Olhei-me no espelho uma última vez. Vestido preto justo, ombros retos, olhar afiado e os lábios pintados com a calma de uma guerra meticulosamente planejada. Não havia vestígios da mulher que um dia fui. Aquela que chorava atrás de portas fechadas. Aquela que assinou papéis com o coração na garganta. Aquela que morreu.
Agora sou Catalina Belmont. E estou no controle.
O som dos aplausos na sala me recebeu como se eu tivesse nascido para aquele palco. Caminhei com firmeza, com os saltos marcando um ritmo que não permitia interrupções. A sala estava lotada. Investidores. Imprensa. Sócios. Inimigos. E entre eles...
Eu senti.
Não precisei procurá-lo. Sua presença era como um incêndio em uma sala trancada. León Caballejo, CEO da Caballejo Corp. O homem que ensinou ao mundo como se conquista um mercado com visão, força e sangue frio. O homem que um dia... foi meu.
E ao levantar os olhos, nossos olhares se cruzaram.
Um segundo. Meio batimento. Isso foi tudo. Mas foi o suficiente para meu estômago se contrair como se uma garra invisível me atravessasse.
Ele estava sentado na primeira fila, com seu terno escuro impecável e aquele ar inconfundível de superioridade. Inabalável. Até que me viu. As sobrancelhas se contraíram levemente, como um eco de dúvida. Como se algo em mim o inquietasse. Mas ele não disse nada. Não se moveu.
- Boa noite - disse com voz clara, firme, projetada. - Bem-vindos ao que não é o fim de um sonho... mas o começo de um império.
Houve uma pausa. O silêncio foi rompido por aplausos. Sorrisos. Mas ele não aplaudia. Me olhava como se procurasse em meu rosto uma sombra familiar.
Perfeito.
- Há cinco anos, a Belmont International nem aparecia nos rankings. Hoje, lideramos setores onde antes nem éramos considerados concorrência. Como se consegue isso? Com estratégia, ambição... e sem pedir permissão.
Algumas risadas discretas. Cabeças acenando. A sala estava sob meu controle, e eu sabia disso. Anos atrás, eu teria tremido ao ver aquele rosto na plateia. Hoje, ele era apenas um lembrete de tudo o que sobrevivi.
Deixei de ser sua esposa no dia em que assinei minha certidão de óbito emocional. O mundo acreditou que ele havia ficado viúvo de uma mulher anônima, e eu me tornei Catalina Belmont. Ninguém ligou os pontos. Ninguém suspeitou. Nem mesmo ele.
Terminei meu discurso com uma reverência elegante. Caminhei novamente sob aplausos. Não o olhei. Não de novo. E, mesmo assim... senti seu olhar cravado nas minhas costas como um aviso.
Quando voltei para a área privada, Lucas me entregou uma taça de champanhe.
- Está bem?
- Estou melhor do que nunca - respondi, sem tirar os olhos do reflexo do salão.
Só vinte minutos depois ele se aproximou.
- Catalina Belmont - disse com voz grave, a poucos centímetros de mim.
Virei-me lentamente. Taça na mão, queixo erguido. Eu sabia que esse momento chegaria, e havia ensaiado mil vezes.
- Senhor Caballejo - disse com um meio sorriso cortês. - Um prazer tê-lo aqui esta noite.
Ele me estudou. Olhos escuros, intensos, como lâminas. Não tinha certeza. Ainda não. Mas me conhecia o suficiente para farejar uma verdade oculta.
- Seu discurso foi impecável. Embora eu confesse que seu rosto me é... familiar.
- Costumam me dizer isso - respondi, com a voz cálida de uma mulher que não tem nada a temer. - Talvez de outra vida.
Ele não riu. Não respondeu. Apenas tomou um gole sem tirar os olhos de mim.
E eu, pela primeira vez em anos, senti que a guerra estava apenas começando.
Porque se León descobrir quem eu sou... tudo pode desmoronar. Ou pegar fogo.
E, no fundo, não sei o que me assusta mais.
- Proponho algo, senhora Belmont. Uma aliança. Caballejo Corp. e Belmont International. Juntos, poderíamos esmagar o restante do mercado.
Sorri, embora por dentro meus nervos queimassem como pólvora. Não sabia se ria ou gritava. Uma aliança? Com o homem que me deixou sangrando no altar da nossa história?
- Uma aliança? - repeti suavemente, saboreando a palavra como se fosse veneno.
- Sim. Fusão de projetos. Compartilhamos recursos, redes, inteligência. Seríamos uma força imbatível.
Inclinei-me levemente para ele, com um sorriso tão afiado quanto uma navalha.
- Eu não compartilho. Nem recursos, nem redes... e muito menos inteligência. Não preciso de sócio, senhor Caballejo. Já sou imbatível sozinha.
Ele franziu a testa, tentando manter a compostura. Mas eu o conhecia. Vi sua mandíbula tensionar, seu piscar desacelerar, vi ele se morder por dentro.
- Isso não é arrogância, Catalina. É estratégia. Você sabe jogar. E os melhores jogadores não temem alianças temporárias.
- Medo? - soltei uma risada seca. - León, se tem algo que eu não tenho é medo de jogar. Mas com você... Não gosto de você, não quero fazer negócios com sua arrogância e prepotência, na verdade, você me entedia.
Aí. Aí foi o golpe. Sutil. Elegante. Mas certeiro.
Ele me olhou, longo, profundo. E por um instante... eu juraria que vi ele hesitar. Doer. Reconhecer?
- Nos veremos novamente - murmurou por fim, deixando sua taça na mesa. - Garanto que você não é páreo para mim. Não quer me conhecer pelo lado ruim.
- Sem dúvida - respondi. - O problema é que, desta vez, sou eu quem controla o tabuleiro.
Ele se afastou sem dizer mais uma palavra, mas sua presença permaneceu no ar como uma ameaça silenciosa. Apoiei-me na mesa, respirando fundo. Meu corpo tremia. Não de medo. Não de desejo. Mas por aquela mistura letal de adrenalina e passado.
Ele não me reconheceu. Ainda não.
Mas vai.
E quando isso acontecer... Será tarde demais para ele.