O médico entregou o relatório, 99,9% de compatibilidade. Eu, Ana, podia salvar a minha meia-irmã Lia, a filha que o meu pai teve com a amante. Ele prometeu: um rim, em troca do divórcio e da liberdade da minha mãe, que ele lhe negava há dez anos. Pensei que era um preço justo pela paz dela. A cirurgia correu bem, a Lia estava salva. Mas para o meu pai e a Lia, eu era apenas uma ferramenta bem utilizada. Ninguém perguntou como eu estava. Recebi uma mensagem: "A Lia está a comer. Os médicos estão espantados. Obrigado de novo." Ela própria partilhava nas redes sociais, agradecendo ao seu "anjo doador anónimo". Anónimo. Eu era invisível, uma fonte de órgãos sem nome. Senti-me violada, esgotada, a dor física e emocional consumia-me. Então, o meu pai, o mesmo que me tratava como uma ferramenta, organizou um jantar de "celebração". Não para mim, mas para Lia. E convidou-me. Queria "agradecer-me apropriadamente" na frente de todos, com um colar de diamantes. Foi um espetáculo. Queriam que eu aceitasse o pagamento e sorrisse. A minha mãe, a quem o meu pai podia "complicar as coisas" se eu não fosse, olhava-me com culpa. A minha paciência esgotou-se. Ele queria um espetáculo? Eu dar-lhe-ia um. Mas nos meus termos. Chegou a hora de contar a verdade que esta família sempre escondeu.