Ela falava de iates e jatos particulares, de pais milionários que garantiam 20 pontos extras no ENEM para a filha. Eu, Maria, sentada ao lado dela na sala de aula, fervia por dentro: como alguém podia ser tão descarada? A Ana, com suas roupas amassadas e unhas sujas, era uma contradição ambulante que me tirava do sério. Um dia, a raiva explodiu, e eu a confrontei, chamando suas histórias de mentiras. Aquilo virou uma briga feia no meio da turma, com puxões de cabelo e arranhões, até a professora nos arrastar para a diretoria. Eu odiava a Ana, seu jeito de inventar uma vida de luxo enquanto o tênis dela se desfazia. Mas o que mais me irritava era a audácia de suas mentiras, como o conto do vestido de 10 mil reais ou do apartamento na beira da praia. Até que, um dia, a realidade dela se mostrou de forma brutal. Eu a vi no recreio, comendo um pão seco, sozinha, e depois, vi-a vasculhando o lixo do banheiro da escola, recolhendo restos de sabonete. A raiva deu lugar a uma pontada de culpa, mas a tentativa de ajuda virou mais uma humilhação pública. A farsa dos 20 pontos no ENEM na frente de todos os pais desmoronou, e a Ana se tornou a piada da semana. Eu tentei fazê-la parar, mas ela se virou contra mim, os olhos cheios de fúria. "Você também? Até você acha que eu estou mentindo?" , ela sibilou. Mas o fundo do poço veio quando, cansada de suas mentiras e do sofrimento dela, revelei a todos o barraco onde ela morava e os sabonetes do lixo. Foi cruel, as palavras se transformaram em agressão física, e a Ana só conseguia gritar: "Não fale dos meus pais!". A verdade veio à tona tarde demais, revelada pelo governo: os pais da Ana, os "heróis" que ela tanto defendia, eram agentes da Polícia Federal mortos em serviço. Os 20 pontos? Um bônus legal para filhos de combatentes, e as mentiras dela, uma armadura de uma criança traumatizada para proteger a memória dos pais. A nação, que a julgava, agora se calou, sentindo um remorso coletivo que me atingiu em cheio. Minhas últimas palavras a ela ecoaram: "Eles devem ter vergonha de você!". Então, eu a encontrei, sentada na calçada do barraco dela, e no meu silêncio, pedi perdão. Meses depois, a Ana, a garota que "comprou" 20 pontos, escolheu não seguir medicina. Ela optou por honrar seus pais de uma forma nova, ingressando na Academia Nacional de Polícia.