Lisboa, na minha solidão. Era o meu 25º aniversário, mas as velas no bolo ardiam apenas para mim. Soprei-as, num desejo silencioso, no apartamento vazio que partilhava com o meu marido. A porta clicou, e ele entrou. Leonel Gordon, indiferente, com o cheiro de álcool e de um perfume que não era o meu. Não viu o bolo, nem o meu coração partido. Os olhos dele fixaram-se numa pequena mancha de água no chão, e a sua voz cortou-me: "Nem consegues manter a casa em ordem, Raelyn?" Estava a morrer, uma doença autoimune devastadora que me roubava o tempo, a força. Ele não sabia. E eu não queria a sua pena. A dor da sua indiferença era familiar, mas naquele dia, algo mais urgente me impelia. A minha mão tremeu ao pegar no casaco dele. E então encontrei-o. Um bilhete de avião, ida e volta para o Rio de Janeiro. Lilith. A mulher que ele nunca esquecera. A confirmação foi um golpe surdo, mas trouxe clareza. Com uma calma que o surpreendeu, virei-me e coloquei uns papéis à sua frente. "Vamos divorciar-nos, Leonel." Ele riu, desdenhoso, pensando ser mais um dos meus dramas. Não sabia que, por trás daquela mulher silenciosa e submissa, residia uma determinação de ferro e um segredo mortal. Eu não seria mais a sua apólice de seguro de vida. Eu ia morrer, sim, mas com dignidade. E ele, só ele, seria o único a arrepender-se.