Ao me preparar, recorro ao que sei fazer de melhor: representar um papel diferente. Com o meu conhecimento, tenho dúvidas se me contratariam se eu parecesse mais uma paciente do que uma médica. Além disso, uma médica com a minha aparência não representaria nenhum risco. Se eles soubessem realmente quem contrataram, reconsiderariam essa escolha. Apesar de não gostar muito de me vestir como uma mulher indefesa, reconheço que é necessário para certas situações, como chamar a atenção do meu amor. Observando ao longo desses anos, percebi que ele se interessa por mulheres inofensivas. É lamentável que elas não resistam por mais de um mês ao lado dele; sempre fogem ao perceber quem ele realmente é. Oh, meu amor, se soubesses que desejo até mesmo o teu lado mais obscuro, não estarias procurando tantas meninas puras por aí.
Após me vestir, encaro meu café da manhã: uma imensa xícara de café preto, sem açúcar. É meu melhor combustível para lidar com tantos indivíduos perturbados. Se eu não amasse a mente perturbadas deles, talvez já tivesse sucumbido ao desespero na minha primeira visita ao centro psiquiátrico. No entanto, confesso que essa experiência só aumentou meu apreço por esta profissão. Poder compreender o que se passa em suas mentes, descobrir os motivos por trás de suas ações e, ainda mais fascinante, explorar os limites até onde podem chegar.
Minha fascinação pela mente criminosa floresceu aos 14 anos, enquanto devorava seriados de crime. Minha curiosidade não se voltava para as vítimas; ao contrário, era o lado do vilão que me intrigava. Eu era atraída pelas inúmeras nuances dos métodos criminosos, ansiando compreender cada detalhe. Desejava adentrar as mentes dos perpetradores, desvendar suas mais obscuras e sinistras motivações. Aos 16 anos, fui internada pela primeira vez em uma clínica psiquiátrica, imersa nesse mundo sombrio. Hoje, compreendo que nenhum médico diagnosticaria uma internação baseada apenas no meu fascínio pelo incomum. No entanto, com o tempo, aprendi que o dinheiro pode até mesmo comprar o a porra do médico e coloca-lo em uma bandeja. Assim, adquiri a habilidade de me dissimular, de personificar o que os outros anseiam que eu seja. A arte de manter as aparências se tornou minha maestria, permitindo-me transitar entre personas distintas. Posso ser a donzela indefesa que todos imaginam ou a mulher perversa que poucos ousam vislumbrar. Sou capaz de realizar seus mais fervorosos desejos ou desencadear seus mais profundos pesadelos.
Aos 18 anos, conheci meu primeiro e único amor. Era uma noite fria, com a lua sendo a única fonte de luz sobre a cidade adormecida, avistei-o de longe. Ele estava lá, entre as sombras, seu perfil obscurecido contra o cenário noturno, os cabelos revoltos dançando ao vento como sombras vivas. Seu olhar, uma fenda na escuridão, capturou-me à distância, como se ele pudesse sentir minha presença sem nunca ter me visto antes. Uma aura de mistério o envolvia, e eu me vi cativado por essa promessa perigosa. Foi apenas um vislumbre, um breve encontro de olhares em meio à escuridão, mas naquele momento, eu sabia que estava destinado a me perder nos abismos sombrios de sua alma.
Assim começou minha obsessão, uma jornada que me levou a explorar os recursos mais sombrios que uma família com dinheiro poderia proporcionar. Levou tempo, mas finalmente encontrei alguém cujo único contato foi uma troca de olhares em uma noite envolta em escuridão. Determinada, persisti até encontrá-lo, e desde então, observá-lo se tornou meu passatempo predileto. Ver seu vício pelo cigarro todas as noites, após retornar do clube de luta, era como uma dança macabra da qual eu não conseguia desviar o olhar. Às vezes, ele exibia um olho roxo ou um pequeno rastro de sangue na boca, vestígios insignificantes de suas batalhas. Nada comparado aos seus oponentes, cujos últimos suspiros encontravam o asfalto em um beco próximo ao clube.
Suas tendências homicidas só alimentavam minha própria perversidade, alimentando meu desejo de tê-lo para mim. Ele representava mais do que apenas um companheiro; ao seu lado, eu podia ser quem verdadeiramente era, minha melhor versão na escuridão.