O advogado da nossa família confirmou tudo uma hora depois. Era real. Incontestável. Criado há cinco anos. O telefone escorregou da minha mão. Um torpor gelado se espalhou por mim. Sete anos. Passei sete anos justificando a loucura de Caio, suas fúrias, seu jeito possessivo, acreditando que era uma parte distorcida do seu amor.
Eu cambaleei pela mansão fria e silenciosa até a ala leste, atraída pelo som de risadas. Através das portas de vidro, eu os vi: Caio, balançando Leo em seu joelho, Sofia ao seu lado, com a cabeça apoiada em seu ombro. E com eles, sorrindo e mimando a criança, estavam os pais de Caio. Meus sogros. Eles eram uma família perfeita.
"Caio, a transferência final dos bens dos Almeida para o fundo do Leo está completa", disse o pai dele, erguendo uma taça de champanhe. "Agora está tudo blindado."
"Ótimo", respondeu Caio, com a voz calma. "O dinheiro da família da Laura sempre deveria ter pertencido a um verdadeiro herdeiro Herrera."
Minha herança. O legado da minha família. Transferido para o filho secreto dele. Meu próprio dinheiro, usado para garantir o futuro da sua traição. Todos eles sabiam. Todos eles conspiraram. Sua fúria, sua paranoia, sua doença - não era para todos. Era um inferno particular que ele havia reservado só para mim.
Afastei-me da porta, meu corpo frio como gelo. Corri de volta para o nosso quarto, aquele que compartilhamos por sete anos, e tranquei a porta. Olhei para o meu reflexo, para o fantasma da mulher que eu costumava ser. Um voto silencioso se formou em meus lábios, mudo, mas absoluto.
"Caio Herrera", sussurrei para o quarto vazio. "Eu nunca mais vou te ver."
Capítulo 1
Encontrei o documento por um mero acidente. Caio estava viajando, e eu procurava os brincos antigos da minha mãe no cofre, aqueles que ele insistia em guardar para "proteção". Meus dedos tocaram uma pasta grossa e estranha. Não era minha.
A curiosidade me venceu. Eu a puxei. "Fundo Fiduciário da Família Herrera", dizia a etiqueta. Eu abri. A linguagem jurídica era densa, mas os nomes eram claros. Meu nome, Laura Almeida, estava lá. Mas não estava no topo.
O principal beneficiário da fortuna colossal de Caio não era eu, sua esposa há sete anos. Era um menino de cinco anos chamado Leo Herrera. E sua guardiã legal, listada como beneficiária secundária, era Sofia Herrera.
Minha cunhada adotiva.
Li as linhas de novo e de novo. Não fazia sentido. Liguei para o advogado da nossa família, minha voz tremendo.
"Você pode verificar um documento de fundo fiduciário para mim?"
Ele confirmou tudo uma hora depois. Era real. Incontestável. Criado há cinco anos.
O telefone escorregou da minha mão. Um torpor gelado se espalhou por mim, começando no meu peito e alcançando as pontas dos meus dedos. Sete anos. Passei sete anos justificando a loucura de Caio.
Caio Herrera. Um gênio da tecnologia, um magnata que se fez sozinho, e meu marido. Ele também era um homem com uma doença apodrecendo em sua mente. Transtorno Explosivo Intermitente, os médicos chamavam. TEI. Significava que ele podia ser brilhante e charmoso em um momento, e uma tempestade de pura fúria no outro.
Os surtos de fúria eram aterrorizantes. Um livro fora do lugar, uma ligação que eu não atendi rápido o suficiente, um olhar de outro homem que durou um segundo a mais - qualquer coisa podia detoná-lo. Ele nunca bateu no meu rosto. Era inteligente demais para isso. Ele agarrava meus braços, seus dedos cravando na minha pele, deixando hematomas que eu tinha que cobrir com mangas compridas por dias. Ele socava paredes, quebrava vidros, sua voz um rugido que fazia a casa inteira tremer.
Uma vez, ele atirou um pesado cinzeiro de cristal. Não foi na minha direção, mas passou a centímetros da minha cabeça e se estilhaçou contra a parede. Um caco de vidro ricocheteou e abriu um corte no meu antebraço. A cicatriz ainda estava lá, uma linha branca e fina.
O depois era sempre o mesmo. A fúria desaparecia, substituída por uma culpa devastadora e autodestrutiva. Ele via o terror em meus olhos, o corte no meu braço, e seu rosto desmoronava. Ele socava a parede de novo, desta vez para se punir, ensanguentando os próprios nós dos dedos.
"Eu sou um monstro, Laurinha. Me desculpa. Me desculpa mesmo."
E era eu quem limpava suas feridas, esquecendo da minha própria dor. Eu sentia a agonia dele como se fosse minha. Ele estava doente, não era mau. Ele me amava, eu dizia a mim mesma. Isso era apenas uma parte distorcida e dolorosa desse amor.
Então, aprendi a me adaptar. Tornei-me sua âncora. Mantive seu mundo calmo e previsível. Eu filtrava suas ligações, gerenciava sua agenda e aprendi a ler as mudanças sutis em seu humor como um marinheiro lê o tempo. Abri mão da minha carreira, dos meus amigos, da minha vida, tudo para construir um porto seguro para ele.
Mas sua doença era uma maré que sempre subia. Sua paranoia cresceu. As explosões se tornaram mais frequentes. A culpa que se seguia tornou-se mais extrema.
Ele começou a se machucar mais seriamente. Uma noite, depois de uma briga terrível por um convite para jantar que ele achou que eu aceitei só para desafiá-lo, ele se trancou no banheiro. Ouvi um som sufocado e arrombei a porta. Ele tinha tentado se enforcar com o cinto.
Eu o abracei, soluçando, enquanto ele se agarrava a mim como um homem se afogando. Passamos o resto da noite no chão de azulejo frio. Lembrei-me da nossa infância. Crescemos na casa ao lado. Ele sempre foi o garoto intenso e quieto que cuidava de mim. Ele bateu em um valentão que me empurrou no parquinho. Ele ficava sentado na minha varanda por horas, só para ter certeza de que eu chegaria em casa segura.
Seu jeito possessivo era sufocante, mas era tudo que eu conhecia dele. Uma vez, ele perseguiu um garoto que me convidou para o baile de formatura e o ameaçou tanto que o garoto mudou de escola. Na época, fiquei com medo, mas também senti uma emoção estranha e sombria. Ele se importava tanto assim.
Ele me compraria qualquer coisa, faria qualquer coisa por mim, desde que me mantivesse em sua órbita. Sua atenção era um sol que ou me aquecia ou me queimava viva. Mas eu acreditava, eu realmente acreditava, que por baixo da doença, seu amor por mim era real. Era a base de todo o nosso mundo.
A dor de tudo isso era imensa, mas a ideia de ele sofrer sozinho era pior. Eu não podia abandoná-lo. Eu não podia desistir de nós.
Então, propus um acordo. Dois anos atrás, depois de sua tentativa de suicídio, estabeleci novas regras. Ele podia ter seus surtos de fúria, mas tinha que mantê-los longe de mim. Ele faria terapia. E a regra mais importante, aquela que o fiz jurar pela própria vida: não importa o quê, não importa o quão zangado ou paranoico ele ficasse, ele nunca, jamais, ficaria com outra mulher. Infidelidade era a única linha que ele não podia cruzar.
Ele relutou no início. Ele surtou, implorou, tentou me manipular. Mas eu me mantive firme. Eventualmente, ele concordou.
Por um tempo, pareceu funcionar. Os surtos aconteciam quando eu não estava em casa. Ele ia ao terapeuta. Pensei que tínhamos encontrado uma maneira de sobreviver. Pensei que o amor dele por mim era, à sua maneira quebrada, absoluto. Pensei que sua obsessão, seu jeito possessivo, era a prova de que ele nunca poderia querer mais ninguém.
Agora eu sabia a verdade. Ele havia quebrado a única promessa que mantinha nosso frágil mundo unido. Ele tinha um filho. Com a Sofia.
Sofia, a garota doce e frágil que ele insistiu que sua família adotasse anos atrás. Sofia, para quem eu doei um rim quando o dela falhou, salvando sua vida. A ironia era um veneno amargo na minha garganta.
Senti uma onda vertiginosa de náusea. Saí cambaleando do escritório, minha mente em branco, e caminhei pela mansão fria e silenciosa. Meus pés me levaram, sem pensamento consciente, para a ala leste. Para a suíte de quartos da Sofia.
O som de risadas me parou no final do corredor. Vinha do jardim de inverno. Aproximei-me sorrateiramente, meu coração batendo um ritmo doentio e pesado contra minhas costelas.
Através das portas de vidro, eu os vi. Era uma festa de aniversário particular para o Leo. Caio estava lá, balançando o garotinho no joelho. Sofia estava ao seu lado, com a cabeça apoiada no ombro de Caio. E sentados com eles, sorrindo e mimando a criança, estavam os pais de Caio. Meus sogros.
Eles eram uma família perfeita.
Pressionei meu ouvido contra a porta, minha respiração presa no peito.
"Caio, a transferência final dos bens dos Almeida para o fundo do Leo está completa", disse o pai dele, erguendo uma taça de champanhe. "Agora está tudo blindado."
"Ótimo", respondeu Caio, com a voz calma. "O dinheiro da família da Laura sempre deveria ter pertencido a um verdadeiro herdeiro Herrera."
Minha herança. O legado da minha família. Transferido para o filho secreto dele. Meu próprio dinheiro, usado para garantir o futuro da sua traição. Todos eles sabiam. Todos eles conspiraram.
Naquele momento, Leo, rindo, sujou a frente da camisa branca impecável de Caio com um punhado de bolo de chocolate.
Eu me encolhi, preparando-me para a explosão. Isso era um gatilho clássico. Uma bagunça inesperada. Uma perturbação. Eu já o tinha visto destruir um cômodo por menos.
Mas Caio não explodiu. Ele nem sequer se abalou. Ele apenas riu, um som baixo e gentil. Pegou um guardanapo e, com cuidado, ternura, limpou o chocolate de sua camisa e, em seguida, do rosto de seu filho.
"Você é um monstrinho bagunceiro, não é?", ele murmurou, beijando o topo da cabeça de Leo.
A gentileza daquele ato me despedaçou mais do que qualquer violência jamais poderia. Sua fúria, sua paranoia, sua doença - não era para todos. Era um inferno particular que ele havia reservado só para mim.
Sua mãe olhou para ele, com os olhos cheios de orgulho. "Ele é seu filho, de corpo e alma. Graças a Deus a Sofia teve o bom senso de esconder isso da Laura até o Leo ter idade suficiente."
Caio assentiu, seu olhar fixo na criança. "O fundo está estabelecido. Ele é meu herdeiro. Nada pode mudar isso."
Ele era um homem diferente com eles. Um estranho. O homem que passei anos tentando salvar, o homem que pensei que entendia, não existia. Ele nunca existiu.
Afastei-me da porta, meu corpo frio como gelo. Eu corri. Corri de volta para o nosso quarto, aquele que compartilhamos por sete anos, e tranquei a porta.
Fui até o banheiro da suíte e parei em frente ao espelho. Não reconheci a mulher que me encarava. Seu rosto estava pálido, seus olhos vazios. Abri a torneira e esfreguei as mãos, tentando lavar a sensação do toque dele, a memória de suas mentiras. Esfreguei até minha pele ficar em carne viva.
Acabou. Tudo tinha acabado.
Olhei para o meu reflexo, para o fantasma da mulher que eu costumava ser. Um voto silencioso se formou em meus lábios, mudo, mas absoluto.
"Caio Herrera", sussurrei para o quarto vazio. "Eu nunca mais vou te ver."