado. A partir de agora, eu construiria uma vida que fosse minha e somente minha.