Um zumbido perfurou meu crânio. Levei a mão à testa. Não alcancei. Algo prendia meu pulso. Um acesso intravenoso. A outra mão, amarrada à lateral da cama com uma fita branca.
O terror subiu como um rio gelado pela minha espinha.
Uma sombra se moveu à minha esquerda.
- Catalina? - A voz era masculina. Grave. Suave. Como seda que esconde uma lâmina.
Virei a cabeça. Eu o vi.
Tinha o rosto talhado, elegante, de uma beleza perigosa. Cabelos escuros, terno impecável, e aqueles olhos... claros demais para serem calorosos.
Eu não o conhecia. Mas meu corpo, sim. Meus poros o reconheceram antes da minha mente. Uma corrente elétrica percorreu minha pele.
Sua presença não me era estranha.
Me causou náusea. E desejo. Ao mesmo tempo.
- Onde estou? - perguntei, com um fio de voz.
- Em uma clínica de repouso - respondeu, sem hesitar. - Um lugar seguro. Perto do mar. Itália.
Itália. A palavra me pareceu ridícula. Como se ele a tivesse inventado.
Olhei ao redor. Tudo parecia perfeito demais para ser real.
Luxuoso demais para alguém doente.
- O que aconteceu comigo?
O homem não respondeu de imediato. Seus olhos me estudavam. Como um cientista observa um experimento.
- Você se machucou, Catalina. Gravemente.
Engoliu em seco.
- Tentou... desaparecer.
Senti um tremor nos dedos. Não sabia se era medo, raiva ou frio.
- Quem é você?
- Vittorio Leone.
Falava como se isso bastasse.
- Seu noivo.
Meu coração parou por um instante.
Noivo?
A palavra soou absurda na minha boca.
Eu não me lembrava de ter amado alguém. Não me lembrava de nada.
Mas algo doía ao ouvi-lo dizer aquilo. Como se algo perdido em mim chorasse para voltar.
- Por que não me lembro de você?
- Você esteve sedada. Seu cérebro... precisava descansar. As emoções intensas te sobrecarregaram.
- Me drogaram?
Ele franziu os lábios.
- Nós estamos te protegendo. De você mesma.
O quarto girou. Um suor frio. Vértigo.
Tentei me sentar. Vittorio segurou meu braço rapidamente. Seus dedos eram quentes, firmes.
Seu toque me provocou um arrepio. Quis me afastar, mas meus músculos eram de pano.
Ele me segurou com uma mistura de ternura e controle.
- Não se esforce - murmurou. - Você esteve muito doente. Vai levar tempo para se adaptar.
- Me adaptar a quê?
Vittorio sorriu. Não era um sorriso feliz. Era um sorriso treinado.
- À verdade.
Passaram horas. Ou dias. Não havia relógios. Apenas sol e sombras, se revezando na janela.
As enfermeiras falavam pouco. Algumas evitavam olhar nos meus olhos. Outras eram gentis... gentis demais.
Como se eu fosse algo frágil que poderia se quebrar ao menor toque.
Vittorio vinha todos os dias. Sempre com flores. Sempre com aquela voz suave que escondia algo mais.
Um dia, ele trouxe fotos. Nossas.
Sorrisos. Férias. Um anel no meu dedo.
- Isto foi na Grécia - disse, mostrando-me uma imagem onde eu sorria ao lado dele.
- Aqui, você disse que queria passar o resto da sua vida comigo.
Eu não me reconheci. Era como se ele me mostrasse fotos de uma estranha.
- Por que não me lembro de nada disso?
- Porque sua mente bloqueou o que veio depois. O acidente. A crise.
- Que acidente?
Ele não respondeu.
Em vez disso, aproximou-se e beijou minha testa.
Meu corpo reagiu com uma onda de calor. Fechei os olhos por um segundo.
E, nesse instante...
...uma imagem fugaz atravessou minha mente:
Um quarto em chamas.
Uma mulher gritando meu nome.
Uma porta trancada.
Abri os olhos de repente. Minha respiração estava agitada.
Vittorio me olhava.
- O que você viu?
- Nada. Uma... lembrança. Pelo menos é o que parece.
- Perfeito. Você está começando a se curar.
Naquela noite, não dormi.
Fiquei sentada na cama, olhando a lua refletida no mar. Tudo estava silencioso demais.
Comecei a escrever no verso de um livro que encontrei na mesinha. Palavras soltas. Frases que eu não lembrava ter pensado:
Não confie em ninguém.
Nem tudo que você sente é real.
A pele também mente.
Levantei-me. Caminhei descalça até a porta.
Trancada. Por fora.
Toquei a maçaneta. Nada.
Vittorio havia dito que era para minha segurança.
Mas eu não me sentia segura.
Eu me sentia contida.
No terceiro dia, encontrei meu celular na gaveta da mesinha. Alguém o havia esquecido ali. Ou deixado de propósito.
Estava bloqueado. Mas tentei minha digital. Funcionou.
Meu coração batia na garganta. Abri a galeria. Fotos. Vídeos.
Uma vida inteira que eu não lembrava. Uma Catalina sorridente. Bronzeada. Apaixonada.
E, no entanto, senti nojo.
Algo não se encaixava.
Encontrei uma pasta chamada "SÓ SE EU ESQUECER".
Abri.
Um vídeo. Apenas um.
Dei play.
Apareci na tela.
Cabelos desgrenhados. Olheiras. Pânico.
Eu. Mas outra.
Minha voz estava quebrada.
- Se você está vendo isso... significa que esqueceu.
Engoli em seco. No vídeo. E na vida real.
- Não confie em Vittorio.
Pausa.
- Nem em você.
O vídeo cortou.
Fiquei congelada, celular na mão, sentindo que o mundo se despedaçava sob meus pés.
Quando Vittorio voltou naquela noite, fingi estar dormindo.
O observei pela fresta dos meus cílios.
Ele se sentou ao lado da minha cama. Ficou me olhando por muito tempo.
Depois, tirou um frasco do bolso. Colocou-o na mesinha. Pílulas cor-de-rosa.
- Para os seus sonhos - sussurrou.
Acariciou minha bochecha com o dorso da mão.
- Não quero te perder de novo.
Senti lágrimas nos olhos. Não sabia se eram minhas. Ou da outra Catalina que falava nos vídeos.
Naquela madrugada, tive um sonho.
Eu estava em um jardim. Escuro. Com flores negras.
Havia uma mulher de costas. Cabelos longos. Vestido branco.
Ela se virou.
Era eu.
Mas tinha os olhos vazios.
Acordei gritando.
Vittorio não estava. Mas a porta estava aberta.
E, no corredor, havia pegadas molhadas no chão.
Pequenas. Descalças.
Segui-as até o final do corredor, tremendo de medo.
Uma porta entreaberta. Escuridão lá dentro.
Alguém respirava. Lento. Profundo. Como se me esperasse.
Uma mão tocou meu ombro.
Levei um susto. Virei-me.
Não havia ninguém.
Quando voltei para o quarto, meu celular já não estava mais lá.
Deixei-me cair na cama. Tremendo.
A porta voltou a se fechar com o mesmo clique seco.
Senti-me prisioneira.
Mas o pior não era a jaula.
O pior era que, no fundo de mim, uma voz dizia:
Você escolheu isso.
E isso...
me aterrorizava mais do que qualquer lembrança.