A vida na mansão dos Trujillo não era fácil. Kael era frio e distante, obcecado por seu primeiro amor, Emília Valente. Clara cumpriu seu papel com dedicação, suportando a indiferença dele e as constantes manipulações de Emília. Ela foi jogada em um lago congelado, abandonada para morrer no mar e incriminada por crimes que não cometeu.
Ela era um fantasma em sua própria família, uma ferramenta para ser usada e descartada. Havia sido abandonada pelos pais desde a infância, sempre o fardo indesejado.
"Eu nunca te amei, Kael. Nem por um único segundo."
Ela se afastou, deixando-o para enfrentar as consequências de sua crueldade. Encontrou sua liberdade, sua felicidade, seu lar, com um homem que a amava e respeitava de verdade.
Capítulo 1
O casamento de fachada durou três anos.
Na véspera do retorno de sua irmã gêmea, Aurora Sampaio, Clara Sampaio recebeu uma ligação de sua mãe.
"Clara, a Aurora volta amanhã."
Clara sentou-se na beirada da cama, a voz calma. "Eu sei."
Sua mãe, Miranda Sampaio, fez uma pausa, e então seu tom se tornou ríspido. "Você sabe o que isso significa. Kael Trujillo é o noivo da sua irmã. Você ocupou o lugar de Sra. Trujillo por três anos. É hora de devolver."
"Ok," Clara respondeu, a voz ainda neutra.
Miranda se surpreendeu com a facilidade com que ela concordou. Havia preparado um longo discurso. Agora, parecia entalado em sua garganta.
Após um momento de silêncio, a voz de Miranda suavizou um pouco, uma tática familiar. "Clara, sei que não foi fácil para você nesses três anos. Seu pai e eu vimos tudo. Que tal isso? Continue fingindo ser a Aurora por mais um mês. Só mais um mês. Depois disso, te daremos uma bolada. O suficiente para você viver livremente pelo resto da vida."
Uma bolada.
Liberdade financeira.
As palavras ecoaram nos ouvidos de Clara, mas seu coração não sentiu nada. Era como se estivesse ouvindo a história de outra pessoa.
"Ok," ela disse novamente.
Miranda desligou, satisfeita.
O quarto mergulhou no silêncio. Clara olhou seu reflexo na janela escura. Viu um rosto pálido e magro, com olhos que não tinham brilho, como um poço de água parada.
Três anos. Parecia uma vida inteira.
Três anos atrás, a gravadora da família Sampaio estava à beira da falência. Para salvar a empresa, seus pais arranjaram um casamento, unindo sua linda e rebelde irmã gêmea, Aurora, ao magnata da tecnologia Kael Trujillo.
O investimento da família Trujillo era a única coisa que poderia salvá-los.
Mas no dia do noivado, Aurora fugiu. Deixou para trás um bilhete curto, dizendo que ia em busca de sua própria liberdade e felicidade, e que não podia se casar com um homem que não amava.
Com os Trujillo prestes a chegar, a família Sampaio estava um caos. Em seu desespero, seus pais se voltaram para ela, a gêmea idêntica de Aurora.
"Clara, você tem que nos ajudar. Você e a Aurora são idênticas. Ninguém vai saber," seu pai havia implorado.
Sua mãe a havia alertado com uma voz fria. "Se a família Sampaio falir, você também não terá uma vida boa. Não se esqueça, os Trujillo não são pessoas que podemos nos dar ao luxo de ofender."
Então, Clara, a talentosa e desconhecida musicista independente, guardou seu violão, escondeu sua própria identidade e se tornou "Aurora".
Ela se casou com um Trujillo.
Kael Trujillo era um nome que aparecia com frequência nas revistas de finanças. Ele era uma lenda no mundo da tecnologia, um homem no auge da riqueza e do poder.
Mas ele também era um homem com um coração de pedra.
Ele tinha um primeiro amor, uma arquiteta famosa chamada Emília Valente, a quem nunca conseguiu esquecer. O motivo pelo qual ele concordou com o casamento com a família Sampaio, diziam os boatos, era porque os olhos de Aurora se pareciam com os de Emília.
Clara se tornou a substituta de uma substituta.
A vida na mansão dos Trujillo não era fácil. Kael era frio e distante. Ele raramente voltava para casa e, quando voltava, a tratava como se fosse ar.
Ele costumava ficar na varanda, olhando para uma foto de Emília em seu celular por horas. Ele nunca tocou em Clara, nem uma vez. O quarto de casal deles eram dois quartos separados.
Aos olhos dos empregados, ela, "Aurora Sampaio", era uma piada. A Sra. Trujillo, que não conseguia nem manter o coração do marido.
Clara não se importava. Ela cumpria seu papel com dedicação, tentando ser uma boa esposa.
Ela aprendeu seus hábitos, seus gostos e aversões. Sabia que ele tinha um estômago sensível, então aprendeu a fazer sopa para aquecer o estômago. Sabia que ele não gostava do cheiro de aromatizadores químicos, então aprendeu a misturar seus próprios óleos essenciais.
Tudo isso, apenas para manter a paz frágil de seu casamento de fachada.
Os de fora só viam a glamorosa Sra. Trujillo, invejando-a por se casar com uma família rica. Diziam que ela amava Kael profundamente, disposta a fazer qualquer coisa por ele.
Só Clara sabia que era tudo uma performance.
Com o tempo, a atitude de Kael pareceu suavizar. Ele começou a voltar para casa com mais frequência. Às vezes, quando estava trabalhando até tarde em seu escritório, ele a deixava levar uma xícara de café. Ele até, ocasionalmente, olhava para ela com uma expressão complicada nos olhos.
Clara quase pensou ter visto um vislumbre de esperança.
Mas então, Emília Valente voltou.
Com um único telefonema de Emília, Kael largava tudo e corria para o lado dela, deixando Clara sozinha na enorme e vazia mansão.
O breve calor que ele havia demonstrado a ela desapareceu sem deixar vestígios, como se nunca tivesse existido.
Clara permaneceu calma. Ela sabia o seu lugar.
Ela era apenas uma substituta, esperando o fim do contrato.
Ela havia sido abandonada pelos pais desde a infância. Ela e Aurora eram gêmeas, mas seus destinos eram mundos à parte. Aurora era a pérola nas mãos de seus pais, enquanto Clara era o fardo indesejado.
Seus pais a enviaram para um internato distante quando ela era muito jovem, só a trazendo para casa nos feriados. Mesmo assim, eles a tratavam com indiferença. Todo o amor e atenção deles eram derramados sobre Aurora.
Clara estava acostumada. Ela nunca esperou nada de sua família.
Só mais um mês.
Mais um mês, e ela estaria livre. Poderia pegar o dinheiro e ir para longe, encontrar uma cidade pequena e continuar com sua música.
Essa era a única coisa que ela esperava.
O telefone na mesa de cabeceira tocou novamente. Era Kael.
"Emília não está se sentindo bem. Ela quer comer o mingau daquele restaurante na Zona Sul. Vá comprar e traga para o hospital." Sua voz era fria, uma ordem sem espaço para negociação.
Clara entendeu imediatamente. Emília estava dificultando as coisas para ela de novo.
Era tarde da noite e uma tempestade forte caía lá fora. A Zona Sul da cidade era muito longe.
"Ok," ela respondeu suavemente.
O vento uivava e a chuva batia contra as janelas.
Clara não tinha motorista. Kael havia proibido os motoristas de servi-la desde o retorno de Emília. Ela vestiu um casaco e saiu na tempestade.
Ela não tinha guarda-chuva. Correu pela chuva torrencial, seu corpo magro tremendo.
A chuva embaçava sua visão. Ela escorregou e caiu, seu joelho batendo com força no asfalto.
Uma dor aguda atravessou sua perna, mas ela cerrou os dentes, levantou-se e continuou correndo.
Ela tinha que pegar o mingau.
Uma hora depois, ela finalmente chegou ao hospital, encharcada e desgrenhada. Chegou à suíte VIP de Emília bem a tempo.
Ela não entrou imediatamente. Pela fresta da porta, ouviu a voz suave e queixosa de Emília.
"Kael, você acha que a Aurora vai ficar brava? Eu pedi para ela buscar mingau tão tarde da noite."
A voz de Kael, geralmente tão fria, era surpreendentemente gentil. "Não pense muito nisso. Ela é só uma substituta. Quando chegar a hora, vou me divorciar dela e casar com você."
"O lugar de Sra. Trujillo sempre foi seu."
Uma substituta.
As palavras, ditas com tanta naturalidade, confirmaram tudo.
Clara ficou do lado de fora da porta, o coração estranhamente calmo. Não havia dor, nem raiva. Apenas uma sensação de libertação.
Ela empurrou a porta e entrou.
Kael e Emília olharam para ela. Seu cabelo molhado estava grudado no rosto, suas roupas pingavam água e seu rosto estava pálido. Ela parecia um desastre.
"Kael," disse Emília, a voz cheia de surpresa, "por que ela está tão molhada?"
Kael franziu a testa, um brilho indecifrável em seus olhos. "Você saiu na chuva?"
"Você me mandou comprar mingau," disse Clara, colocando o recipiente na mesa. Ela não mencionou sua queda ou a dor no joelho.
Kael pegou uma toalha e jogou para ela. "Se seque. Não vá pegar um resfriado."
Clara pegou a toalha e obedeceu, secando o rosto.
Emília sorriu fracamente para ela. "Obrigada, Aurora. Desculpe por te incomodar."
Clara não olhou para ela. Só queria ir embora.
Ela se virou para sair, mas Kael a deteve. "Vou pedir para o motorista te levar de volta."
"Não precisa," disse Clara, a voz fraca.
Ela saiu da suíte e foi ao banheiro. Limpou o ferimento no joelho e vestiu uma roupa limpa que guardava em seu armário no hospital para emergências como essa.
A dor no joelho era aguda, mas seu coração sentia uma estranha paz.
Só mais um mês. A liberdade estava tão perto.
Ela tinha acabado de sair do banheiro quando Kael agarrou seu braço, o aperto como ferro.
"Onde você foi?" Seu rosto estava sombrio.
Clara ficou confusa. "Eu..."
Antes que ela pudesse terminar, ele a arrastou de volta para a suíte de Emília. Ele chutou a porta para abri-la.
Então, ele a empurrou com força.
Ela tropeçou, o joelho ferido cedeu. Ela caiu no chão, a cabeça batendo na quina da mesa com um baque surdo e doentio.
O mundo girou. A dor explodiu atrás de seus olhos.
"Kael... o que você está fazendo?" ela ofegou, sangue escorrendo por sua testa.
Ele olhou para ela, os olhos cheios de uma frieza aterrorizante.
"Aurora Sampaio," ele cuspiu, a voz pingando nojo. "Você se atreve a machucar a Emília?"
"O quê?" Clara ficou atônita.
"A Emília caiu. Ela disse que você a empurrou." Sua voz era um rosnado baixo. Ele se agachou, agarrando seu queixo, forçando-a a olhá-lo. "Você é tão boa em fingir. Tão paciente. Eu quase acreditei em você. Mas suas verdadeiras cores estão aparecendo agora, não é?"
Fingindo?
Clara quase riu.
Ele achava que sua tolerância e obediência eram tudo um ato para ganhar seu afeto.
Que irônico.