Alinna estava sentada no sofá.
Pernas cruzadas, mãos espremidas entre os joelhos.
Não chorava mais. Mas chorou tanto que parecia mais leve - não de paz, mas de esgotamento.
Ela não olhou pra ele.
- Caio... Eu sei que você não se importa. Nem comigo. Nem com a empresa. Nem com nada.
Ele parou no meio da sala.
Não respondeu.
Ela levantou o olhar, firme.
- Então escuta com atenção.
Amanhã eu vou vender minha parte da empresa.
E vou embora.
Ele soltou uma risada seca.
Aquela que disfarça o pânico atrás dos olhos.
- Vai o quê?
- Vender. Os sócios me fizeram proposta. E eu aceitei.
Ele subiu dois degraus da escada, parou e voltou.
O olhar tenso, quente, ofendido.
- Você quer me foder, é isso?
- Não.
- Eu só quero sair dessa prisão.
- Eu tô cansada, Caio.
Ela não gritava.
Ela avisava.
Sem rancor, sem drama.
Apenas fim.
- Se você vender sua parte... eles ficam com o controle.
- Sim.
- E se eles tiverem o controle... vão falir essa merda.
- Sim.
- E a gente vai passar fome!
- A gente, não.
- Eu sei me virar. Já você...
Ela o olhou como quem não vê um inimigo, mas um menino perdido.
- Você vai ficar sem nada, Caio. Sem cargo. Sem empresa. Sem ninguém.
Ele passou a mão no cabelo. Riu de novo.
Só que agora o riso veio trincado.
- Ah, não me vem com esse tom de mártir...
- Não é mártir.
- É adeus.
Ela se levantou.
Camisa de dormir azul. Corpo cansado. Alma seca.
Subiu as escadas com passos firmes.
Parou no meio e virou-se pra ele.
- A reunião é às nove. Só pra te avisar.
E minhas malas já estão prontas.
De lá... eu não volto mais.
Ela engoliu em seco.
- Adeus, Caio.
- Boa sorte.
E sumiu.
FLASHBACK...
- Você vai se casar com ele?
Ela parou.
A respiração dela ficou presa no peito.
Os olhos brilharam.
- Me solta.
- O que tá acontecendo com você?
- Nada que você precise entender. Ele virou no eixo, a segurou no rosto.
- Eu te amo. Não casa com ele.
Ela tremeu. Mas não respondeu.
- Eu te amo de verdade.
- Você não precisa dele. Eu cuido de você.
Ela fechou os olhos por um segundo.
As lágrimas desciam. Mas ela sorria.
Triste.
- Mas... eu o amo.
- E eu não tenho mais ninguém.
- Você terá a mim.
- Me escolhe. Só me escolhe.
- Desculpa.
- Você é uma oportunista. Você só quer o dinheiro dele.
Ela balançou a cabeça em negação.
- Se você quiser amor de verdade, por favor... não vá.
Ela hesitou.
- Eu... não posso.
Virou as costas.
Saiu.
E ele caiu de joelhos, as mãos no rosto, o choro engolindo tudo que ele não teve coragem de dizer antes.
O presente o engoliu de volta como uma onda gelada.
O relógio da sala marcava 3h44.
Caio andou até o bar.
Pegou a garrafa de uísque mais cara.
Encheu o copo até a borda.
Virou de uma vez só.
O líquido queimou a garganta, mas não queimou a raiva.
Ele se apoiou no balcão. Olhou o sofá vazio.
Olhou a escada.
A mala vermelha no canto da parede.
O batom dela na beirada do copo.
O cheiro dela ainda no ar.
- Até depois de morto, irmão... você quer foder minha vida?
-Você sabia? Sempre soube não é? Ou não teria deixado essa merda de testamento.
Jogou o copo longe.
O vidro estilhaçou na parede.
- Que merda.
Ele passou as mãos no rosto, respirou fundo, e olhou para cima.
Como se o teto pudesse dar uma resposta.
Como se o silêncio da casa gritasse mais alto do que ele estava pronto pra ouvir.
Subiu.
Devagar.
Cada degrau mais pesado que o anterior.
O corpo cansado, o peito apertado.
O eco dos passos dele parecia mais alto que os próprios pensamentos.
Parou diante da porta do quarto dela.
Ficou ali por segundos.
A mão na maçaneta, os dedos tremendo.
Girou.
Ela se assustou.
O lençol subiu até o peito.
Os olhos assustados, confusos.
Ela piscou como se não soubesse se estava acordada.
Ele entrou.
Estava sem camisa. O peito suado. O olhar quebrado.
- Eu vou.
Ela franziu a testa.
- Eu fico.
Ela se endireitou.
- Eu atendo ao desejo dele.
Silêncio.
Ele respirou fundo.
- Se você disser que me aceita.
Ela arregalou os olhos. Piscou, como se precisasse de tempo.
- Você sabe que esse sempre foi meu sonho.
- Mas você não me escolheu.
Ela não respondeu.
Ele não se aproximou.
Ficou ali, no limiar. Sem defesa. Sem máscara.
- Eu só quero ouvir.
- Você quer?
A pergunta ficou no ar.
Como tudo o que eles nunca disseram.
Como tudo que poderia ter sido.
Como tudo que ainda pode ser.
"Ela quer o quê? Ele quer o quê? O que está em jogo? Por que esse cara parece implorar por algo que devia odiar?"