Saí do hospital com a certidão de óbito do meu filho na mão. Um pedaço de papel que pesava uma tonelada, contrastando cruelmente com o sol lá fora. Liguei para o meu marido, Leo, para lhe dizer que o nosso bebé, Lucas, já não existia. Mas em vez de compaixão, ouvi música alta e a voz irritada dele ao fundo. "Helena? O que foi? Estou ocupado. A Sofia está com um ataque de pânico, o gato dela fugiu." Sofia. A minha cunhada. O gato dela era mais importante que a nossa perda. "Leo, o nosso filho morreu", eu disse, seca, sem lágrimas. Houve um silêncio, mas não de choque, e sim de incómodo. "Que brincadeira de mau gosto é essa? A Sofia é sensível. Não posso falar agora. Depois falamos." Ele desligou. Assim, sem mais. O meu marido escolheu consolar a irmã porque o gato dela fugiu, em vez de estar ao meu lado depois de perdermos o nosso filho. A dor era física. E então, uma mensagem da minha sogra: "Helena, o Leo disse que estás a fazer drama. Pára de ser egoísta. A Sofia está abalada. Sê uma boa esposa e compreende as prioridades." Prioridades. O gato. A minha dor, um drama. Naquele instante, a dor deu lugar a uma clareza fria como gelo. Não havia mais nada para salvar. O nosso casamento, tal como o nosso filho, estava morto. Levantei-me. Eu queria o divórcio. E ele não me ia impedir.