Meu chefe não sorri. Nunca. Não diz "obrigado", nem "por favor". Ele dá ordens com voz grave e olhos frios, como se fosse uma espécie de rei caído do Olimpo corporativo. Um deus grego de terno de grife... que odeia a humanidade.
E eu, sua secretária pessoal, sou a vítima número um.
- A apresentação está pronta, Morel? - sua voz me fez pular como se tivesse jogado gelo nas minhas costas.
- Sim, senhor Vólkov - respondi sem olhar, focada na tela. Não dê o gosto. Não olhe. Ignore o cheiro absurdo da colônia e aquele maxilar perfeito.
Ele se aproximou da minha mesa. Minha pobre xícara de café tremeu.
- Espero que não tenha erros. Desta vez não tenho paciência.
- Não se preocupe. Para o senhor, perfeição ou nada - murmurei com um sorriso tão falso quanto a compaixão dele.
- Surpreendente. Achei que, para você, o mínimo esforço já era suficiente.
Quis me virar e tacar o teclado nele. Mas apenas assenti e continuei digitando.
Pensa no seu cachorro. Pensa naquela pizza com queijo extra. Pensa que um dia esse homem vai escorregar no mármore polido da própria arrogância.
Horas depois, após uma longa jornada de "faça isso", "corrija aquilo" e "ninguém aqui pensa?", chegou o momento sagrado:
- Pode ir, Morel. Você foi... tolerável hoje - disse sem tirar os olhos do notebook.
- Vou anotar no meu diário - respondi baixinho.
Ao sair da sala, senti o ar do corredor como uma lufada de liberdade. Peguei o celular e escrevi para Lucía, minha melhor amiga, meu cabo à terra, a única pessoa com quem posso falar sem vontade de socar algo.
Iskra: Mais um dia sobrevivendo ao inferno!
Lucía: Já escapou do Mojoncio? Vai sair comigo hoje ou vai casar com seu pijama de novo?
Sorri ao ler a mensagem. Já tínhamos falado tão mal do meu chefe que decidimos chamá-lo de "Mojoncio", afinal ele era uma grande merda.
Me apressei para responder.
Iskra: Eu mereço. Hoje vou me servir uma taça. Tomar banho. Me arrumar. Me dá 30 min.
Lucía: Isso! Quero te ver divina, perra.
Iskra: É só pedir, eu obedeço.
Essa noite, sou livre. Não sou a senhorita "sim, senhor Vólkov", nem a secretária invisível. Essa noite, sou Iskra.
Ao chegar em casa, "Chico" me recebeu como sempre: com pulos, latidos e abanar de rabo dignos de um show de rock. Me abaixei para abraçá-lo.
- Você também teve um chefe insuportável, bebê? Não? Então se considere sortudo.
Deixei os saltos na entrada, servi uma taça de vinho branco e caminhei descalça até o banheiro. Acendi velas. Enchi a banheira. Me afundei nas bolhas como se fosse meu próprio ritual de purificação emocional.
- Ah... isso sim é vida.
Depois de um bom tempo, saí enrolada num roupão macio, cabelo molhado caindo sobre os ombros. Abri o armário procurando o que vestir para sair com Lucía... mas meus olhos caíram numa gaveta que não abria fazia meses.
Deslizei com curiosidade.
E lá estava.
Um conjunto de lingerie vermelha, tão ousado quanto esquecido. Renda, cetim e uma fitinha preta no centro do sutiã. Tinha comprado num impulso de autoestima... que nunca usei.
- Por que não? - disse em voz baixa, sorrindo.
Vesti.
Uau... Oi? Essa sou eu?
Me olhei no espelho. Pela primeira vez em muito tempo, me vi mulher, não secretária. Me vi ousada, forte... linda.
Peguei o celular.
Iskra: Muito?
Junto com a mensagem, a foto. Posando em frente ao espelho com a lingerie, olhando por cima do ombro, atrevida, natural, com o roupão caindo suavemente.
Apertei enviar... justo quando "Chico" pulou nas minhas pernas e me fez perder o equilíbrio.
- Ai! Chico! Não me assusta assim!
Me virei para o celular.
A foto tinha sido enviada.
Sorri... até que olhei com atenção.
Enviado para: Leandro Vólkov.
E minha alma foi direto pros pés.
- Não... não... NÃÃÃÃÃO...