Karina Schmidt, uma jovem estagiária que Caio havia contratado, estava sentada na minha mesa, agindo como a nova Diretora de Operações. Ela anunciou em voz alta que "pessoal não essencial" deveria se manter afastado, olhando diretamente para mim. Caio, o homem que me prometeu o mundo, ficou ao lado, seu rosto frio e indiferente. Ele ignorou minha gravidez, chamando-a de distração, e me colocou em licença obrigatória.
Vi um tubo do batom vermelho vivo de Karina na mesa de Caio, o mesmo tom que eu tinha visto no colarinho dele. As peças se encaixaram: as noites tardias, os "jantares de negócios", sua súbita obsessão pelo celular - era tudo mentira. Eles estavam planejando isso há meses.
O homem que eu amava se foi, substituído por um estranho. Mas eu não os deixaria levar tudo. Eu disse a Caio que estava indo embora, mas não sem minha parte inteira da empresa, avaliada pelo preço pós-financiamento da Apex. Também o lembrei de que o algoritmo principal, aquele em que a Apex estava investindo, estava patenteado apenas em meu nome.
Saí, pegando meu celular para ligar para a única pessoa que eu nunca pensei que ligaria: Heitor Janson, meu rival mais feroz.
Capítulo 1
"É o Heitor Janson?"
Um momento de silêncio do outro lado da linha, depois uma voz suave e grave respondeu. "Ele mesmo. Com quem eu falo?"
"Beatriz Moraes."
O silêncio se estendeu ainda mais desta vez, denso de perguntas não feitas. Eu podia imaginá-lo em seu escritório de canto, aquele com a vista panorâmica da cidade, provavelmente franzindo a testa para o celular. Éramos rivais. Sua empresa, a Nexus Dinâmica, tinha sido nossa concorrente mais acirrada nos últimos três anos. Nós não fazíamos ligações amigáveis.
"Beatriz Moraes", ele repetiu lentamente, o som do meu nome uma pergunta em si. "Devo dizer, isso é inesperado."
"Eu sei", eu disse, minha voz firme, não traindo nada do caos dentro de mim. "Estou ligando com uma proposta de negócios. Quero levar o acordo da Apex Capital para você."
A respiração presa do outro lado da linha foi minha primeira pequena vitória. "O acordo da Apex? Pensei que estava fechado com você e o Caio. Com... a sua empresa."
"As coisas mudaram", afirmei secamente.
"Mudaram como?", ele pressionou, seus instintos de CEO entrando em ação. "Bia, o que está acontecendo? Isso é sobre o Caio?"
Sua franqueza me surpreendeu. "Isso é sobre negócios, Heitor. É uma oportunidade de duzentos e cinquenta milhões de reais. Eu construí a arquitetura, eu tenho o relacionamento com a Apex. Eles investiram em mim, não no nome da empresa. Eu posso levar para a Nexus."
"Todo mundo neste mercado sabe que você construiu essa empresa do zero", ele disse, seu tom mudando de desconfiança para algo mais suave. "Eu te vi em conferências. Você trabalha o dobro de qualquer um na sala, e é duas vezes mais inteligente."
Ele fez uma pausa. "Lembro de ouvir sobre os primeiros dias. Você e o Caio vivendo de Miojo, programando na garagem. Você colocou sua herança nos custos dos servidores quando ele não conseguiu pagar a folha."
Eu me encolhi. Ele sabia demais.
"Também ouvi dizer que houve algum problema hoje", ele continuou, sua voz cuidadosa. "Que você foi... demitida."
Um choque frio percorreu meu corpo. "Como você ouviu isso?"
"A notícia corre rápido quando envolve a melhor arquiteta de software do mercado sendo expulsa da própria empresa na véspera de uma grande rodada de financiamento", ele respondeu, um toque de raiva em sua voz em meu nome.
Apoiei a cabeça no vidro frio da janela, olhando para as luzes da cidade que antes pareciam tão cheias de promessa. Minha cidade. Minha empresa. Meu sonho.
Ele estava certo. Eu tinha sacrificado tudo. Dez anos da minha vida, investidos em Caio Rocha e nossa startup, a InovaTech. Éramos namorados da faculdade, o casal de ouro que ia mudar o mundo juntos.
Nos conhecemos em um laboratório de Ciência da Computação, ambos movidos a cafeína e ambição. Ele era o líder carismático, o visionário. Eu era a força de trabalho, aquela que transformava suas grandes ideias em código elegante e funcional.
Construímos a InovaTech com minhas economias e o charme dele. Trabalhávamos dezoito horas por dia. Compartilhávamos pizza barata no chão do nosso pequeno escritório, sonhando com o dia em que nosso nome estaria em um arranha-céu.
Tudo parecia tão real, tão sólido. Nosso futuro.
Alguns meses atrás, quando a náusea começou, pensei que era apenas esgotamento. Mas não era. Era um pequeno tremor de uma nova vida. Nossa vida.
Eu estava grávida.
Quando contei a Caio, ele me levantou e me girou, seu rosto iluminado com uma alegria que eu não via há anos. "Um bebê, Bia! Nosso bebê! É isso. É tudo."
Estávamos em nosso apartamento, aquele que finalmente podíamos pagar após a rodada de semente. Segurei seu rosto em minhas mãos. "Caio, vamos nos casar. Vamos oficializar. Por nós, pelo bebê."
O sorriso em seu rosto não desapareceu, mas se contraiu. A luz em seus olhos piscou. Ele me colocou no chão gentilmente, suas mãos em meus ombros. Um longo e calculista silêncio se seguiu.
"Bia, meu bem, claro", ele disse finalmente, sua voz como seda. "Mas pense bem. O acordo da Apex é na próxima semana. Esta é a culminação de tudo pelo que trabalhamos. Duzentos e cinquenta milhões de reais. Isso vai nos fazer."
Ele gesticulou ao redor do apartamento, seus olhos brilhando com aquele fogo familiar. "Isso é só o começo. Depois que o acordo fechar, estaremos no topo do mundo. Podemos ter o casamento dos seus sonhos, comprar uma casa de verdade, dar tudo a este bebê."
Ele se inclinou, sua testa contra a minha. "Vamos só esperar. Não vamos nos distrair deste último empurrão. Depois que assinarmos aqueles papéis, sou todo seu. Somos todos seus. Eu prometo."
E como uma tola, cega por uma década de amor e história compartilhada, eu acreditei nele.
"Ok, Caio", eu sussurrei. "Depois do acordo."