Eu estava grávida de três meses. Meu marido, Ricardo, um influenciador digital em ascensão, sorria para a câmera. Ele virou o celular para mim, meus olhos cansados captando sua performance de "marido perfeito". Em meio aos comentários de "casal perfeito!", vi mensagens estranhas. "A coitadinha ainda não sabe que é só uma ferramenta para o sucesso dele." "Daqui a três meses, ela vai descobrir a traição. O show vai ser bom." "E o bebê? Ah, o bebê não vai ter a chance de nascer. Uma pena, ia ser uma menina linda." "Sofia já está escolhendo o berço. Com o dinheiro do pai da Ana Paula, claro." Senti um arrepio. Que brincadeira era essa? De repente, o homem ao meu lado parecia um estranho. Toda a nossa vida, uma farsa. Eu era a tola protagonista, a última a saber. Entendi que eu era uma ferramenta, uma escada para a ascensão dele, e meu pai, o alicerce financeiro. Uma fúria fria me invadiu. Meu filho não seria vítima. Eu ia reescrever esse roteiro. Enquanto ele perguntava se eu estava bem, com aquela falsa preocupação, transferi todo o dinheiro da conta conjunta. Liguei para o gerente financeiro do meu pai, congelando todos os investimentos dele. Eu não esperaria três meses, nem o acidente. Eu desmantelaria o mundo dele antes que ele destruísse o meu. Na manhã seguinte, ele cantava no chuveiro. Eu sentia náuseas, mas não da gravidez. Era dele. No celular, encontrei mais sobre "Sofia": "A estagiária esforçada que só quer uma chance. Mal sabe Ana Paula que a chance que ela quer é a de virar a nova Sra. Ricardo." Lembrei-me dela, a "protegida". A inocência fingida. O toque leve no braço dele que durou um segundo a mais. Ele não a via como filha. Ela não o via como pai. Aquele toque não foi acidental. Aquele olhar não era admiração. Era cálculo, ambição. Ele me traía e me fazia de idiota, usando meu dinheiro para sustentar a amante. Tudo nele, cada palavra doce, cada gesto, tudo era uma mentira. E eu havia caído em cada uma delas. Mas não mais. Com as mãos trêmulas, mas a mente afiada, abri a fatura do cartão adicional que dei a ele. Jantares caros, joias, e a prova final: pagamentos recorrentes a um hotel de luxo, terças e quintas. As peças se encaixaram de forma cruel. Ele me mandou uma mensagem: "Amor? Onde você está? Volte para a cama, está frio. Estou com saudades." Senti um nojo profundo e vomitei. Minha imagem no espelho era de uma mulher pálida, doente, mas uma nova força crescia em mim. A força da raiva. Disquei o número de Lucas, o assistente bajulador de Ricardo. "Lucas? É a Ana Paula. O Ricardo está estranho. Acho que está com algum problema no trabalho. Você sabe de algo?" disse, jogando a isca. Ele hesitou, mas minha menção ao dinheiro do meu pai o convenceu. "Ele tem passado muito tempo com a Sofia. Ele até alugou um apartamento para ela perto do escritório." Um apartamento. A audácia dele era inacreditável. Peguei o endereço. O confronto era inevitável. Eu não seria mais a esposa enganada. Dirigi com uma calma assustadora. Meu coração, antes em pedaços, estava congelado. Os comentários do celular me acompanhavam: "A cena do confronto vai começar!", "A esposa original vai pegar o marido infiel em flagrante!" Parei em frente ao prédio. Luxuoso e discreto. Perfeito para um ninho de amor secreto. Respirei fundo. "Ela vai hesitar? Não hesite, Ana Paula! Entre e acabe com eles!" Entrei no prédio, subi no elevador, a pressão aumentando no meu peito. Parei na porta 402. A música, as risadas dele e dela. Destrancada. Empurrei a porta. Ricardo, sem camisa. Sofia no colo dele, vestindo uma de suas camisas – que eu dei a ele. Beijavam-se, as mãos dele explorando o corpo dela com a intimidade que antes era minha. O mundo parou. Ricardo me viu primeiro. Seu sorriso desmoronou em pânico. Ele a empurrou bruscamente. "Ana... Ana Paula? O que... o que você está fazendo aqui?" Sofia se encolheu, com os olhos grandes e "inocentes" agora cheios de medo e desafio. Uma performance. Meu celular vibrou: "A CARA DE PÂNICO DELE! IMPAGÁVEL!" "Olha a Sofia se fazendo de coitadinha. Que nojo." Mantive-me imóvel. Não gritei, não chorei. O silêncio era mais pesado que qualquer acusação. "Ana Paula, eu... eu posso explicar", gaguejou Ricardo. "Não é o que parece? Você está seminu com outra mulher no seu colo, Ricardo. O que eu deveria achar que é?" Foi Sofia quem quebrou o impasse. Levantou-se, ajeitando a camisa como um troféu. "E se for o que parece?", ela disse, surpreendentemente firme. "O Ricardo não te ama mais. Ele me ama." Eu ri, um som seco. "Você? Você não é nada. É só uma garota ambiciosa que viu uma oportunidade. Você não o ama. Você ama o que ele pode te dar. O que o meu dinheiro pode te dar." O rosto dela ficou vermelho de raiva. "Você não sabe de nada! Você é uma rica mimada que sempre teve tudo. Você não sabe o que é lutar!" "A única coisa pela qual você lutou foi para abrir as pernas para o meu marido", respondi, fria. Ela me deu um tapa. A dor me despertou a fúria. Revidei, mais forte. "Sua vadia!", ela gritou, vindo para cima de mim. Ricardo agiu. Não para me proteger, mas para proteger Sofia. Ele a abraçou. "Pare, Ana Paula! Você está louca? Deixe-a em paz!", ele gritou, como se eu fosse a agressora. Isso foi a traição final. Pior que a mentira. O amor por ele morreu. Nasceu um ódio gelado. "Você escolheu ela?", perguntei, minha voz tremendo de fúria. Ele não respondeu. Sofia se desvencilhou dele, correu e me empurrou. Perdi o equilíbrio. A escada. Caí para trás. Uma dor lancinante na minha barriga. Depois, tudo ficou escuro. Acordei com cheiro de antisséptico num hospital. Ricardo estava lá, chorando. Peguei meu celular. Os comentários me atingiram. "O bebê... o bebê se foi." "Ele matou o próprio filho por causa da amante." Um vazio gelado. Minha barriga lisa. Minha filha. Tinha ido embora. Minha irmã Carla entrou, os olhos inchados. "A polícia esteve aqui. Sofia foi presa. Mas Ricardo... ele contou uma versão diferente." Lá no canto, Ricardo soluçava. Meu celular vibrou. "Ele disse à polícia que a Ana Paula teve um surto de ciúmes e atacou a pobre Sofia, e que na confusão, ela tropeçou e caiu sozinha." A farsa do seu choro se tornou clara. Chorava por si mesmo. Pelo escândalo. Lágrimas rolaram. Não de tristeza, mas de ódio. Perdi meu filho. Perdi tudo. Mas eu não estava derrotada. Ricardo se aproximou. "Ana... meu amor... me perdoe..." Virei o rosto. Ele tentou tocar minha mão. "Não me toque", minha voz saiu como um rosnado. Ele recuou. Eu continuava a encarar a parede branca, sentindo o vazio e o fogo crescendo em mim. Ele tinha tirado meu filho. Agora, eu ia tirar tudo dele. Os dias no hospital foram de silêncio da minha parte. Ricardo implorava, chamando a traição de "um erro". Minha irmã Carla, meu único alívio. "O advogado está preparando os papéis do divórcio. E a denúncia contra a Sofia por agressão seguida de lesão corporal grave está correndo." Eu assenti, uma chama de satisfação. Naquela tarde, Ricardo explodiu. "Pelo amor de Deus, Ana Paula, diga alguma coisa! Está me matando!" Caiu de joelhos, chorando. Pela primeira vez em dias, olhei para ele. Meus olhos secos, meu rosto inexpressivo. "Nós tínhamos um amor, Ana", ele soluçou. "Era?", perguntei, rouca. "Sim! Eu juro!" "Então por que você disse à polícia que eu ataquei a Sofia?", a pergunta caiu como uma pedra. Ele congelou. "Como... como você sabe?" "Eu sei de tudo, Ricardo. Sei que alugou apartamento para ela com o meu dinheiro. Sei que a protegeu." "Você não me amava, Ricardo. Você amava o que eu representava. Você é um parasita. E eu cansei de ser sua hospedeira." "Eu quero o divórcio", declarei. "E quero você fora da minha vida. Para sempre." O pânico em seus olhos era genuíno. Ele sabia que tinha perdido a guerra. A notificação do divórcio e da ação criminal chegou a Ricardo no dia da minha alta. Ele tentou me barrar. "Você não pode fazer isso, Ana! Você quer me destruir?" "Eu só quero que você pague pelo que fez", respondi friamente. Ele gritou, batendo na parede. "Foi um acidente! Eu entrei em pânico! Por isso menti!" Carla interveio. Ele a ignorou, os olhos fixos em mim. "Pense em nós. Pense em tudo o que passamos." Sua voz mudou para súplica. "Sofia não tem ninguém, Ana. A família dela é pobre. Eu me senti responsável por ela." A desculpa era patética. "Responsável? Você se sentiu responsável a ponto de levá-la para a cama? A ponto de deixar que ela matasse o seu filho?" Ele se encolheu. "Não foi culpa dela." Mesmo agora, ele a defendia. Sua lealdade não era a mim. Uma ideia cruel nasceu. Se ele queria dor, eu daria. "Sabe, Ricardo", comecei, falsamente suave. "Eu tenho pensado muito na nossa filha." Ele me olhou, confuso. "Ela seria uma menina. Os médicos me disseram. Já tinha pensado em um nome: Laura." A dor genuína faiscou nos olhos dele. "Fico imaginando como ela seria. Teria seus olhos? Meu cabelo? Correndo pela casa, rindo." Ele começou a tremer. "Pare... por favor, pare..." "Mas ela nunca vai fazer nada disso, não é? Ela nunca vai existir. E a culpa é sua. Cada vez que você fechar os olhos pelo resto da sua vida, quero que veja o rosto da filha que você matou. Cada vez que tocar na Sofia, quero que se lembre que foi por ela que nossa filha morreu." As palavras o atingiram. Ele levou as mãos à cabeça, gemendo. "Não... não..." "Você a escolheu, Ricardo. Escolheu a Sofia em vez da sua própria filha. Espero que tenha valido a pena." Ele não aguentou mais. Com um som gutural, um soluço de dor, virou-se e fugiu pelo corredor do hospital. Observei-o ir. Não senti remorso. Senti uma satisfação fria e terrível. Ele queria sentir dor? Agora sentia. Era apenas uma fração da minha, mas era um começo. Semanas de mediações inúteis. Ricardo encenava o arrependido. Eu estava na casa dos meus pais. Num dia chuvoso, meu celular explodiu em notificações. "BOMBA! A Sofia está grávida!" "Não pode ser! Grávida do Ricardo?" "Ela usou o golpe da barriga! Que reviravolta!" Grávida. A mulher que causou a morte da minha filha estava grávida. Do meu marido. O som da TV na sala me chamou. Um programa de fofocas: "A AMANTE ESTÁ GRÁVIDA". Lucas, meu ex-assistente, ligou. "Ele está comemorando. Disse que agora tem um herdeiro, que isso prova que o amor dele por Sofia era real." Desliguei. O choque deu lugar a uma fúria fria e calculista. Comemorando. Enquanto eu chorava, ele comemorava um filho com a amante. Era o fim. Não havia mais dor, só ação. Liguei para meu advogado, contador, gerente do banco. "Quero que tudo seja executado. Agora. Todas as garantias que meu pai deu. Cada uma delas." "Ana Paula, isso vai levá-lo à falência total", alertou o advogado. "É exatamente isso que eu quero." Vendi minhas ações na empresa conjunta para um concorrente. Cancelei cartões, fechei linhas de crédito. Em horas, desmantelei seu castelo de cartas. A reação dele foi imediata. Furioso, desesperado, invadiu a casa dos meus pais. Encontrei-o no jardim. "Sua desgraçada!", ele rosnou. "Você me arruinou! Tudo! Está tudo acabado!" "Você se arruinou sozinho, Ricardo", respondi. "Eu vou ter um filho! E você me tira tudo? Que tipo de monstro você é?" "O tipo de monstro que você criou", retruquei. Ele avançou, os olhos injetados. "Nós podemos consertar isso", ele sussurrou, conspiratório e insano. "Eu tenho um plano. Sofia... a gravidez dela é um problema. Mas problemas podem ser... resolvidos." Eu o encarei. Ele não estava sugerindo se livrar da amante. Sugeria assassiná-la. E ao bebê dela. O homem era um monstro, despido de humanidade. Eu olhava para o abismo da sua loucura. "Você está louco", sussurrei, recuando. O sorriso dele era aterrorizante. "Não estou louco. Estou sendo prático. Ela é um problema. Nós eliminamos o problema. Simples." "Fique longe de mim", disse, minha voz firme. "Você está doente. Você precisa de ajuda." A menção de doença quebrou seu feitiço. Seu rosto se contorceu em fúria. Nisso, o carro de Sofia parou. Ela veio, preocupada. "Ricardo? O que está acontecendo?" A loucura de Ricardo encontrou um novo foco. "Você!", ele gritou, virando-se para ela. "É tudo culpa sua! Você e esse seu bebê! Você arruinou minha vida!" Ele correu, agarrou-a, sacudindo-a violentamente. "Ricardo, pare! Você está me machucando! O bebê!", ela chorava. Gritei por seguranças. Eles apareceram. Mas era tarde. Ele a empurrou. Sofia caiu no chão, gritando de dor. Caos e horror. Seguranças o arrastaram, enquanto ele gritava maldições. O fim de Ricardo foi rápido e humilhante. Preso pela agressão. Para evitar pena maior, seu advogado fez um acordo: ele se declarou culpado, recebia pena reduzida, e uma ordem de restrição contra mim. E a parte irônica: ele teria que se casar com Sofia para "assumir a responsabilidade" pela criança. Casaram-se em uma cerimônia sombria, com policiais como testemunhas. Um final patético. Meses depois, visitei Sofia numa clínica de repouso. Perdera o bebê. "Ele me amava, sabe? Ele ia deixar você por mim. Nós seríamos felizes." Ela vivia numa fantasia. "Ele não tem mais nada, Sofia. O nome 'Ricardo' não significa mais nada." "Para você, talvez", ela retrucou. "Mas para mim, significa tudo. Quando eu sair daqui, nós vamos recomeçar." Inútil. Ela estava perdida em delírio. "Sabe, Sofia", eu disse, levantando-me. "Você pode ficar com o nome. E pode ficar com ele também. Vocês se merecem." Saí sem olhar para trás. O dia da audiência final do divórcio. Ricardo, na tela, parecia abatido. Assinou os papéis. "Eu sinto muito, Ana", ele disse. Eu assenti. Ao sair do prédio, senti uma leveza. Meu celular, vazio. Nenhuma notificação. O silêncio era absoluto. Era o som da minha liberdade. Um táxi parou. Aeroporto. Minha irmã me esperava com uma passagem só de ida. Olhei pela janela do avião, as luzes da cidade sumindo. O passado era uma história que tinha chegado ao fim. Eu era a autora do meu próprio futuro agora. A página estava em branco. Sorri. Era um bom começo.