Então, Alice me incriminou por roubo, e Heitor mandou me açoitar até eu sangrar no piso de mármore.
Ele me disse que minha vida pertencia a ele, que eu era um brinquedo que ele podia quebrar e consertar como quisesse. Eu não passava de uma substituta barata para a mulher que ele realmente queria.
Então, quando sequestradores o forçaram a escolher entre salvar Alice ou a mim, ele me sacrificou sem hesitar. Enquanto me arrastavam, eu o vi confortando-a, de costas para mim. Essa era a minha chance. Eu me libertei e mergulhei no oceano enquanto uma bala roçava minha pele. Era hora de todos acreditarem que eu estava morta.
Capítulo 1
O velho relógio de pêndulo no corredor badalou meia-noite. Cada badalada era uma martelada contra o silêncio da mansão. Deslizei para fora do quarto principal, meus pés silenciosos no carpete felpudo. Heitor estava fora, um raro momento de liberdade para mim.
Entrei sorrateiramente na biblioteca, o cheiro de couro antigo e seu perfume importado caro pairando no ar. Minha mão tremia enquanto eu pegava o celular pré-pago de trás de uma fileira de livros de Direito que ele nunca lia.
Disquei o número de memória.
Atendeu no primeiro toque.
"Léo", sussurrei, minha voz tensa.
"Clara. Você está bem?" A voz dele era calma, uma âncora firme em meu medo turbulento. Era uma voz que eu conhecia a vida inteira, desde que éramos apenas duas crianças assustadas no orfanato.
"Eu não aguento mais", disse eu, as palavras saindo apressadas. "Ele... está piorando. Eu preciso sair daqui."
Houve uma pausa do outro lado. Eu podia imaginá-lo, sentado em seu escritório impecável, o rosto sério. Léo, que construiu um império de segurança de elite do nada, exatamente como prometera que faria quando éramos crianças.
"O plano está pronto", disse ele, seu tom firme. "Mas é extremo, Clara. Você sabe disso, certo? Forjar sua própria morte... não tem volta."
"Eu sei." Minha garganta estava seca. "Eu não quero voltar. Não há nada para o que voltar."
Para me livrar de Heitor Dantas, eu pagaria qualquer preço. Para escapar desta jaula dourada, eu a queimaria até o chão comigo dentro.
"A festa de gala é em duas semanas", disse Léo. "Essa é a nossa janela. Terei tudo preparado. Apenas aguente firme até lá."
"Duas semanas", repeti. Parecia uma vida inteira.
"Eu estarei lá", ele prometeu. "Vou tirar você daí."
Desligamos. Por um segundo, uma onda de alívio me invadiu. Esperança era uma coisa perigosa nesta casa, mas eu me permiti senti-la.
Guardei cuidadosamente o celular de volta em seu esconderijo, meus dedos roçando a lombada gasta de um livro. Minha fuga. Meu futuro.
Virei-me para sair, e meu coração parou.
Heitor estava encostado no batente da porta, me observando. Ele usava um terno preto perfeitamente talhado, a gravata afrouxada. Devia ter acabado de chegar em casa.
Eu não tinha ideia de há quanto tempo ele estava ali.
"Com quem você estava falando?", ele perguntou. Sua voz era suave, quase gentil, o que era sempre mais aterrorizante do que quando ele gritava.
Meu sangue gelou. Minha mente disparou, procurando uma mentira. Meu coração martelava contra minhas costelas, tão alto que eu tinha certeza de que ele podia ouvir.
"Apenas um velho amigo", disse eu, tentando manter a voz firme. "Do orfanato."
"Um amigo?" Ele se desencostou do batente e caminhou lentamente em minha direção. Seus olhos, da cor de aço frio, examinaram meu rosto, procurando a verdade. "Você é uma péssima mentirosa, Clara."
Tentei recuar, mas minhas pernas não se moviam. Eu estava congelada.
"Eu não te dou tudo o que você precisa?", ele continuou, sua voz baixando ainda mais. "Por que você precisaria falar com qualquer outra pessoa?"
"Me desculpe", sussurrei, meu olhar fixo no chão. Era a única resposta que parecia apaziguá-lo, mesmo que por um momento.
Ele parou na minha frente, tão perto que eu podia sentir o calor emanando de seu corpo. Ele levantou uma mão e ergueu meu queixo, forçando-me a encontrar seus olhos.
"Deixe-me ver", ele murmurou.
Ele passou o polegar sobre um hematoma fraco na minha bochecha, uma pequena marca escura que ele havia deixado ali duas noites atrás. Seu toque era leve, quase uma carícia.
"Ainda dói?", ele perguntou. A pergunta era uma forma distorcida de cuidado, um lembrete de que ele era a fonte da minha dor e o único que podia fingir aliviá-la.
Recusei-me a responder, meu maxilar travado. Dar-lhe essa satisfação só pioraria as coisas.
Ele suspirou, seus dedos apertando meu maxilar. Ele me pressionou contra a estante, as lombadas duras dos livros cravando em minhas costas. "Eu te fiz uma pergunta."
A pressão era imensa. A dor no meu maxilar explodiu. Eu não podia lutar contra ele, não fisicamente. Eu aprendi isso há muito tempo.
Uma lágrima escapou do meu olho e deslizou pela minha têmpora. "Sim", engasguei.
"Bom." Um pequeno sorriso satisfeito tocou seus lábios. Ele se inclinou, sua boca ao lado do meu ouvido. "Nunca mais minta para mim. E não pense por um segundo que pode me deixar. Você me pertence, Clara. Você é minha esposa."
Ele sabia. Devia ter ouvido alguma coisa. O pânico era uma coisa viva dentro de mim, arranhando minha garganta.
Ele se afastou, seus olhos escuros e possessivos. Ele me olhou de cima a baixo, um olhar lento e avaliador que fez minha pele arrepiar.
"Agora, vá para a cama", ele ordenou. "Alice chega em casa amanhã. Espero que você se comporte da melhor maneira possível."
Alice. Minha meia-irmã. A filha perfeita e amada da dinastia Medeiros. A mulher com quem ele deveria se casar.
A mulher que fui forçada a substituir.
A memória me atingiu com a força de um golpe físico. O dia em que homens de terno preto vieram ao meu pequeno apartamento e me disseram que eu não era apenas Clara, uma órfã e uma artista esforçada. Eu era Clara Medeiros, a filha ilegítima de um dos homens mais poderosos do país.
Eu tinha sido um segredo, uma vergonha a ser escondida. Até que precisaram de mim.
Alice, a filha de ouro, havia fugido, recusando-se a seguir com o casamento arranjado com o bilionário de tecnologia Heitor Dantas. Um casamento que deveria selar uma fusão corporativa multibilionária.
Então eles vieram atrás de mim. A peça de reposição. A substituta.
Meu pai, um homem que eu nunca conheci, olhou para mim com olhos frios e calculistas. "Você vai se casar com ele no lugar dela", ele disse. Não era um pedido. Era uma ordem. "É o mínimo que você pode fazer por esta família."
Por um momento fugaz, eu tive esperança. Esperança de uma família, de um lugar para pertencer.
Essa esperança morreu no momento em que conheci Heitor Dantas. Ele olhou para mim com tanto desprezo, tanto nojo indisfarçável. Eu não era o prêmio que lhe fora prometido. Eu era uma imitação barata, e ele me faria pagar por isso todos os dias.