Quando acordei no hospital, a primeira coisa que senti foi o cheiro forte a desinfetante. O meu braço direito estava inútil, partido em três sítios. O meu noivo, Pedro, não estava ali. A última mensagem que ele enviou, enquanto eu estava presa nos destroços a sangrar, não era para mim. Era para a minha irmã Sofia: "Não te preocupes, a tua audição é demasiado importante." Sofia, violinista. Eu, apenas a noiva com o braço partido. Quando Pedro atendeu, a sua voz estava fria, apressada. "Estou com a Sofia. Ela está em pânico por causa do ouvido. A tua mãe está aí, ela está estável." Ele desligou antes que eu pudesse responder. Pouco depois, a minha mãe chegou, mas os seus olhos esgazeados não eram para mim. "A Sofia é a nossa prioridade agora. Coitadinha, o seu futuro está em jogo." Naquele silêncio de hospital, soube que tudo tinha acabado. Mas o inferno só estava a começar. Dois dias depois, em casa, Pedro não estava lá. Tinha levado Sofia a Lisboa. "Claro que está", murmurei, ao ver a minha mesa de design, agora inútil. Nem uma pergunta sobre a minha dor, sobre o meu braço, sobre o meu medo. A mãe de Pedro, Helena, veio consolar-me. "Ele é o teu noivo, Ana. Devia estar aqui contigo", disse ela, com a voz firme. A verdade nas suas palavras rasgou-me. Foi aí que decidi: tinha chegado a hora de o deixar. Mas Pedro não aceitou o fim do nosso noivado. Ele, a Sofia e a minha mãe, uniram-se contra mim, transformando-me na vilã. No meu próprio apartamento, Sofia gritou: "Foi um acidente que tu causaste! Estávamos a discutir contigo, tu aceleraste!" A minha mãe, antes de me lançar um olhar de pura desilusão, juntou-se ao coro: "Sempre foste assim. A tua irmã consegue uma coisa, tu tens de estragar a felicidade dela." Estava exausta, esgotada. Seria eu a culpada? A memória estava tão confusa. Quando já não tinha como pagar a minha fisioterapia, liguei ao meu pai, que me deu um aviso arrepiante sobre a minha mãe e Sofia. Depois, um encontro fortuito com um velho amigo, Tiago, um polícia, revelou uma ponta solta. Ele lembrou-se do acidente: o passageiro saiu ileso, mas fez algo estranho perto do volante antes de simular dor. E a pior parte: o travão de mão estava puxado com força. A imagem formou-se na minha cabeça com uma clareza horrível. Sofia puxou o travão de mão. Ela causou o acidente. O Pedro foi conivente, manipulando tudo, até o relatório do seguro, para me culpar. A raiva gelada substituiu a dor da traição. Não éramos vítimas. Éramos alvo de uma conspiração para me destruir. Agora sei exatamente o que tenho de fazer. Chegou a hora de a verdade vir ao de cima!