Minha família se foi, minha mãe me deserdou e meu pai morreu enquanto eu trabalhava até tarde, uma escolha da qual me arrependeria para sempre. Eu estava morrendo, sofrendo de um câncer em estágio terminal, e ele nem sabia, ou não se importava. Estava ocupado demais com Helena, que era alérgica às flores que eu cuidava para ele, as mesmas que ele amava porque Helena as amava.
Ele me acusou de ter um caso com meu irmão adotivo, Caio, que também era meu médico, a única pessoa que realmente se importava comigo. Ele me chamou de nojenta, de esqueleto, e disse que ninguém me amava.
Eu tinha pavor de que, se revidasse, perderia até o direito de ouvir sua voz ao telefone. Eu era tão fraca, tão patética.
Mas eu não o deixaria vencer.
Assinei os papéis do divórcio, entregando a ele o Grupo Sampaio, a empresa que ele sempre quis destruir.
Forjei minha própria morte, na esperança de que ele finalmente fosse feliz.
Mas eu estava errada.
Três anos depois, eu retornei como Aurora Moraes, uma mulher poderosa com uma nova identidade, pronta para fazê-lo pagar por tudo o que ele tinha feito.
Capítulo 1
O escritório de advocacia do Grupo Sampaio era sempre frio, o ar denso com o cheiro de papel e ambição silenciosa. Era um lugar de poder, e Larissa Sampaio deveria ser sua rainha.
"Eu, Larissa Sampaio, em sã consciência e no pleno uso de minhas faculdades mentais, declaro este como meu último testamento." Sua voz era suave, mas ecoou na sala silenciosa.
Duda Dantas, sua principal conselheira jurídica e amiga mais antiga, a observava com o rosto crispado de preocupação. Larissa estava longe de ter um corpo são. Ela estava frágil, a vida parecendo esvair-se dela um pouco mais a cada dia.
"Lego todo o meu patrimônio, incluindo todas as minhas ações no Grupo Sampaio, meus bens pessoais e todos os outros ativos, a uma única pessoa."
A caneta na mão de Duda parou. Ela sabia o que estava por vir.
"Ao meu marido, Bruno Queiroz."
O nome pairou no ar, um testamento de um amor que nunca fora correspondido.
Duda finalmente quebrou o procedimento formal. "Larissa, você tem certeza disso?"
"Tenho certeza, Duda."
"Deixa eu pelo menos pegar um copo d'água para você. Ou chamar um médico. Você está pálida como um fantasma."
Larissa balançou a cabeça, um sorriso fraco nos lábios. "Não, preciso ir para casa."
"Por quê?", Duda implorou, sua voz falhando um pouco. "Ele nem vai estar lá."
"Preciso preparar o jantar para ele." Era um dever que ela havia cumprido todos os dias de seus quatro anos de casamento. Um dever que ele nunca havia reconhecido comendo sua comida.
Ela se lembrou das inúmeras noites, das refeições perfeitamente preparadas esfriando na mesa, sua esperança diminuindo com o pôr do sol.
Uma profunda sensação de perda se instalou em seu peito, uma dor familiar.
"Te vejo amanhã, Duda." Larissa se levantou, seus movimentos lentos e deliberados.
Ela saiu do escritório, sua figura parecendo magra e frágil contra as grandes portas de vidro.
Duda a viu partir, um pensamento amargo cruzando sua mente. Larissa Sampaio, a célebre herdeira da cidade, era agora apenas uma sombra, agarrada a um homem que a desprezava.
O caminho para casa foi silencioso. As luzes da cidade se transformaram em longos rastros de cor, espelhando as lágrimas que brotavam nos olhos de Larissa, mas nunca caíam.
Ela pegou o celular, o polegar pairando sobre o nome dele. Pressionou o botão de chamada.
Tocou várias vezes antes que ele atendesse. "O que você quer?" Sua voz era tão fria como sempre.
"Bruno", ela disse, o nome uma carícia suave.
"Não me chame assim", ele retrucou. "É nojento."
A dor familiar torceu suas entranhas. Ela o chamava assim desde que eram crianças, quando ele prometeu protegê-la para sempre.
Então, ela ouviu outra voz ao fundo, uma voz de mulher, suave e doce. "Bruno, quem é?"
O tom dele suavizou instantaneamente. "Ninguém importante."
A respiração de Larissa falhou.
"Não me ligue de novo, a não ser que seja para assinar os papéis do divórcio", ele disse, a voz carregada de desprezo.
Ela tentou manter a voz firme, esconder o tremor. "O jantar estará pronto para você."
A linha ficou muda.
Ela encarou o telefone, o silêncio do carro amplificando o zumbido em seus ouvidos. Uma única lágrima finalmente escapou, traçando um caminho frio por sua bochecha.
Ela era tão fraca. Tão patética.
Tinha pavor de que, se revidasse, perderia até o direito de ouvir sua voz ao telefone.
Quando chegou à mansão deles, o lugar estava escuro e vazio. Era uma casa que ele mandara projetar para seu primeiro amor, cheia de coisas às quais ela era alérgica, mas que nunca ousara remover.
Ela foi para a cozinha, um espaço que transformara de um território desconhecido em seu único santuário. Aprendera a cozinhar para ele, um mundo distante das salas de reunião e balanços com os quais fora criada.
A casa estava fria, ecoando uma solidão profunda. Ela ligou uma música suave, a melodia um escudo fraco contra o silêncio.
O relógio passou da meia-noite. Ele não voltaria para casa.
Ela limpou a comida intocada, o coração um peso de chumbo no peito. Quando estava prestes a apagar as luzes e ir para sua cama vazia, ouviu a porta da frente se abrir.
A esperança, aquela coisa tola e teimosa, brilhou em seu peito.
Ele entrou, trazendo uma rajada de ar frio da noite. Cheirava ao perfume de outra mulher.
"Bruno, você voltou", disse ela, a voz cheia de um alívio que não conseguiu esconder. "Está com fome? Posso esquentar a comida."
Ela estendeu a mão para pegar o casaco dele.
Ele de repente a agarrou, seu aperto como ferro, e a empurrou contra a parede. Seus olhos estavam sombrios, uma mistura de álcool e algo mais, algo possessivo e cruel.
O coração de Larissa martelava contra as costelas. Ela estava com medo. "Bruno, o que você está fazendo?"
Ele se inclinou, seus lábios prestes a esmagar os dela, mas o som de seu nome nos lábios dela pareceu deixá-lo um pouco sóbrio. Ele recuou como se tivesse se queimado.
"Não me toque", ele rosnou, a voz um grunhido baixo. "Você me dá nojo."
Ele se virou e subiu as escadas, deixando-a tremendo contra a parede.
O choque emocional fez seu estômago revirar, e uma onda de náusea a dominou. Era sempre assim. Um momento de esperança, seguido por um golpe esmagador da realidade.
Por que ele a odiava tanto? Ela não conseguia entender.
Ela se limpou, a vergonha grudada nela como uma segunda pele. Subiu as escadas e, silenciosamente, preparou o pijama dele e um copo de leite morno, colocando-os ao lado da cama, como sempre fazia.
Ela esperou por um longo tempo.
Ele finalmente saiu do banho, uma toalha pendurada na cintura. Nem sequer olhou para ela.
Ele olhou para os papéis do divórcio em sua mesa de cabeceira, que ela não havia assinado. Então se virou para ela, o rosto uma máscara de fúria fria.
"Eu quero o divórcio, Larissa."
Ela o encarou, seu mundo girando em seu eixo. "Por quê? Por que agora?"
Ele olhou para ela, e as palavras que ele disse em seguida estilhaçaram o que restava de seu coração.
"Porque a Helena voltou."