Acordei no hospital, com a cabeça a latejar e o cheiro a desinfetante. A primeira coisa que perguntei foi pelo Pedro, o meu marido. A minha sogra suspirou com alívio, mas o sorriso congelou quando evitei o olhar. "O Pedro... ele teve de ir cuidar de um assunto urgente para a Sofia." Sofia. A minha melhor amiga. Dezenas de chamadas perdidas para ele. Liguei novamente. "Beatriz? O que foi agora? Estou ocupado." Ouvi a voz dengosa da Sofia ao fundo. Eu tinha acabado de perder o nosso bebé num acidente. A minha mão estava gravemente ferida. E ele? A cuidar do braço da Sofia? "Pedro," disse, a minha voz a tremer, "vamos divorciar-nos." Ele explodiu em raiva, acusando-me de egoísmo. "Eu salvei a Sofia! Não tens compaixão?" Salvar? O acidente dela foi a quilómetros do meu. Ele foi ter com ela. Dias depois, o médico confirmou: a minha carreira de pianista, a minha vida, tinha acabado. Pedro encolheu os ombros: "É só um piano! Eu compro-te outro! Podes tocar em casa, para mim." Foi a gota de água. Aquele homem para quem eu tinha dado tudo, a minha alma, o meu corpo, os meus sonhos... Ele zombou: "Tu não tens nada, Beatriz. Vais acabar na rua." Mas a Beatriz que ele conhecia tinha morrido naquele acidente. Liguei à advogada. Era a hora de lutar. Eu não tinha nada? Não tinha? Ele ainda não sabia a força de uma mulher disposta a recuperar tudo o que lhe foi tirado. Isto não era um fim, era o início.