Cada beijo, cada palavra terna desde então, era uma mentira. Ele a chamou de nojenta, de monstro, e mandou seus homens a espancarem, tudo enquanto ela suportava, sabendo que era apenas um peão em seu jogo cruel. Ele até deu a última lembrança de sua mãe assassinada para Amanda, a mesma mulher que orquestrou o incêndio que a matou.
Ela não conseguia compreender tamanha traição vinda do garoto que amara, aquele que havia jurado protegê-la. Por que ele acreditava nas mentiras de Amanda em vez dela, em vez da família que o acolheu?
Com o coração reduzido a cinzas, Isabela Freitas fez uma escolha: ela apagaria sua identidade, desapareceria completamente e deixaria Arthur para enfrentar as consequências de seu próprio ódio cego.
Capítulo 1
Isabela Freitas amava Arthur Collins há dez anos. Tudo começou no dia em que seu pai trouxe para casa o garoto magricela e calado, tirado das ruas de São Paulo, com os olhos cheios de uma escuridão que ela, uma herdeira paulistana, nunca tinha visto. Os Freitas o adotaram, e ele se tornou seu irmão de nome, mas em seu coração, ele sempre foi algo mais.
Por anos, ele foi apenas Arthur, o garoto quieto que a seguia por toda parte, aquele que ela protegia e mandava na mesma medida. Então, tudo mudou.
Um advogado do mundo da tecnologia apareceu um dia. Arthur Collins, o adolescente sem-teto, era na verdade Arthur Monteiro, o herdeiro perdido de um gigantesco império de tecnologia. A notícia foi um choque, mas para Isabela, só deixou uma coisa mais clara.
Seus sentimentos por ele não eram mais uma paixão de adolescente. Eram reais.
Depois que ele resolveu seus assuntos de família, voltou para São Paulo. Ele não voltou como o garoto quieto que ela conhecia. Voltou como um homem de imenso poder e riqueza, um homem que podia ter o que quisesse.
E ele disse que a queria.
Ele a pediu em casamento sob as estrelas, no terraço da cobertura da mansão da família, com as luzes da cidade piscando abaixo deles como um tapete de diamantes. Ele segurava um anel que brilhava tanto que feria os olhos.
"Bela", ele disse, sua voz baixa e séria, "case-se comigo."
O coração de Isabela batia descontroladamente em seu peito. Era tudo o que ela sempre sonhou. Por dez anos, ela o amou, e agora, ele estava pedindo para ser sua esposa. Ela sentiu uma alegria tão pura e avassaladora que lágrimas brotaram em seus olhos.
"Sim", ela sussurrou, a voz trêmula. "Sim, Arthur. Claro que sim."
Ele deslizou o anel em seu dedo e a puxou para um beijo profundo. Por um momento, o mundo foi perfeito. Ela ia se casar com o homem que amava. A vida deles juntos estava finalmente começando.
Mais tarde, naquela mesma noite, a euforia não a deixava dormir. Ela desceu até a cozinha para beber um copo d'água. Estava prestes a acender a luz quando ouviu a voz de Arthur vindo do escritório ao lado. Ele estava ao telefone.
Ela congelou, um sorriso feliz ainda no rosto, pronta para entrar e surpreendê-lo. Mas as palavras seguintes dele a paralisaram.
"Não se preocupe, Amanda. O noivado é só o primeiro passo."
A voz dele era outra. Fria. Despida do calor que ele lhe mostrara horas antes. Era uma voz que ela nunca o ouvira usar.
"Eu não suporto olhar para ela", ele disse, e Isabela sentiu o ar faltar em seus pulmões. "Toda vez que ela me olha com aqueles olhos de adoração, me dá nojo."
Ele estava falando dela.
"Ela e toda a família dela vão pagar pelo que fizeram com você. Vou transformar Isabela Freitas na piada de São Paulo, e depois vou destruir tudo o que os Freitas possuem. Este casamento é como vou fazer isso. É por você, Amanda. É tudo por você."
O copo de água que ela ainda não havia enchido pareceu pesado em sua mão, embora estivesse vazio. Seu anel de noivado, antes um símbolo de seus sonhos mais loucos, agora parecia uma algema. O futuro lindo que ela imaginara momentos atrás se desfez em pó.
Ela se afastou da porta em silêncio, o corpo dormente. Foi para seu quarto e ligou para seu advogado.
"Preciso cancelar minha identidade", disse ela, a voz vazia e sem emoção.
"Senhorita Freitas, esse é um processo complexo. Pode levar até uma semana."
Uma semana. Isabela riu, um som seco e sem humor. Uma semana para apagar uma vida inteira. Uma semana para suportar seu falso afeto, seu romance encenado, sua vingança cruel e calculada.
Ela desligou e voltou para a sala de estar. Arthur estava lá, cantarolando uma melodia enquanto preparava uma xícara de chá de camomila para ela, assim como costumava fazer quando eram mais novos e ela não conseguia dormir. Ele sorriu para ela, a imagem de um noivo amoroso.
Os Freitas haviam adotado Arthur quando ele tinha quinze anos. Ele era um garoto magro e desafiador que havia passado pelo sistema de abrigos e não confiava em ninguém. Isabela, acostumada a conseguir o que queria, o declarou seu projeto pessoal.
"Você é meu irmãozinho agora", ela anunciara, agarrando o braço dele. "Isso significa que você tem que me obedecer."
Ele tentou se soltar. "Não sou nada seu."
Ela simplesmente apertou mais forte, com uma teimosia estampada no rosto. "Errado. Você mora aqui agora. Você é meu."
Naqueles primeiros dias, ela era uma pequena tirana. Ela beliscava o braço dele com força se ele não respondesse quando ela o chamava.
Ele odiava isso. "Não me toque", ele sibilava, afastando a mão dela.
Ela apenas sorria de canto. "Eu toco em você o quanto eu quiser. Você é meu irmão."
Mas agora, anos depois, era ele quem a procurava. Ele se aproximou por trás dela e envolveu seus braços em sua cintura, descansando o queixo em seu ombro.
"Não conseguiu dormir?", ele murmurou em seu ouvido.
Isabela estremeceu, todo o seu corpo enrijecendo ao toque dele. O abraço que a teria emocionado ontem, hoje parecia uma jaula. Ela se afastou dele.
"Estou bem", disse ela, a voz tensa. "Só com sede."
Ele não pareceu notar a frieza dela. "Fiz um chá para você. O seu favorito."
Ele lhe entregou a caneca fumegante. Ela olhou para ela, depois para o rosto dele. O rosto do homem que a amava. O rosto do homem que a odiava.
Toda São Paulo achava que a história deles era um conto de fadas. A herdeira e o órfão, irmãos não biológicos que se tornaram amantes. Um romance moderno para a história. Eles não tinham ideia de que era uma tragédia.
Ela se lembrou do pedido de casamento novamente. O passeio de helicóptero sobre a cidade cintilante, o terraço coberto por milhares de rosas brancas, a maneira como ele se ajoelhou diante dela. Ele a olhara com tanta intensidade, tanto fogo nos olhos.
"Bela", ele sussurrara, a voz embargada de emoção, "eu te amo há tanto tempo."
Ele a beijara então, um beijo tão apaixonado que a deixou sem fôlego. Pareceu tão real.
Ela fora completamente enganada.
Naquela noite, ela acordou novamente, um pavor gelado a preenchendo. Ela saiu sorrateiramente da cama e parou junto à porta do escritório mais uma vez. A voz dele flutuou novamente, desta vez carregada de um veneno que fez seu estômago revirar.
"Sim, Amanda, eu prometo. Em breve. Assim que eu tiver tudo, vou descartá-la como lixo. Você é a única que eu sempre amei."
Ela não precisava ouvir mais nada. Voltou para o quarto e pegou o telefone. O e-mail de confirmação de seu advogado estava lá. O processo para apagar Isabela Freitas havia começado.
Seu coração, que ardera tão intensamente de amor por ele, agora era apenas um monte de cinzas frias. Era tudo mentira. O amor dele, o pedido de casamento, o futuro deles.
Ele não a amava. Ele amava Amanda Bastos, a filha do antigo caseiro da propriedade deles.
E ele só estava com Isabela para arruiná-la. Para se vingar de algo que ela nem conseguia compreender.
Ela olhou seu reflexo na janela escura. Sua família, seu nome, seu legado. Ele queria destruir tudo. Ela não deixaria. Se o preço para proteger sua família era seu próprio coração, sua própria existência, então que assim fosse.
Ela jogaria o jogo dele por mais uma semana.
Na manhã seguinte, ele a encontrou olhando pela janela. "O que há de errado, Bela? Você parece distante."
Sua voz estava cheia de falsa preocupação.
Ela se virou para ele, forçando um pequeno sorriso. "Eu estava apenas pensando. Quando você percebeu que me amava, Arthur?"
Ele sorriu de volta, um sorriso perfeito e ensaiado. "No momento em que te vi de novo depois de todos aqueles anos. Me atingiu como uma tonelada de tijolos. Eu soube que não poderia viver sem você."
A mentira era tão suave, tão sem esforço. A deixava enjoada.
Ela assentiu lentamente. "Entendo."
"Vou trazer a Amanda aqui mais tarde", ele disse casualmente. "Ela está tão animada com o casamento. Pensei que ela poderia te ajudar com parte do planejamento."
O sorriso de Isabela não vacilou, mas por dentro, ela sentiu um pedaço de si morrer. A última semana havia começado.