O cheiro de tinta a óleo agora era só uma lembrança distante, afinal, fazia cinco anos que eu, Laura, a pintora promissora, trocara meus pincéis pela sombra do sucesso de Marcos, meu então namorado. Ele, um arquiteto ambicioso, retornava sempre tarde para nossa mansão, sua voz, antes melodia, agora apenas um ruído de fundo na minha cozinha, onde eu preparava jantares que ele mal notava. Naquela noite, meu mundo virou de cabeça para baixo quando vi o camafeu de safira da minha avó, minha única herança de valor, não no meu peito, mas pendurado no pescoço de Clara, a "amiga" órfã que ele acolhera em nossa casa. Marcos admitiu ter recomprado e dado o colar a ela, alegando que Clara, em sua fragilidade, o lembrava de mim em nossos tempos difíceis, e que por ela, ele conseguia fazer o que não fez por mim no passado. A dor e a humilhação me dilaceraram quando ele, ao ver meu tornozelo quebrado por um tombo "acidental" causado por Clara, se preocupou mais com o bolo de quinhentos reais do que comigo, e me levou a um pronto-socorro barato, reclamando do custo da bota ortopédica, tudo isso enquanto gastava uma fortuna em joias para ela. Eu não era mais sua parceira, eu era seu alicerce, enterrada, esquecida e substituída, e a cruel verdade me atingiu: para ele, eu não tinha valor algum. Mas aquela noite, enquanto Marcos e Clara riam e tramavam minha remoção, uma decisão se formou em mim, fria e dura como um diamante: ele não me reconhecia mais? Bom. Porque eu também não me reconhecia, e estava na hora de encontrar a mulher que ele e Clara haviam tentado enterrar.