Era a minha peregrinação anual a Fátima, seis anos de culpa acumulada que nenhuma confissão conseguia aliviar. Ajoelhada no chão de pedra fria, no meio da multidão, vi-a. Era eu, translúcida, a flutuar perto do altar. A sua voz ecoou na minha cabeça, não nos meus ouvidos: "Sofia Almeida, ouve com atenção. Fica longe do Diogo Vaz. Hoje vais reencontrá-lo." O nome do Diogo atingiu-me como um raio. Um nome que eu tinha enterrado há seis anos, mas que ainda doía. A confirmação chegou rápida e cruel: um e-mail anunciava o seu regresso triunfal, o nosso prodígio do Douro, de volta. Mas o Diogo que vi no jantar da associação não era o rapaz que amei. Era um estranho de fato caro, com um olhar frio, que me ignorou completamente. Pior, anunciou o seu noivado com outra mulher, a Inês Castro. O meu coração parou. Era o fim, a confirmação final da minha dor. No dia seguinte, uma caixa chegou à Quinta. Lá estavam todas as minhas coisas: o saca-rolhas que lhe fiz, o meu caderno de poemas. Ele estava a devolver-me o meu passado. Quis enviar uma mensagem, mas ele tinha-me apagado, eliminado da sua vida. A memória voltou: há seis anos, sacrifiquei o nosso amor para que ele pudesse seguir o seu sonho em Bordéus. Fui eu que retirei a recomendação para que ele não ficasse por minha causa. "Não é amor," gritou ele. "É egoísmo. Acabaste com tudo." E ele partiu, furioso. Eu fui a âncora que o impedia de navegar. Agora, ele estava de volta, e a sua frieza era uma facada ainda mais profunda. Porquê? Depois de todo o meu sacrifício, ele não só me esquecera, como anunciava um futuro com outra, devolvendo-me friamente tudo o que um dia nos ligou. Poderia uma culpa antiga e uma profecia enigmática ter-me levado a esta devastadora verdade? E o que faria eu agora, com o meu passado a regressar sob esta forma tão cruel?